Trad. Joaquim José Moura Ramos, Martins Fontes, 3.ed.
“A ciência da economia sexual consistiu neste corpo de conhecimentos [reichianos]. Ela permite designar a obra de Reich desde a sua refutação da filosofia freudiana da cultura, até a descoberta do orgone, momento em que tal ciência foi superada pela orgonomia, ou ciência da Energia Vital.” Joaquim J.M. Ramos
PREFÁCIO
“o resultado mais deplorável é o trabalho de Kolnaï «Psicanálise e sociologia» — autor que, sem mais nem menos, sem nunca ter sido realmente analista, «aterrou» em Scheler após se ter oficialmente separado da psicanálise”
“Não sendo um sistema filosófico (Weltsanschauung) nem sendo capaz de engendrar um, a psicanálise não poderia substituir nem completar a concepção materialista da história. Ciência natural [!], ela não tem nada de comum com as concepções históricas de Marx. (…) É por isto que Freud, enquanto cientista, não tinha o dever de extrair da sua teoria as conseqüências sociais: na prática, isto continua reservado ao sociólogo.”
“Ela só se interessa com o psiquismo das massas na medida em que nele surgem fenômenos individuais (o problema do chefe por exemplo), na medida em que, pelo seu conhecimento do indivíduo, ela pode explicar as manifestações da «alma das massas» tais como o medo, o pânico, a obediência, etc. Mas parece que o fenômeno da consciência de classe lhe é dificilmente acessível; e os problemas tais como o movimento de massas, a política, a greve, que são do domínio da sociologia, escapam ao método psicanalítico.” “A psicanálise pode descobrir os, motivos irracionais que levam um temperamento de chefe a ligar-se mais ao socialismo do que ao nacionalismo, ou inversamente; pode também discernir a influência das ideologias sociais no desenvolvimento psíquico do indivíduo”
“[Já] a sociologia não poderia explicar uma neurose, uma perturbação da aptidão para o trabalho ou da atividade sexual. Mas, tratando-se do materialismo dialético, já o mesmo não acontece.” “Do ponto de vista lógico, a psicanálise só pode opor-se ao marxismo ou concordar com ele.” “nas mãos dos reformistas, a psicanálise sofre a mesma sorte que o marxismo vivo; aviltamento e dissolução.”
1. Os conhecimentos materialistas da psicanálise e algumas interpretações idealistas
«O materialismo do século passado era em grande parte mecânico porque nesta época, de todas as ciências naturais, apenas a mecânica […] tinha chegado a um certo desenvolvimento. A química ainda só existia na sua forma primitiva, flogística. A biologia estava ainda no começo. O organismo vegetal e animal só tinha sido estudado de forma muito grosseira e apenas era explicado por causas de natureza puramente mecânica. Para os materialistas do séc. XVIII, o homem era uma máquina, tal como o animal para Descartes. Esta aplicação exclusiva da mecânica aos fenômenos de natureza química e orgânica, em que as leis não-mecânicas também tinham certamente a sua ação mas eram relegadas para segundo plano por leis superiores, constitui uma limitação especifica, mas inevitável nesta época, do materialismo francês clássico». (F. ENGELS, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica)
“Marx nunca fala em negar a realidade material da atividade mental. Mas se reconhecermos como materiais os fenômenos do psiquismo humano, seremos igualmente obrigados a reconhecer a possibilidade teórica de uma psicologia materialista, mesmo que não explique esta atividade mental por processos orgânicos. Rejeitar este ponto de vista equivale a recusar discutir como marxista um método puramente psicológico. E então, com toda a lógica, não será preciso falar mais de consciência de classe, de vontade revolucionária, de ideologia religiosa, etc. (…) Mas, devendo necessariamente permanecer agarrada a um formalismo causal, sem dar acesso ao conteúdo prático das representações e dos sentimentos, uma tal psicologia não conduzirá de maneira nenhuma a uma melhor compreensão do prazer, do sofrimento, ou da consciência de classe.”
“Freud sempre admitiu que o psíquico se elabora na base do orgânico, sem por isso deduzir as leis psíquicas das leis orgânicas. A economia sexual que deve captar o processo sexual em todas as suas funções, psíquicas como fisiológicas, biológicas como sociais, deve descobrir a lei sexual fundamental em todas as funções deste processo, se pretender tornar-se uma disciplina científica correta. Deste modo ela vê-se colocada perante o difícil problema de distinguir as funções sexuais psíquicas das funções sexuais biológicas. O método dialético, que ela utiliza conscientemente, ajuda-a nesta tarefa. No plano dos princípios, eis o que é importante dizer: O psíquico tem sem dúvida a sua origem no orgânico, deve apresentar as mesmas leis que este; mas, ao mesmo tempo, opõe-se ao orgânico como seu contrário e, nesta função, desenvolve leis que lhe são próprias. A tarefa da psicanálise só pode ser a pesquisa destas últimas; no essencial esta tarefa já foi realizada. Podemos acreditar que a economia sexual consiga resolver fundamentalmente o problema das relações entre as funções corporais e psíquicas; o êxito depende de circunstâncias ainda incontroláveis. Cf. «A contradição originaria da vida vegetativa»” “Não tentaremos demonstrar as teorias psicanalíticas; este objetivo, além de ser estéril, ultrapassaria o quadro do nosso trabalho. O leitor encontrará provas na sua experiência empírica pessoal.”
2. A teoria psicanalítica das pulsões
“A pulsão é uma «noção limite entre o psíquico e o somático».”
“Aquilo a que se chama quimismo sexual parece não ser mais do que uma função de uma energia orgânica mais geral. Sobre este problema, o essencial está ainda por descobrir.”
“Freud exprimiu a esperança de ver um dia a psicanálise baseada em fundamentos orgânicos; e a idéia do quimismo sexual desempenha, a título de representação auxiliar, um papel importante na sua teoria da libido; de qualquer modo, a psicanálise não pode abordar metodicamente os fenômenos orgânicos concretos: este estudo continua reservado à fisiologia. A natureza material da noção de libido elaborada por Freud surge claramente no fato de que a sua teoria da sexualidade infantil foi desde então inteiramente confirmada pelos fisiologistas”
“A repressão sexual social havia-se tornado um obstáculo à investigação científica.”
“Enquanto a base física da pulsão sexual e da pulsão de nutrição é evidente, à noção de pulsão de morte falta um fundamento material igualmente claro: a invocação do processo orgânico de desagregação representa, neste caso, mais uma analogia formal do que uma relação efetiva de conteúdo. A pulsão de morte só será materialista na medida em que uma relação real a ligue aos processos de autodestruição no organismo. Mas não podemos negar que o seu conteúdo impreciso e a impossibilidade de a captar como tal — o que já é possível para a libido por exemplo — fazem facilmente dela o refúgio das especulações idealistas e metafísicas sobre a vida psíquica.”
“a insatisfação sexual aumenta a agressividade ao passo que a satisfação a diminui. Segundo esta concepção, a pulsão de destruição é psicologicamente uma reação à falta de satisfação sexual, e a sua base física é o deslocamento da excitação libidinal, desviada para o sistema muscular. Mas é inegável que a pulsão de agressão é também um instrumento de pulsão de nutrição e que ela se reforça quando a necessidade nutritiva não está suficientemente satisfeita.”
“São numerosos os desvios idealistas em psicanálise quanto à maneira de conceber o princípio da realidade. Assim, ele é muitas vezes apresentado como um dado absoluto. Por adaptação à realidade entende-se simplesmente a adaptação à sociedade, o que, na pedagogia como na terapêutica das neuroses, constitui inegavelmente uma formulação conservadora.”
“Naturalmente, o conteúdo concreto do princípio do prazer também não é absoluto e muda com o modo de existência social. Numa época em que se consagra uma grande atenção à higiene, a satisfação anal, p.ex., será mais fraca [tabu, nojo, sexo seguro de infecções quando realizado, ‘planificado’] e a tendência para esta satisfação mais forte [orifício mais desejado, mais concentração libidinal, vontade de transgredir e de evadir a norma, exposição a riscos] que numa sociedade primitiva”
“Basta pensar no esteticismo edificado em torno do erotismo anal e nos diversos significados que possui na época burguesa, na sociedade primitiva ou na Idade Média.” fetiche & controle de natalidade – indiferença – pecado
3. A teoria do inconsciente e do recalcamento
“É certo que a obra de Freud «Para além do princípio do prazer» era susceptível de fazer surgir concepções errôneas em psicanálise. No entanto, o seu próprio autor criticou este trabalho, quer oralmente quer por escrito, especificando que não se situava no domínio da psicanálise clínica. Se apesar disso ele constitui ponto de partida de especulações completamente inconscientes ligadas à hipótese da pulsão de morte, isso significa apenas que a teoria da libido é demasiado incômoda para a ideologia burguesa e que esta a troca de boa vontade por uma hipótese menos perigosa.”
3. A dialética do psiquismo
“A hipótese do complexo de Édipo vale para todas as sociedades patriarcais; mas, segundo as investigações de Malinowski, as relações entre pais e filhos são tão diferentes nas sociedades matriarcais que nunca se pode falar em complexo de Édipo nestas.”
4. A posição sociológica da psicanálise
“A psicanálise é uma reação às condições culturais e morais em que vive o homem social. Neste caso, uma reação às condições sexuais tais como resultam das ideologias religiosas. A revolução burguesa do século XIX varreu em grande parte o modo de produção feudal e opôs à religião e às suas leis morais as suas idéia liberais. Mas a rotura com a moral religiosa já se preparava desde a época da revolução francesa; a burguesia parecia trazer em si o germe de uma moral, particularmente de uma moral sexual, oposta à da Igreja. Contudo, uma vez consolidados o seu poder e a economia capitalista, a burguesia torna-se reacionária, reconcilia-se com a religião de que tinha necessidade para manter a opressão do proletariado que concomitantemente surgiu, e até retomou, sob uma forma algo modificada mas essencialmente intacta, a moral sexual da Igreja. A condenação da sensualidade, a monogamia, a castidade da rapariga e, em seguida, a irrupção da sexualidade masculina, tiveram desde então um novo significado econômico, desta vez capitalista. A burguesia, que havia vencido o feudalismo, retomou em grande parte os hábitos de vida e as necessidades culturais da feudalidade; também achou por bem separar-se do «povo» por leis morais próprias, restringindo assim cada vez mais as necessidades sexuais. Na classe burguesa, por razões econômicas, a liberdade sexual é completamente asfixiada até ao casamento, e a juventude masculina procura a satisfação junto das mulheres e das raparigas do proletariado. Por isso, e devido à contradição ideológica de classes, a exigência de castidade para a rapariga burguesa reforça-se; assim, a moral sexual dupla reaparece sob uma base capitalista. Esta moral decompõe a sexualidade do homem e destrói a da mulher, da mulher que, devido à sua própria evolução, permanece interiormente «casta» no casamento, isto é, frígida, pouco atraente, até repelente; o que novamente reforça a moral dupla, continuando o homem a procurar a satisfação junto da mulher proletária, que ele despreza por sentimento de classe, ao mesmo tempo que é obrigado a manter as aparências de uma «moralidade» irrepreensível; interiormente, revolta-se contra a esposa, mas exteriormente faz alarde de sentimentos exatamente contrários e inculca a sua ideologia nos filhos. Mas o recalcamento, o aviltamento sexual durável torna-se dialeticamente um elemento destrutor da instituição conjugal e da ideologia da moral sexual. A primeira etapa da destruição da moral burguesa: as perturbações mentais multiplicam-se. A ciência oficial, ela própria apanhada pelo recalcamento sexual, despreza a sexualidade como objeto de investigação e lança um olhar desprezível sobre os autores a quem estes problemas absorvem cada vez mais intensamente. (…) No fim do século XIX desenha-se uma reação contra a ciência presa nos seus entraves morais, e é a segunda fase, a fase científica do declínio da moral burguesa. (…) A sociedade burguesa voltou-se contra Freud porque ele parecia ameaçar extremamente a existência do seu aparelho ideológico. O próprio Freud nunca reconheceu esta razão, além de que nem sequer se deu conta do alcance da sua descoberta. A [minha] economia sexual continua a função da psicanálise do ponto de vista social, precisamente no aspecto em que ela é rejeitada pelos representantes da psicanálise. (…) A juventude burguesa protesta contra a casa paterna e cria o seu próprio «movimento de juventude», cujo significado oculto é a aspiração à liberdade sexual. Mas, não se tendo aliado ao proletariado, este movimento torna-se insignificante e desaparece depois de ter parcialmente atingido os seus objetivos. (…) Todos estes fenômenos, que precederam ou acompanharam a aparição da psicanálise, atenuaram-se. É que, com efeito, a partir do momento em que as coisas se tornam sérias, ninguém ousa ir ao fundo do problema e tirar as conclusões que se impõem.”
“A criança proletária possui uma grande liberdade sexual no meio de uma pressão sexual muito severa. Isto cria uma estrutura particular que se diferencia fundamentalmente da estrutura pequeno-burguesa, por exemplo.”
“a pequena-burguesia, sempre mais realista que o rei e que observa o ideal moral do seu modelo, a grande burguesia, mais escrupulosamente do que o faz esta última — que no fundo já rejeitou esta moral há muito tempo.”
“as descobertas da psicanálise encontram imediatamente uma compreensão natural no trabalhador inculto, ao contrário do que se passa com o funcionário pequeno-burguês; não basta divulgar os conhecimentos psicanalíticos na sua terminologia psicanalítica, é preciso explicar claramente os fatos a partir da vida sexual das massas. O movimento alemão Sexpol, que se desenvolveu rapidamente, deu-nos a prova da força política da teoria sexual científica.”
“Se se aceita a psicanálise, será para a manter ou para a destruir?” Freud
“quando Freud começou a construir a sua psicologia do eu sobre a sua teoria sexual, o mundo científico teve um enorme suspiro de alívio: Freud começava finalmente a refrear os seus absurdos; finalmente, a atenção volta-se para aquilo que existe de «superior» no homem, e sobretudo para a moral…” “Falou-se de uma nova era da análise, de um Renascimento… Numa palavra, a psicanálise tornava-se socialmente admissível. Posteriormente isto foi confirmado de forma trágica pelo abandono crescente da teoria sexual (Adler, Jung); este estado, de fato, merece uma análise aprofundada.”
“No salão, na hora do chá, analisam-se mutuamente os complexos, fala-se do simbolismo do sonho.” “A «psicanálise» tornou-se um bom negócio.”
“Jung baralhou toda a teoria psicanalítica (que no entanto estava solidamente construída), para fazer dela uma religião em que o problema da sexualidade já não se põe. Ultimamente Jung tornou-se o advogado do fascismo no domínio da psicanálise. A IPA não faz a menor idéia da significação e origem sócio-culturais destes acontecimentos. Mais ainda, ela opõe-se à sua explicação. (…) Quer se trate de problemas de terapêutica analítica (Rank, Stekel) ou de concepções teóricas (Adler, Jung), este estado de fato merece uma análise aprofundada porque explica melhor do que qualquer outra coisa a significação social da psicanálise.”
“Rank, outrora um dos mais dotados discípulos de Freud, dilui o conceito da libido na psicologia do eu, chegando assim à sua teoria do corpo materno e do traumatismo do nascimento, acabando por negar os conhecimentos fundamentais da psicanálise.”
“proclama-se que a descoberta do sentimento inconsciente de culpa constitui a 1a descoberta autêntica de Freud e que só agora se consegue chegar ao fundo das coisas.”
“A situação social do psicanalista impede-o de explicar publicamente que a moral sexual atual, que o casamento, a família burguesa, a educação burguesa não se podem conciliar com a cura psicanalítica radical das neuroses. É fácil reconhecer que as condições familiares são desoladoras, que o meio que rodeia o doente é geralmente o maior obstáculo à sua cura”
“se a psicanálise se adaptar à sociedade burguesa, sofre a mesma morte que o marxismo nas mãos dos socialistas reformistas, isto é, a morte por degenerescência (…) Os analistas que encaram com otimismo a divulgação da psicanálise enganam-se fortemente. Esta divulgação marca precisamente o início do seu declínio.”
Estava indo bem: “a psicanálise só pode ter futuro no socialismo.”
“Na União Soviética a psicanálise não pôde desenvolver-se. Encontrou as mesmas dificuldades que nos países burgueses, só com a diferença importante de que, individualmente, os analistas ocupam funções importantes. Mas no plano social permaneceu estagnada. Isto explica-se com certeza pelo fato de os dirigentes da União Soviética não terem reconhecido a contradição em que se encontra a revolução sexual e cultural neste país. Este domínio de problemas é tão vasto e oferece uma problemática tão rica que não podemos aqui adiantar mais nada, por muito atual que seja o problema. Se, como já ouvi dizer, Stalin reconheceu que, ao contrário da economia, não se podia considerar conseguida a planificação do homem, isto deve-se primeiro que tudo — como se conclui das informações que temos — à inexistência da restauração sexual dos homens.”
“Vimos que a psicanálise não pode extrair de si uma concepção do mundo e que, conseqüentemente, não pode substituir uma concepção do mundo; mas ela implica uma revisão de valores; aplicada na prática ao indivíduo, destrói a religião, a ideologia sexual burguesa e liberta a sexualidade. Ora estas são precisamente as funções ideológicas do marxismo.” Preciso quanto à ciência de Freud, porém o marxismo também não traz novos valores… Se os trouxesse eles já estariam implementados.
“Numerosos analistas pensam que ela pode transformar o mundo na via da evolução e substituir assim a revolução social, uma utopia baseada numa ignorância absoluta dos problemas econômicos e políticos.”
“As experiências na Alemanha, em particular a reação imediata de toda a juventude às primeiras tentativas de política sexual que consistiam em politizar a vida privada, ensinaram que a dissolução pela psicologia de massas das contradições entre as necessidades sexuais e as inibições morais constitui para o trabalho revolucionário um meio de ação importante, fundamental no plano da política cultural.”
“Nesta sociedade a criança só pode ser educada para esta sociedade; educar com vista a uma outra sociedade, é entregar-se a uma modificação ilusória enquanto o regime subsistir; da mesma forma, antes da revolução, a pedagogia psicanalítica só pode ser aplicada no interesse da sociedade burguesa. Mas os pedagogos psicanalíticos que procuram modificar esta sociedade arriscam-se a ter a mesma sorte do padre que, visitando um agente de seguros ateu à beira da morte, o deixou sem o ter convertido, mas não sem ter assinado uma apólice. A sociedade é mais forte do que as aspirações de alguns dos seus membros isolados.”
5. A aplicação da psicanálise à pesquisa histórica
“Neguei a possibilidade de extrair uma sociologia da psicanálise, porque o método da psicologia deve, quando aplicado às realidades do processo social, conduzir inevitavelmente a resultados metafísicos e idealistas, o que na realidade aconteceu.¹ Tal me valeu duros ataques por parte dos psicanalistas que praticam a «sociologia selvagem».²”
¹ Mas se o que ele propõe é pôr de novo a carroça atrás dos bois, os bois são o próprio Marxismo, que neste contexto são sinônimos de “sociologia”. Creio que o texto está errado e deveria ser “psicanálise da sociologia”.
² ????????? – Com certeza inverteram os termos! Não seriam “marxistas que praticam a ‘psicanálise selvagem’”? Minha única sugestão para remover a estranheza do parágrafo!
“Após ter finalmente encontrado uma formulação provisória que tentava dar, na sociologia, um lugar à psicanálise, fui atacado por Sapir que me acusou de ter caído em contradição.”
“Alguns continuaram, com toda a indiferença, a urdir a sua «psicanálise sociológica», a qual acabou por festejar recentemente o seu triunfo com a tese segundo a qual a existência da política se deve explicar pela necessidade de punição das massas. (Laforgue, Psicanálise da Política, 1931) [!]” Depois, Reich refere que Fenichel criticou duramente esta obra, um ano depois.
Outra gafe da péssima edição e tradução portuguesa: troca os títulos de duas obras reichianas, Sob a Bandeira do Marxismo e Materialismo dialético e Psicanálise (sim, a própria obra que estavam a traduzir!) – THE META-ERROR!
“Quando em 1929 repudiei a aplicação do método psicanalítico ao domínio social, apoiava-me nas aplicações do método psicanalítico à sociologia, efetuadas, até então, pelos psicanalistas, aplicações essas que contradiziam estritamente as do marxismo e se revelavam falsas. Era certamente claro que a psicanálise tinha coisas importantes a dizer sobre sociologia, mas a questão estava simplesmente em saber como se poderiam evitar os absurdos que daí tinham, então, resultado, e qual o caminho que se deveria tomar para dar o devido valor aos tesouros que eram já visíveis mas, provisoriamente, inacessíveis. É verdade que eu repudiara no meu trabalho, aparecido em Sob a bandeira do marxismo, a aplicação do método psicanalítico em sociologia, mas conseguira, ao mesmo tempo, encontrar uma formulação provisória, o que levou Sapir a censurar a minha inconseqüência.”
“a estrutura psíquica de uma operária cristã, que adere ao Zentrum¹ ou ao fascismo e não pode ser desviada da sua orientação política por qualquer esforço do tipo habitual, deve ser de uma espécie particular, diferente da estrutura psíquica de uma operária comunista.” “um tal modo de pensar não repousa no «embrutecimento» ou no «obscurecimento», por exemplo, mas numa modificação fundamental da estrutura humana, no sentido da ordem reinante.”
¹ Grande partido liberal da Alemanha pré-hitlerista.
“Isto barra o caminho da sociologia ao psicólogo que não tem cultura e formação sociológica, e obriga-o a assimilar o método da pesquisa histórica. Ao mesmo tempo, força o economista [marxista] a reconhecer a sua contradição, quando fala de consciência de classe.”
Embrulha e demole Sapir e Fromm categoricamente!
“Importa que o comportamento do pequeno capitalista quando de uma bancarrota, por exemplo, ou a revolta dos camponeses nas baixas de preços dos cereais, não sejam explicados por motivações da libido ou pela revolta contra o pai.” “Pretende-se que o capitalismo não seja explicado pela estrutura sádico-anal dos homens, mas esta pela ordem sexual do patriarcado.”
“a sociedade não tem psique, nem inconsciente, nem pulsão, nem superego, como Freud o admite em Mal-estar na civilização”
“Estou convencido que Laforgue é bom homem, e no entanto ele tinha necessariamente de chegar à conclusão de que a polícia se explica pela necessidade de punição das massas, dado que ele estuda psicologicamente a polícia, como instituição social, e não a sua psicologia e os seus efeitos sobre os dominados.”
“A greve é um fenômeno sociológico na fase capitalista da evolução social. A sociologia marxista estuda os processos que levam a uma greve, pondo a claro, por exemplo, a relação de produção entre os operários e o patrão; e a lei da economia capitalista pela qual a mercadoria/força-de-trabalho é comprada e consumida, como qualquer outra mercadoria, pelo proprietário dos meios de produção. Ela descobre outras leis econômicas, pelas quais a concorrência constrange os produtores a reduzir os salários para aumentar a taxa de lucros, etc. No entanto esta greve faz-se pela vontade e consciência dos operários em causa, ou seja, o fato sociológico é psiquicamente representado de uma maneira determinada. Conseqüentemente, a psicologia deve ter alguma coisa a dizer, a este respeito; mas como? Porque daí depende aquilo que ela enuncia. Verificar-se-á imediatamente que a psicanálise do inconsciente de um ou vários operários grevistas nada enunciará sobre a greve como fenômeno social ou sobre as suas «razões profundas» e também pouca coisa sobre as motivações que levam o operário a participar na greve. (…) por outras palavras, a própria psicologia social não explica a greve.”
“explicar a greve a partir desta realidade equivale a fazer a mesma coisa que o etnólogo oficial da psicanálise, Roheim: declarações sobre as culturas primitivas a partir dos sonhos primitivos, em vez de explicar o conteúdo conflitual dos sonhos a partir das culturas primitivas. Assim com a psicologia, apreendemos o comportamento do operário na greve, mas não a própria greve.”
“Mas de onde provêm a ligação ao pai e a angústia diante da autoridade? De novo, unicamente da situação familiar que é, ela própria, determinada sócio-economicamente.” “Quanto mais racional é o comportamento, tanto mais estreito se torna o campo das tarefas da psicologia do inconsciente; e quanto mais irracional, mais esse campo se alarga e mais a sociologia necessita do auxílio da psicologia.”
“A concepção oficial explica a não-adaptação como um comportamento infantil-irracional. Aqui, opõem-se duas visões de mundo.”
“Resulta daqui, em conclusão, que a aplicação consciente ou inconsciente do materialismo dialético no domínio da psicologia nos fornece os resultados da psicanálise clínica, que a aplicação destes resultados na sociologia e na própria política levam a uma psicologia social marxista, enquanto que a aplicação do método psicanalítico aos problemas da sociologia e da política, redunda, necessariamente, numa sociologia metafísica psicologizante e, o que é mais, reacionária.”