DICA PRECIOSA: Passe longe de todos os capítulos cujos títulos estiverem grifados em verde, não importa quão ardente seja sua vontade de conhecer este autor e esta obra na fonte original. Também dos capítulos em que consta apenas o sinal “(…)” nada achei de aproveitável. Obra esta considerada um “clássico” da filosofia moderna, até hoje não sei por quê! Para os parâmetros da Idade Média (muito, muito abaixo dos nossos), creio que Hobbes não esteja assim tão mal…
“apertado entre aqueles que de um lado se batem por uma excessiva liberdade, e do outro por uma excessiva autoridade, é difícil passar sem ferimento por entre as lanças de ambos os lados.”
TEMPOS DE PENSAMENTOS QUE NÃO PODEMOS E NEM QUEREMOS RECUPERAR: “Pois vendo que a vida não é mais do que um movimento dos membros, [!] cujo início ocorre em alguma parte principal interna, por que não poderíamos dizer que todos os autômatos (máquinas que se movem a si mesmas por meio de molas, tal como um relógio) possuem uma vida artificial? Pois o que é o coração, senão uma mola; e os nervos, senão outras tantas cordas; e as juntas, senão outras tantas rodas, imprimindo movimento ao corpo inteiro, tal como foi projetado pelo Artífice?”
“pela arte é criado aquele grande Leviatã a que se chama Estado, ou Cidade (em latim civitas), que não é senão um homem artificial, embora de maior estatura e força do que o homem natural, para cuja proteção e defesa foi projetado.”
“há um ditado que ultimamente tem sido muito usado: que a sabedoria não se adquire pela leitura dos livros, mas do homem.” “Mas há um outro ditado que ultimamente não tem sido compreendido, graças ao qual os homens poderiam realmente aprender a ler-se uns aos outros, se se dessem ao trabalho de fazê-lo: isto é, Nosce te ipsum, Lê-te a ti mesmo.”
A VELHA ILUSÃO SOLIPSISTA QUE SÓ SE AGRAVA COM O TEMPO: “a partir da semelhança entre os pensamentos e paixões dos diferentes homens, quem quer que olhe para dentro de si mesmo, e examine o que faz quando pensa, opina, raciocina, espera, receia, etc., e por que motivos o faz, poderá por esse meio ler e conhecer quais são os pensamentos e paixões de todos os outros homens, em circunstâncias idênticas.”
Ora, se não é o Platão que cria platõezinhos práticos (Políticos, i.e., Filósofos, de Inicial Maiúscula!): “Mas mesmo que um homem seja capaz de ler perfeitamente um outro através de suas ações, isso servir-lhe-á apenas com seus conhecidos, que são muito poucos. Aquele que vai governar uma nação inteira deve ler, em si mesmo, não este ou aquele indivíduo em particular, mas o gênero humano. O que é coisa difícil, mais ainda do que aprender qualquer língua ou qualquer ciência, mas ainda assim, depois de eu ter exposto claramente e de maneira ordenada minha própria leitura, o trabalho que a outros caberá será apenas verificar se não encontram o mesmo em si próprios. [!!] Pois esta espécie de doutrina não admite outra demonstração. [!!!]”
PRIMEIRA PARTE. DO HOMEM
I. DA SENSAÇÃO
“não há nenhuma concepção no espírito do homem que primeiro não tenha sido originada, total ou parcialmente, nos órgãos dos sentidos”
…VENTO E BOLHAS: “objeto é uma coisa, e a imagem ou ilusão uma outra. De tal modo que em todos os casos a sensação nada mais é do que a ilusão originária, causada pela pressão”
E fez-se a Ilusão
Pelo Antagonismo e Concorrência e Luta Intestina
de
Pressões!
Poema Horroroso como seu Autor indireto!
II. DA IMAGINAÇÃO
“embora o vento deixe de soprar, as ondas continuam a rolar durante muito tempo ainda” “A imaginação nada mais é portanto senão uma sensação diminuída” “a imaginação e a memória são uma e a mesma coisa”
“quando alguém compõe a imagem de sua própria pessoa com a imagem das ações de outro homem, como quando alguém se imagina um Hércules, ou um Alexandre (o que freqüentemente acontece àqueles que lêem muitos romances), trata-se de uma imaginação composta e na verdade nada mais é do que uma ficção do espírito.” Horrível
Esses cansativos e cretinos exemplos dos “sensualistas”: “depois de olharmos fixamente para o Sol, permanece diante dos nossos olhos uma imagem do Sol que se conserva durante muito tempo depois” Vá ao oculista dos Ínferos!
“As imaginações daqueles que se encontram adormecidos denominam-se sonhos.” Você passou muito tempo vendo seu pai comer sua mãe?
Valeu, Confúcio! “contento-me com saber que, estando desperto, não sonho, muito embora, quando sonho, me julgue acordado.”
“o excesso de calor de algumas das partes provoca a cólera, e faz surgir no cérebro a imaginação de um inimigo.” Deve ser! Todo morador do cerrado deve sonhar com poodles pretos…
O erotismo é o calor no pau! Durma sem cueca!
“Desta ignorância quanto à distinção entre os sonhos, e outras ilusões fortes, e a visão e a sensação, surgiu, no passado, a maior parte da religião dos gentios, os quais adoravam sátiros, faunos, ninfas, e outros seres semelhantes, e nos nossos dias a opinião que a gente grosseira tem das fadas, fantasmas, e gnomos, e do poder das feiticeiras. Pois, no que se refere às feiticeiras, não penso que sua feitiçaria seja algum poder verdadeiro; contudo, elas são justamente punidas, pela falsa crença que possuem, acrescentada ao seu objetivo de a praticarem se puderem, estando sua atividade mais próxima de uma nova religião do que de uma arte ou uma ciência.” Dizer o quê! Hobbes ataca o catolicismo em sua obra inteira – não sabemos se por convicção ou medo da Coroa Inglesa (não que algum dos cenários seja menos pusilânime) – mas aplaude a sua instituição mais abominável: o Holocausto da Inquisição! Este é o livro mais merecedor da nota 1/5 do meu recente método de avaliação de leituras.
III. DA CONSEQÜÊNCIA OU CADEIA DE IMAGINAÇÕES
“além da sensação e dos pensamentos e, da cadeia de pensamentos, o espírito do homem não tem qualquer outro movimento, muito embora, com a ajuda do discurso e do método, as mesmas faculdades possam ser desenvolvidas a tal ponto que distinguem os homens de todos os outros seres vivos.”
IV. DA LINGUAGEM
Hobbes considerava-se um antiescolástico! Veremos cada vez mais a ironia de seu posicionamento: “O primeiro autor da linguagem foi o próprio Deus, que ensinou a Adão a maneira de designar aquelas criaturas que colocava à sua vista, pois as Escrituras nada mais dizem a este respeito.” “Pois nada encontrei nas Escrituras que pudesse afirmar, direta ou indiretamente, que a Adão foram ensinados os nomes de todas as figuras, números, medidas, cores, sons, ilusões, relações, e muito menos os nomes de palavras e de discursos, como geral, especial, afirmativo, negativo, interrogativo, optativo, infinitivo, as quais são todas úteis, e muito menos os de entidade, intencionalidade, qüididade, e outras insignificantes palavras das Escolas.” Essa expressão em itálico será repetida ad nauseam quando falar dos (que ele considera serem os) Escolásticos…
Adão inventou sozinho as preposições. Ou teria sido sua costela? Eta!
Adão não pichava, porque não havia muros nem “grafite em spray”…
oN THE WALL
E se eu cavar um Poço de Babel?
“dado que a natureza armou os seres vivos, uns com dentes, outros com chifres, e outros com mãos para atacarem o inimigo, nada mais é do que um abuso da linguagem ofendê-lo com a língua, a menos que se trate de alguém que somos obrigados a governar, mas então não é ofender, e sim corrigir e punir.” Pro seu governo eu desejo e profiro que você vá tomar no seu cu!
Adão cabulou as divinas aulas de matemática no Instituto Éden? “E parece [sim, pois é mera ilusão] que houve uma época em que esses nomes de números não estavam em uso, e os homens contentavam-se em utilizar os dedos de uma ou das duas mãos para aquelas coisas que desejavam contar, e daí resultou que hoje as nossas palavras numerais [??] só são 10 em qualquer nação, e em algumas só são cinco, caso em que se recomeça de novo.”
“em geometria (que é a única ciência que aprouve a Deus conceder à humanidade) os homens começam por estabelecer as significações de suas palavras, e a esse estabelecimento de significações chamam definições, e colocam-nas no início de seu cálculo.”
“à medida que os homens vão adquirindo uma abundância de linguagem, vão-se tornando mais sábios ou mais loucos do que habitualmente. Nem é possível sem letras que algum homem se torne ou extraordinariamente sábio, ou (a menos que sua memória seja atacada por doença, ou deficiente constituição dos órgãos) extraordinariamente louco. Pois as palavras são as calculadoras dos sábios, que só com elas calculam; mas constituem a moeda dos loucos que a avaliam pela autoridade de um Aristóteles, de um Cícero, ou de um Tomás, ou de qualquer outro doutor que nada mais é do que um homem.”
Se eu fosse louco eu seria incomensuravelmente trilionário…
Como bom escritor-cão eu demarco território e faço xixi em tudo.
Eu sou contra metáforas. Isto é uma metáfora.
V. DA RAZÃO E DA CIÊNCIA
“razão nada mais é do que cálculo (isto é, adição e subtração) das conseqüências de nomes gerais estabelecidos para marcar e significar nossos pensamentos. Digo marcar quando calculamos para nós próprios, e significar quando demonstramos ou aprovamos nossos cálculos para os outros homens.”
“a aritmética é uma arte infalível e certa.”
“É tão intolerável na sociedade dos homens como no jogo, uma vez escolhido o trunfo, usar como trunfo em todas as ocasiões aquela série de que se tem mais cartas na mão.”
“aquele que tira conclusões confiado em autores, e não as examina desde os primeiros itens em cada cálculo perde o seu esforço e nada fica sabendo” Careful what you preach: lest you suffer your own recriminations!
A VIDA SEM ABSURDO SERIA UM ERRO: “o erro é apenas uma ilusão, ao presumir que algo aconteceu, ou está para acontecer, acerca do que, muito embora não tivesse acontecido, não existe contudo nenhuma impossibilidade aparente. Mas quando fazemos uma asserção geral, a menos que seja uma asserção verdadeira, sua possibilidade é inconcebível. E as palavras com as quais nada mais concebemos senão o som são as que denominamos absurdas; insignificantes, e sem sentido. E portanto se alguém me falasse de um quadrângulo redondo, ou dos acidentes do pão no queijo, ou de substâncias imateriais, ou de um sujeito livre, livre-arbítrio, ou qualquer coisa livre, mas livre de ser impedida por oposição, não diria que estava em erro, mas que as suas palavras eram destituídas de sentido, ou seja, absurdas.”
EU CONTO OU VOCÊS CONTAM? “o privilégio do absurdo, ao qual nenhum ser vivo está sujeito, exceto o homem. E entre os homens aqueles que professam a filosofia são de todos os que lhe estão mais sujeitos. Pois é bem verdade aquilo que Cícero disse algures a seu respeito: que nada há mais absurdo do que aquilo que se encontra nos livros de filosofia.”
O PITÁGORAS MODERNO ANTI-ENSAÍSTA: “não há um só que comece seus raciocínios com definições, ou explicações dos nomes que irá usar, o que é um método que só tem sido usado em geometria, cujas conclusões foram assim tornadas indiscutíveis.” Como você é um sujeito que descreveu as sensações, eu só gostaria de pedir uma coisa: não carece definir tudo, apenas tenha tato!
“Atribuo a terceira causa de absurdos ao fato de se darem nomes de acidentes de corpos exteriores a nós a acidentes de nossos próprios corpos, como fazem aqueles que dizem <a cor está no corpo>, <o som está no ar>, etc.”
“A sexta ao uso de metáforas, tropos e outras figuras de retórica, em vez das palavras próprias.” Como p.ex. esses filosofastros que falam como geômetras!
A OVELHA NEGRA DA FAMÍLIA TEOLÓGICA MEDIEVAL: “A sétima aos nomes que nada significam, mas que se tomam e aprendem por hábito nas Escolas, como hipostático, transubstanciar, consubstanciar, eterno-agora¹ e outras semelhantes cantilenas dos escolásticos.”
¹ Mais sobre isso no longínquo CAPÍTULO XLVI.
“Para aquele que sabe evitar estas coisas não é fácil cair em qualquer absurdo, a menos que seja pela extensão do cálculo, no qual pode talvez esquecer o que ficou para trás.” Você viu onde deixei de fechar um ( e um [?!?
“Pois todos os homens por natureza raciocinam de forma semelhante” Algumas linhas após ter ‘refutado’ a existência do ‘universal’.
CONHECI UM MESTRE DE ESGRIMA CHAMADO SÃO PAULO: “Mas aqueles que acreditando apenas na autoridade dos livros vão cegamente atrás dos cegos são como aquele que, acreditando nas falsas regras de um mestre de esgrima, presunçosamente se aventura contra um adversário que ou o mata ou o desgraça.”
SÓ ACREDITO NO QUE LEIO NAS CASCAS DAS ÁRVORES: “é sinal de loucura, e geralmente desprezado com o nome de pedantismo, abandonar o próprio juízo natural para se deixar conduzir por sentenças gerais lidas em autores e sujeitas a muitas exceções.” Se um homem chamado Thomas Hobbes passar por aqui, não acredite em NADA do que ele disser!
VI. DA ORIGEM INTERNA DOS MOVIMENTOS VOLUNTÁRIOS VULGARMENTE CHAMADOS PAIXÕES; E DA LINGUAGEM QUE OS EXPRIME (primeiro capítulo legível [em geral])
“Este esforço, quando vai em direção de algo que o causa, chama-se apetite ou desejo, sendo o segundo o nome mais geral, e o primeiro freqüentemente limitado a significar o desejo de alimento, nomeadamente a fome e a sede. Quando o esforço vai no sentido de evitar alguma coisa chama-se geralmente aversão. As palavras apetite e aversão vêm do latim, e ambas designam movimentos, um de aproximação e o outro de afastamento.”
“Das coisas que não desejamos nem odiamos se diz que as desprezamos. Não sendo o desprezo outra coisa senão uma imobilidade ou contumácia do coração, ao resistir à ação de certas coisas. A qual deriva do fato de o coração estar já estimulado de maneira diferente por objetos mais potentes, ou da falta de experiência daquelas coisas.”
“nem há qualquer regra comum do bem e do mal, que possa ser extraída da natureza dos próprios objetos. Ela só pode ser tirada da pessoa de cada um (quando não há Estado) ou então (num Estado) da pessoa que representa cada um”
“A língua latina tem duas palavras cuja significação se aproxima das de bom e mau, mas que não são exatamente as mesmas, e são as palavras pulchrum e turpe. Significando a primeira aquilo que por quaisquer sinais aparentes promete o bem, e a segunda aquilo que promete o mal. Mas em nossa língua não temos homens suficientemente gerais para exprimir essas idéias. Para traduzir pulchrum, a respeito de algumas coisas usamos belo; de outras, lindo ou bonito, assim como galante, honrado, adequado, amigável. Para traduzir turpe usamos repugnante, disforme, feio, baixo, nauseante e termos semelhantes, conforme seja exigido pelo objeto. Todas estas palavras, em sua significação própria, indicam apenas o aspecto ou disposição que promete o bem e o mal. Assim, há 3 espécies de bem; o bem na promessa, que é pulchrum; o bem no efeito, como fim desejado, que se chama jucundum, delicioso; e o bem como meio, que se chama utile, ou proveitoso. E outras tantas espécies de mal: pois o mal na promessa é o que se chama turpe; o mal no efeito e no fim é molestum, desagradável, perturbador; e o mal como meio, inutile, inaproveitável, prejudicial.”
“O desejo de saber o porquê e o como chama-se curiosidade, e não existe em qualquer criatura viva a não ser no homem. Assim, não é só por sua razão que o homem se distingue dos outros animais, mas também por esta singular paixão.”
“O medo sem se saber por que ou de quê chama-se terror pânico, nome que lhe vem das fábulas que faziam de Pan seu autor.”
“O entusiasmo súbito é a paixão que provoca aqueles trejeitos a que se chama riso. Este é provocado ou por um ato repentino de nós mesmos que nos diverte, ou pela visão de alguma coisa deformada em outra pessoa, devido à comparação com a qual subitamente nos aplaudimos a nós mesmos. [=Kant, Schopenhauer, Bergson, etc.] (…) um excesso de riso perante os defeitos dos outros é sinal de pusilanimidade. Porque o que é próprio dos grandes espíritos é ajudar os outros a evitar o escárnio, e comparar-se apenas com os mais capazes.” Esta concepção envelheceu.
“em todos os casos tanto o riso como o choro são movimentos repentinos, e o hábito a ambos faz desaparecer. Pois ninguém ri de piadas velhas, nem chora por causa de uma velha calamidade.”
SER OU NÃO SER: “Quando surgem alternadamente no espírito humano apetites e aversões, esperanças e medos, relativamente a uma mesma coisa; quando passam sucessivamente pelo pensamento as diversas conseqüências boas ou más de uma ação, ou de evitar uma ação; de modo tal que às vezes se sente um apetite em relação a ela, e às vezes uma aversão, às vezes a esperança de ser capaz de praticá-la, e às vezes o desespero ou medo de empreendê-la; todo o conjunto de desejos, aversões, esperanças e medos, que se vão desenrolando até que a ação seja praticada, ou considerada impossível, leva o nome de deliberação.” “Esta sucessão alternada de apetites, aversões, esperanças e medos não é maior no homem do que nas outras criaturas vivas, consequentemente os animais também deliberam.” [!!]
“Os animais, dado que são capazes de deliberações, devem necessariamente ter também vontade. A definição da vontade vulgarmente dada pelas Escolas, como apetite racional, não é aceitável. Porque se assim fosse não poderia haver atos voluntários contra a razão. Pois um ato voluntário é aquele que deriva da vontade, e nenhum outro.”
“Que espécie de felicidade Deus reservou àqueles que devotamente o veneram, é coisa que ninguém saberá antes de gozá-la. Pois são alegrias que agora são tão incompreensíveis quanto a expressão visão beatífica, usada pelos Escolásticos, é ininteligível.” HAHAHA!
VII. DOS FINS OU RESOLUÇÕES DOS DISCURSOS
“Ninguém pode chegar a saber, através do discurso, que isto ou aquilo é, foi ou será, o que equivale a conhecer absolutamente. É possível apenas saber que, se isto é, aquilo também é; que, se isto foi, aquilo também foi; e que, se isto será, aquilo também será; o que equivale a conhecer condicionalmente. E não se trata de conhecer as conseqüências de uma coisa para outra, e sim as do nome de uma coisa para outro nome da mesma coisa.”
“Acreditar, ter fé em, ou confiar em alguém, tudo isto significa a mesma coisa: a opinião da veracidade de uma pessoa. (…) Esta singularidade do uso eclesiástico da palavra deu origem a numerosas disputas relativas ao verdadeiro objeto da fé cristã.”
TÍPICO HOMEM DA REFORMA: “quando acreditamos que as Escrituras são a palavra de Deus, sem ter recebido qualquer revelação imediata do próprio Deus, o objeto de nossa crença, fé e confiança é a Igreja, cuja palavra aceitamos e à qual aquiescemos. E aqueles que acreditam naquilo que um profeta lhes diz em nome de Deus aceitam a palavra do profeta, honram-no e nele confiam e crêem, aceitando a verdade do que ele diz, quer se trate de um verdadeiro ou de um falso profeta. O mesmo se passa também com a outra História. Pois se eu não acreditasse em tudo o que foi escrito pelos historiadores sobre os feitos gloriosos de Alexandre ou de César, não creio que o fantasma de Alexandre, ou de César, tivesse qualquer motivo justo para ofender-se, nem ninguém a não ser o historiador. Se Tito Lívio afirma que uma vez os deuses fizeram uma vaca falar, e não o acreditamos, não estamos com isso retirando nossa confiança a Deus, mas a Tito Lívio. De modo que é evidente que, seja o que for que acreditarmos tendo como única razão para tal a que deriva apenas da autoridade dos homens e de seus escritos, quer eles tenham ou não sido enviados por Deus, nossa fé será apenas fé nos homens.”
VIII. DAS VIRTUDES VULGARMENTE CHAMADAS INTELECTUAIS, E DOS DEFEITOS CONTRÁRIOS A ESTAS
“A primeira virtude, isto é, a imaginação, quando não é acompanhada de juízo, não se recomenda [Maurício G.¹]; mas a última, que é o juízo e discrição, recomenda-se por si mesma, sem a ajuda da imaginação.”
¹ Ainda mais: “Gênero de loucura para o qual não conheço nenhum nome especial, mas cuja causa é às vezes a falta de experiência, devido à qual uma coisa pode parecer a alguém nova e rara, quando aos outros assim não parece”
“Num bom poema, quer seja épico ou dramático, assim como também nos sonetos, epigramas e outras obras, é necessário tanto o juízo como a imaginação. Mas a imaginação deve ser a mais eminente, pois tais obras devem agradar por sua extravagância” “Num bom livro de história (…) a imaginação não tem lugar; a não ser para ornamentar o estilo.”
“Os pensamentos secretos de cada homem percorrem todas as coisas, sagradas ou profanas, limpas ou obscenas, sérias ou frívolas, sem vergonha ou censura. Coisa que o discurso verbal não pode fazer, limitado pela aprovação do juízo quanto ao momento, ao lugar e à pessoa. Um anatomista pode falar ou escrever sua opinião sobre um assunto pouco limpo, porque nesse caso não se trata de agradar, e sim de ser útil. Mas se um outro homem escrevesse suas extravagantes e frívolas fantasias sobre o mesmo assunto, seria o mesmo que alguém apresentar-se numa reunião depois de ter-se espojado na lama. E é na falta de discrição que reside a diferença. Por outro lado, em casos de deliberada dissipação do espírito e dentro do círculo familiar, é licito jogar com os sons e com as significações equivocas das palavras, coisa que muitas vezes não é sinal de extraordinária fantasia. Mas num sermão, ou em público ou diante de pessoas desconhecidas, ou às quais se deva reverência, nenhum jogo de palavras deixará de ser considerado insensatez, e a diferença reside apenas na falta de discrição. De modo que quando há falta de talento não é a imaginação que falta, mas a discrição. Portanto o juízo sem imaginação é talento, mas a imaginação sem juízo não o é.”
“Governar bem uma família ou um reino não corresponde a diferentes graus de prudência, mas a diferentes espécies de ocupação, do mesmo modo que desenhar um quadro em pequeno ou em grande, ou em tamanho maior que o natural, não corresponde a diferentes graus de arte. Um simples marido é mais prudente nas questões de sua própria casa do que um conselheiro privado nas questões de um outro homem.”
“Se à prudência se acrescentar o uso de meios injustos ou desonestos, como aqueles a que os homens são levados pelo medo e pela necessidade, temos aquele perverso talento a que se chama astúcia, e é um sinal de pusilanimidade. Porque a magnanimidade é o desprezo pelos expedientes injustos ou desonestos. É aquilo a que os latinos chamavam versutia (que se traduz por versatilidade), e consiste no afastamento de um perigo ou incomodidade presente mediante a passagem a um ainda maior, como quando se rouba um homem para pagar a outro, é apenas uma astúcia de vistas curtas, que se chama versutia a partir de versura, que significa aceitar dinheiro com usura pelo presente pagamento dos juros.”
“Quanto ao talento adquirido (ou seja, adquirido por método e instrução) o único que existe é a razão, que assenta no uso correto da linguagem, e da qual derivam as ciências.” “se a diferença proviesse da têmpera do cérebro, e dos órgãos dos sentidos, quer externos quer internos, não haveria a menor diferença entre os homens, quanto à vista, o ouvido e os outros sentidos, do que quanto a sua imaginação e discrição. Portanto ela deriva das paixões, que são diferentes, não apenas por causa das diferenças de constituição dos homens, mas também por causa das diferenças de costumes e de educação entre estes.”
“assim como não ter nenhum desejo é o mesmo que estar morto, também ter paixões fracas é debilidade, e ter paixões indiferentemente por todas as coisas é leviandade e distração. E ter por qualquer coisa paixões mais fortes e veementes do que geralmente se verifica nos outros é aquilo a que os homens chamam loucura.” “Por vezes uma paixão extraordinária e extravagante deriva da má constituição dos órgãos do corpo, ou de um dano a eles causado, e outras vezes o dano e indisposição dos órgãos são causados pela veemência ou pelo extremo prolongamento da paixão. Mas em ambos os casos a loucura é de uma só e mesma natureza. § A paixão cuja violência ou prolongamento provoca a loucura ou é uma grande vanglória, a que vulgarmente se chama orgulho e auto-estima, ou é um grande desalento de espírito. O orgulho torna os homens sujeitos à cólera, cujo excesso é a loucura chamada raiva ou fúria. E assim ocorre que o excessivo desejo de vingança, quando se torna habitual, prejudica os órgãos e se transforma em raiva, e que o amor excessivo, junto ao ciúme, também se transforma em raiva; o conceito exagerado de si mesmo, quanto à sabedoria, ao saber, às maneiras, e coisas semelhantes, se transforma em distração e leviandade, e a mesma, junta à inveja, se transforma em raiva; a veemente convicção da verdade de alguma coisa, quando contrariada pelos outros, também se transforma em raiva.”
“O abatimento provoca no homem receios infundados, o que constitui uma loucura vulgarmente chamada melancolia, que se manifesta em diversas condutas: freqüentação de cemitérios e lugares solitários, atos de superstição e medo de alguém ou de alguma coisa determinada.”
“Esta convicção de inspiração, vulgarmente chamada espírito particular, começa muitas vezes com a descoberta feliz de um erro geralmente cometido pelos outros. E sem saberem ou lembrarem mediante que conduta da razão chegaram a uma verdade tão singular [sem possuírem espelho em casa, como vulgarmente se diz] (conforme eles pensam, embora muitas vezes seja apenas uma inverdade), passam a admirar-se a si mesmos, como sendo uma graça especial de Deus todo-poderoso, que tal lhes teria revelado sobrenaturalmente, por intermédio de seu Espírito.”
“a variedade da conduta dos homens que bebem demais é a mesma que a dos loucos, uns enraivecendo-se, outros amando, outros rindo, tudo isso de maneira extravagante, mas conformemente às várias paixões dominantes. Porque os efeitos do vinho limitam-se a eliminar a dissimulação, ao mesmo tempo que ocultam do próprio bebedor a deformidade de suas paixões. Porque, segundo creio, os homens mais sóbrios não gostariam que a futilidade e extravagância de seus pensamentos, nos momentos em que andam sozinhos dando rédea solta a sua imaginação, fossem tornadas públicas, o que vem confirmar que as paixões sem guia não passam, em sua maioria, de simples loucura.
Tanto nos tempos antigos como nos modernos tem havido 2 opiniões comuns relativamente às causas da loucura. Uns atribuindo-a às paixões, outros a demônios e espíritos, tanto bons como maus, que supunham capazes de penetrar num homem e possuí-lo, movendo seus órgãos da maneira estranha e inconsiderada que é habitual nos loucos. Assim, os primeiros chamam loucos a esses homens, mas os segundos às vezes chamam-lhes endemoninhados (ou seja, possessos dos espíritos), outras vezes energúmenos (isto é, agitados ou movidos pelos espíritos) [interessante]; e hoje na Itália são chamados não apenas pazzi, loucos, mas também spiritati, isto é, possessos.”
“Houve uma vez uma grande afluência de gente em Abdera, cidade da Grécia, por causa da representação da tragédia de Andrômeda, num dia extremamente quente. Em resultado disso uma grande parte dos espectadores foi acometida de febres, sendo este acidente devido ao calor e à tragédia conjuntamente, e os doentes limitavam-se a recitar jâmbicos com os nomes de Perseu e Andrômeda. O que foi curado, juntamente com a febre, pela chegada do inverno. Esta loucura foi atribuída às paixões suscitadas pela tragédia. Fato semelhante foi uma epidemia de loucura que grassou em outra cidade grega, que atacou apenas as jovens donzelas, levando muitas delas a enforcar-se. Tal fato foi por muitos considerado obra do diabo. Mas houve um que suspeitou que esse desprezo pela vida provinha de alguma paixão do espírito e, supondo que elas não desprezariam também sua honra, aconselhou os magistrados a despirem as que se enforcavam e a expô-las nuas publicamente. A estória diz que isto curou essa loucura. Por outro lado os mesmos gregos atribuíam muitas vezes a loucura à intervenção das Eumênides, ou Fúrias, e outras vezes a Ceres, Febo e outros deuses; os homens atribuíam muitas coisas a fantasmas, considerando-os corpos aéreos vivos, e geralmente chamavam-lhes espíritos. E tal como nisto os romanos tinham a mesma opinião que os gregos, o mesmo acontecia com os judeus, que chamavam aos profetas loucos ou endemoninhados (conforme consideravam os espíritos bons ou maus); alguns deles chamavam loucos tanto aos profetas como aos endemoninhados, e alguns chamavam ao mesmo homem tanto endemoninhado como louco.”
“Como terá então sido possível que os judeus caíssem nessa opinião? Não consigo imaginar razão alguma, a não ser a que é comum a todos os homens, nomeadamente a falta de curiosidade para procurar as causas naturais e a identificação da felicidade como gozo dos grosseiros prazeres dos sentidos, e das coisas que mais diretamente a eles conduzem. Porque quem vê no espírito de um homem qualquer aptidão ou defeito invulgar ou estranho, a menos que se dê conta da causa de onde provavelmente derivou, dificilmente pode considerá-lo natural. Não sendo natural, é inevitável que o considerem sobrenatural; e então que pode ele ser, senão a presença nele de deus ou do diabo? (…) Em resumo, é manifesto que quem se comportasse de maneira invulgar era considerado pelos judeus como possesso, quer por Deus quer por um espírito maligno. Com exceção dos saduceus, que erravam tanto no sentido oposto que não acreditavam na existência de quaisquer espíritos (o que está muito próximo do ateísmo declarado), e talvez por isso ainda mais instigavam os outros a chamarem endemoninhados a esses homens, em vez de loucos.
Mas por que motivo nosso Salvador procedeu, para curá-los, como se estivessem possessos e não como se estivessem loucos? Ao que não posso dar outro tipo de resposta, senão aquela que é dada aos que de maneira semelhante usam as Escrituras contra a crença no movimento da Terra. As Escrituras foram escritas para mostrar aos homens o reino de Deus, e preparar seus espíritos para se tornarem seus súditos obedientes; deixando o mundo, e a filosofia a ele referente, às disputas dos homens, pelo exercício de sua razão natural.¹ Que o dia e a noite provenham do movimento da Terra, ou do Sol, ou que as ações exorbitantes dos homens derivem da paixão ou do diabo (desde que não adoremos a este último), nenhuma diferença faz quanto a nossa obediência e sujeição a Deus todo-poderoso, que é o fim para que se escreveram as Escrituras. Quanto ao fato de nosso Salvador falar à doença como se falasse a uma pessoa, esse é o procedimento habitual daqueles que curam apenas pela palavra, como Cristo fazia (e os encantadores pretendem fazer, quer falem a um diabo ou não).² Pois não se diz que Cristo (Mt. 8:26) repreendeu também os ventos e as águas? E não se diz que ele (Lc. 4:39) repreendeu também uma febre? Todavia isto não prova que uma febre seja um diabo. E quando se diz que muitos desses diabos se confessaram a Cristo, não é necessário interpretar essas passagens a não ser no sentido de que esses loucos se lhe confessaram. E quando nosso Salvador (Mt. 12:43-45) falou de um espírito impuro que, tendo saído de um homem, vai errando pelos lugares secos, procurando repouso sem nunca encontrá-lo, e volta para o mesmo homem³ juntamente com 7 outros espíritos piores do que ele, isto é manifestamente uma parábola, que se refere a um homem que; depois de um pequeno esforço para libertar-se de seus desejos, é vencido pela força deles, e se torna 7x pior do que era. Assim, nada vejo nas Escrituras que exija acreditar que os endemoninhados eram outra coisa senão loucos.”
¹ Essa passagem e as outras que lhe seguem não deixam de ser uma bela interpretação secular e moralista (sem ironia de minha parte)!
² E quanto à Psicanálise, que veio depois de Hobbes, estaria mais para coisa de messias 2.0 ou de feiticeiros?
³ Não é ao mesmo homem, mas à mesma casa, ou seja, uma geração diferente da mesma família ou, no sentido amplo, aos descendentes da raça humana, que pecam igual ou pior que os exemplares originais pecaram. Obviamente, aqueles que não sabem ler esses 3 versículos saem acreditando em casas mal-assombradas!
“Mas para ter a certeza de que suas palavras não correspondem a nada no espírito [para confirmar que os Escolásticos são literalmente loucos] seriam necessários alguns exemplos. Se alguém os quiser, tome um escolástico por sua conta, e veja se ele é capaz de traduzir qualquer capítulo referente a uma questão difícil; como a Trindade, a Divindade, a natureza de Cristo, a Transubstanciação, o livre-arbítrio, etc., para qualquer das línguas modernas, de maneira a tornar o assunto inteligível. Ou então para um latim tolerável, como o que era conhecido por todos os que viviam na época em que o latim era a língua vulgar. Qual é o significado destas palavras: A primeira causa não insufla necessariamente alguma coisa na segunda, por força da subordinação essencial das causas segundas, pela qual pode ser levada a atuar? Elas são a tradução do TÍTULO do 6º capítulo do 1º livro de Suárez, Do concurso, movimento e ajuda de Deus.¹ Quando alguém escreve volumes inteiros cheios de tais coisas, é porque está louco ou porque pretende enlouquecer os outros? E particularmente quanto ao problema da transubstanciação, aqueles que dizem, depois de pronunciar certas palavras, que a brancura, a redondez, a magnitude, a qualidade, a corruptibilidade, todas as quais são incorpóreas, etc., passam da hóstia para o Corpo de nosso abençoado Salvador, não estarão eles fazendo desses -uras, -ezes, -tudes e -dades outros tantos espíritos possuindo o corpo? Porque por espíritos sempre entendem coisas que, sendo incorpóreas, podem contudo ser movidas de um lugar para outro. Assim, este tipo de absurdo pode legitimamente ser contado entre as muitas espécies de loucura. E todo o tempo em que, guiados por pensamentos claros de suas paixões mundanas, se abstêm de discutir ou escrever assim, não é mais do que um intervalo de lucidez. E tanto basta quanto às virtudes e defeitos intelectuais.” Amém!
¹ Será que é por escrever mal que Suárez é tão exaltado por Heidegger?
IX. DOS DIFERENTES OBJETOS DO CONHECIMENTO
(…)
X. DO PODER, VALOR, DIGNIDADE, HONRA E MERECIMENTO
“O maior dos poderes humanos é um Estado.” “ter amigos é poder”
“A reputação do poder é poder, pois com ela se consegue a adesão daqueles que necessitam proteção.”
“qualquer qualidade que torna um homem amado, ou temido por muitos, é poder”
“A beleza é poder, pois, sendo uma promessa de Deus, recomenda os homens ao favor das mulheres e dos estranhos.”
“As ciências são um pequeno poder”
“A manifestação do valor que mutuamente nos atribuímos é o que vulgarmente se chama honra e desonra. Atribuir a um homem um alto valor é honrá-lo, e um baixo valor é desonrá-lo. Mas neste caso alto e baixo devem ser entendidos em comparação com o valor que cada homem se atribui a si próprio. O valor público de um homem, aquele que lhe é atribuído pelo Estado, é o que os homens vulgarmente chamam dignidade. E esta sua avaliação pelo Estado se exprime através de cargos de direção, funções judiciais e empregos públicos, ou pelos nomes e títulos introduzidos para a distinção de tal valor.”
“Ceder o passo ou o lugar a outrem, em qualquer questão, é honrar, porque equivale a admitir um poder superior.”
“Imitar é honrar”
“nos Estados existem outras honras.”
“a fonte de toda honra civil reside na pessoa do Estado, e depende da vontade do soberano. É temporária. É o caso da magistratura, dos cargos públicos e dos títulos e, em alguns lugares, dos uniformes e emblemas.”
“A riqueza é honrosa, porque é poder. A pobreza é desonrosa.”
“a obscuridade é desonrosa. Descender de pais obscuros é desonroso.”
“Não altera o caso da honra que uma ação seja justa ou injusta, porque a honra consiste apenas na opinião de poder. Os antigos pagãos grandemente honravam os deuses, quando os introduziam em seus poemas cometendo violações, roubos, e outras grandes mas injustas e pouco limpas ações. Por nada é Júpiter tão celebrado como por seus adultérios, ou como Mercúrio por suas fraudes e roubos. E o maior elogio dos que se fazem, num hino de Homero, é que, tendo nascido de manhã, inventou a música ao meio-dia, e antes do anoitecer roubou o gado de Apolo a seus pastores.”
“não se considerava desonra ser pirata ou ladrão de estrada, sendo estes pelo contrário considerados negócios legítimos, não apenas entre os gregos, mas também nas outras nações, como o prova a história dos tempos antigos. E nesta época, e nesta parte do mundo, os duelos são e sempre serão honrosos, embora ilegais, até que venha um tempo em que a honra seja atribuída aos que recusam, e a ignomínia aos que desafiam. Porque os duelos são também muitas vezes conseqüência da coragem, e o fundamento da coragem é sempre a força ou a destreza, que são poder”
“Os antigos comandantes gregos, quando iam para a guerra, mandavam pintar em seus escudos as divisas que lhes aprazia, sendo um escudo sem emblema sinal de pobreza, próprio do soldado comum; mas não havia transmissão dessas divisas por herança. Os romanos transmitiam as marcas de suas famílias, mas eram as imagens, não as divisas de seus antepassados. Entre os povos da Ásia, África e América não há, nem jamais houve tal coisa. Só os germanos tinham esse costume, e foi daí que ele passou para a Inglaterra, França, Espanha e Itália, onde eles em grande número ajudaram os romanos, ou fizeram suas próprias conquistas nessas regiões ocidentais do globo.
Porque a Germânia antigamente se encontrava tal como todos os países em seus inícios, dividida por um número infinito de pequenos senhores ou chefes de família, que estavam continuamente em guerra uns com os outros. Esses chefes ou senhores, sobretudo a fim de poderem ser reconhecidos por seus sequazes quando iam cobertos de armas, e em parte como ornamento, pintavam sua armadura, ou escudo, ou capa, com a efígie de um animal ou qualquer outra coisa, e além disso colocavam uma marca ostensivamente visível na cimeira de seus elmos. E esta ornamentação das armaduras e do elmo era transmitida por herança aos filhos, ao primogênito em toda sua pureza, e aos restantes com alguma nota de diversidade, a qual o velho senhor, ou seja, em holandês, o Here-alt, considerasse conveniente. Mas quando muitas dessas famílias reunidas formavam uma monarquia mais ampla, essa função de heraldo, que consistia em distinguir os brasões, tornava-se um cargo particular independente. Os descendentes desses senhores constituíram a grande e antiga nobreza, que em sua maioria usava como emblemas criaturas vivas caracterizadas por sua coragem ou afã de rapina, ou castelos, ameias, tendas, armas, barras, paliçadas e outros sinais de guerra, pois nada era então tão honrado como a virtude militar. Posteriormente não só os reis, mas também os Estados populares, adotaram diversos tipos de escudo, para dar aos que iam para a guerra ou dela voltavam, como encorajamento ou como recompensa de seus serviços.”
“Os títulos de honra, como duque, conde, marquês, e barão, são honrosos, pois significam o valor que lhes é atribuído pelo poder soberano do Estado. Nos tempos antigos esses títulos correspondiam a cargos e funções de mando, sendo alguns derivados dos romanos, e outros dos germanos e franceses. Os duques, em latim duces, eram generais de guerra. Os condes, convites, eram os companheiros ou amigos do general, e era-lhes confiado o governo e a defesa dos lugares conquistados e pacificados. Os marqueses, marchiones, eram condes que governavam as marcas ou fronteiras do Império.¹ Estes títulos de duque, conde e marquês foram introduzidos no Império, na época de Constantino, o Grande, numa adaptação dos costumes da milícia dos germanos. Mas barão parece ter sido um título dos gauleses, e significa um grande homem, como os guardas que os reis e príncipes usavam na guerra para rodear sua pessoa. O termo parece derivar de vir, para ber e bar, que na língua dos gauleses significava o mesmo que vir em latim. E daí para bero e baro, e assim esses homens eram chamados berones, e posteriormente barones, e (em espanhol) varones. Mas quem quiser conhecer mais minuciosamente a origem dos títulos de honra pode encontrá-la, como eu fiz, no excelente tratado de Selden sobre o assunto. Com o passar do tempo estes cargos de honra, por ocasião de distúrbios ou por razões de bom e pacífico governo, foram transformados em meros títulos, servindo em sua maioria para distinguir a preeminência, lugar e ordem dos súditos no Estado, e foram nomeados duques, condes, marqueses e barões para lugares dos quais essas pessoas não tinham posse nem comando, e criaram-se também outros títulos, para o mesmo fim.”
¹ Atuais policiais federais.
XI. DAS DIFERENÇAS DE COSTUMES
“a competição pelo elogio leva a reverenciar a antiguidade. Porque os homens competem com os vivos, não com os mortos, e atribuem a estes mais do que o devido a fim de poderem empanar a glória dos outros.”
“embora depois da morte seja impossível sentir os louvores que nos são feitos na Terra, apesar disso essa fama não é vã, porque os homens encontram um deleite presente em sua previsão, assim como no beneficio que daí pode resultar para sua posteridade. Embora agora não o vejam, mesmo assim imaginam-no, e tudo o que constitui prazer para os sentidos constitui também prazer para a imaginação.”
“Ter recebido de alguém a quem consideramos nosso igual maiores benefícios do que esperávamos faz tender para o amor fingido, e na realidade para o ódio secreto, pois nos coloca na situação de devedor desesperado que, ao recusar-se a ver seu credor, tacitamente deseja que ele se encontre onde jamais possa voltar a vê-lo. Porque os benefícios obrigam, e a obrigação é servidão; a obrigação que não se pode compensar é servidão perpétua; e perante um igual é odiosa.”
“não duvido que, se acaso fosse contrária ao direito de domínio de alguém, a doutrina segundo a qual os 3 ângulos de um triângulo são iguais a 2 ângulos de um quadrado teria sido, suprimida mediante a queima de todos os livros de geometria.”
“é impossível proceder a qualquer investigação profunda das causas naturais, sem com isso nos inclinarmos para acreditar que existe um Deus eterno”
XII. DA RELIGIÃO
“tal como Prometeu (nome que quer dizer homem prudente) foi acorrentado ao monte Cáucaso, um lugar de ampla perspectiva, onde uma águia se alimentava de seu fígado, devorando de dia o que tinha voltado a crescer durante a noite, assim também o homem que olha demasiado longe, preocupado com os tempos futuros, tem durante todo o dia seu coração ameaçado pelo medo da morte, da pobreza ou de outras calamidades, e não encontra repouso nem paz para sua ansiedade a não ser no sono.”
“A matéria informe do mundo era um deus com o nome de Caos. O céu, o oceano, os planetas, o fogo, a terra, os ventos, eram outros tantos deuses.” “Invocavam também seu próprio engenho, sob o nome de Musas; sua própria ignorância, sob o nome de Fortuna; seu próprio desejo sob o nome de Cupido; sua própria raiva sob o nome de Fúrias; seu próprio membro viril sob o nome de Príapo; atribuíam suas propuções (sic) a Íncubos e Súcubos; de modo tal que nada que um poeta pudesse introduzir como pessoa em seu poema deixavam de fazer um deus, ou um demônio.”
“os prognósticos dos tempos vindouros (…) os gentios (…) acrescentaram inúmeras outras supersticiosas maneiras de adivinhação. E fizeram os homens acreditar que descobririam sua sorte, às vezes nas respostas ambíguas ou destituídas de sentido dos sacerdotes de Delfos, Delos, e Amon, e outros famosos oráculos, respostas que eram propositadamente ambíguas, para dar conta do evento de ambas as maneiras, ou absurdas, pelas intoxicantes emanações do lugar, o que é muito freqüente em cavernas sulfurosas. Às vezes nas folhas das sibilas, sobre cujas profecias (como talvez as de Nostradamus, pois os fragmentos atualmente existentes parecem ser invenção de uma época posterior) havia alguns livros que gozavam de grande reputação no tempo da República Romana. Às vezes nos insignificantes discursos de loucos, supostamente possuídos por um espírito divino, ao que chamavam entusiasmo, e a estas maneiras de predizer acontecimentos se chamava teomancia ou profecia. Às vezes no aspecto apresentado pelas estrelas ao nascer, o que se chamava horoscopia, e era considerado parte da astrologia judicial. Às vezes em suas próprias esperanças e temores, o que se chamava tumomancia ou presságio. Às vezes nas predições dos bruxos, que pretendiam comunicar-se com os mortos, o que se chama necromancia, esconjuro e feitiçaria (…) Às vezes no vôo ou forma de se alimentar das aves, o que se chamava augúrio. Às vezes nas entranhas de um animal sacrificado, o que se chamava aruspicina. Às vezes nos sonhos. Às vezes no crocitar dos corvos ou no canto dos pássaros. Às vezes nas linhas do rosto, o que se chamava metoposcopia, ou pela palmistria nas linhas da mão, ou em palavras casuais, o que se chamava omina. Às vezes em monstros ou acidentes invulgares, como eclipses, cometas, meteoros raros, terremotos, inundações, nascimentos prematuros e coisas semelhantes, a que chamavam portento e ostenta, porque pensavam que eles prediziam ou pressagiavam alguma grande calamidade futura. Às vezes no simples acaso, como no jogo de cara ou coroa, ou na contagem do número de orifícios de um crivo [apêndice do regador, ralo], ou no jogo de escolher versos de Homero e Virgílio, e em inúmeras outras invenções do gênero.”
“Numa Pompílio pretendia ter recebido da ninfa Egéria as cerimônias que instituiu entre os romanos; o primeiro rei e fundador do reino do Peru pretendia que ele e sua esposa eram filhos do Sol; e Maomé, para estabelecer sua nova religião, pretendia falar com o Espírito Santo, sob a forma de uma pomba.”
LIBERDADE OU PÃO, DISSE UM RUSSO: “Entretido pela pompa e pela distração dos festivais e jogos públicos, celebrados em honra dos deuses, nada mais necessitava do que pão, para se manter afastado do descontentamento, de murmúrios e protestos contra o Estado.”
“os romanos, que tinham conquistado a maior parte do mundo então conhecido, não tinham escrúpulos em tolerar qualquer religião que fosse, mesmo na própria cidade de Roma, a não ser que nela houvesse alguma coisa incompatível com o governo civil. E não há notícia de que lá alguma religião fosse proibida, a não ser a dos judeus [associação entre os itálicos – os do texto, não os da Bota! – não é mera coincidência, pois eis uma Vontade de Poder intolerável, o sumo da arrogância], os quais consideravam ilegítimo reconhecer sujeição a qualquer rei mortal ou a qualquer Estado.”
O judeu, o menino mimado dono da bola, não sabe brincar. Quis ser o Pai dos Pais, o diferente entre os iguais. O primeiro entre os primeiros, mais imortal que os outros imortais…
“Mas quando foi o próprio Deus, através da revelação sobrenatural, que implantou a religião, nesse momento ele estabeleceu também para si mesmo um reino particular (…) É certo que Deus é o rei de toda a Terra, mas mesmo assim pode ser rei de uma nação peculiar e escolhida. Pois não há nisso maior incongruência do que no fato de aquele que detém o comando geral de todo o exército ter também um regimento ou companhia que lhe pertença em particular.¹” Grande silogismo!
¹ Paradigma do rei que não agüentaria existir sem um séquito de puxa-sacos.
“quando faltaram os milagres faltou também a fé.” Hmmm… Doravante…
“a filosofia e doutrina de Aristóteles foi levada para a religião pelos homens das Escolas, do que surgiram tantas contradições e absurdos que acarretaram para o clero uma reputação tanto de ignorância como de intenção fraudulenta, e levaram o povo a tender para a revolta contra eles, tanto contra a vontade de seus próprios príncipes, como na França e na Holanda, quanto de acordo com sua vontade, como na Inglaterra.”
XIII. DA CONDIÇÃO NATURAL DA HUMANIDADE RELATIVAMENTE À SUA FELICIDADE E MISÉRIA
O OMNIUM CONTRA OMNES NÃO É NADA DO QUE FALAM (sentimento de insegurança relativa – embora jamais tenha existido, também não vejo o que poderia mudar na história do Homem ainda que fosse um dado real): “Com isto se torna manifesto que, durante o tempo em que os homens vivem sem um poder comum capaz de os manter a todos em respeito, eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens. Pois a guerra não consiste apenas na batalha, ou no ato de lutar, mas naquele lapso de tempo durante o qual a vontade de travar batalha é suficientemente conhecida. Portanto a noção de tempo deve ser levada em conta quanto à natureza da guerra, do mesmo modo que quanto à natureza do clima. Porque tal como a natureza do mau tempo não consiste em 2 ou 3 chuviscos, mas numa tendência para chover que dura vários dias seguidos, assim também a natureza da guerra não consiste na luta real, mas na conhecida disposição para tal, durante todo o tempo em que não há garantia do contrário.”
“Poderá porventura pensar-se que nunca existiu um tal tempo [voilà!], nem uma condição de guerra como esta, e acredito que jamais tenha sido geralmente assim, no mundo inteiro; mas há muitos lugares onde atualmente se vive assim. Porque os povos selvagens de muitos lugares da América, com exceção do governo de pequenas famílias, cuja concórdia depende da concupiscência natural, não possuem qualquer espécie de governo, e vivem em nossos dias daquela maneira embrutecida que acima referi. Seja como for, é fácil conceber qual seria [esse] gênero de vida (…) quando (…) os homens (…) deixam-se cair em guerra civil.”
XIV. DA PRIMEIRA E SEGUNDA LEIS NATURAIS, E DOS CONTRATOS
“doação, dádiva ou grafia, palavras que significam uma e a mesma coisa.”
“Um pacto em que eu me comprometa a não me defender da força pela força é sempre nulo.” “Porque embora se possa fazer um pacto nos seguintes termos: Se eu não fizer isto ou aquilo, mata-me; não se pode fazê-lo nestes termos: Se eu não fizer isto ou aquilo, não te resistirei quando vieres matar-me. Porque o homem escolhe por natureza o mal menor, que é o perigo de morte ao resistir, e não o mal maior, que é a morte certa e imediata se não resistir.”
“Era assim a fórmula pagã, que Júpiter me mate, como eu mato este animal.”
XV. DE OUTRAS LEIS DE NATUREZA
“A observância desta lei que ordena distribuir eqüitativamente a cada homem, o que segundo a razão lhe pertence chama-se eqüidade ou (conforme acima já disse) justiça distributiva. Sua violação chama-se acepção de pessoas, prosopolepsia.”
“Há duas espécies de sorteio, o arbitrário e o natural. O arbitrário é aquele com o qual os competidores concordaram; o natural ou é a primogenitura (que os gregos chamavam kleronomia, o que significa dado por sorteio) ou é a primeira apropriação.”
XVI. DAS PESSOAS, AUTORES E COISAS PERSONIFICADAS
“A palavra <pessoa> é de origem latina. Em lugar dela os gregos tinham prosopon, que significa rosto, tal como em latim persona significa o disfarce ou a aparência exterior de um homem, imitada no palco. E por vezes mais particularmente aquela parte dela que disfarça o rosto, como máscara ou viseira. E do palco a palavra foi transferida para qualquer representante da palavra ou da ação, tanto nos tribunais como nos teatros. De modo que uma pessoa é o mesmo que um ator, tanto no palco como na conversação corrente. E personificar é representar, seja a si mesmo ou a outro”
“quando o ator faz um pacto por autoridade, obriga através disso o autor, e não menos do que se este mesmo o fizesse, nem fica menos sujeito a todas as conseqüências do mesmo.”
“Estes autores condicionais são geralmente chamados fiadores, em latim fidejussores e sponsores; quando especialmente para dívidas, praedes; e para comparecimento perante um juiz ou magistrado, vades.”
SEGUNDA PARTE. DO ESTADO
XVII. DAS CAUSAS, GERAÇÃO E DEFINIÇÃO DE UM
(Reich, PMF, a guerra e as facções inexistentes entre os animais) “É certo que há algumas criaturas vivas, como as abelhas e as formigas, que vivem sociavelmente umas com as outras (e por isso são contadas por Aristóteles entre as criaturas políticas), sem outra direção senão seus juízos e apetites particulares, nem linguagem através da qual possam indicar umas às outras o que consideram adequado para o beneficio comum. Assim, talvez haja alguém interessado em saber por que a humanidade não pode fazer o mesmo.”
(Swift, Gulliver, Houyhnhnms & a coisa que não é) “essas criaturas, embora sejam capazes de um certo uso da voz, para dar a conhecer umas às outras seus desejos e outras afecções, apesar disso, carecem daquela arte das palavras mediante a qual alguns homens são capazes de apresentar aos outros o que é bom sob a aparência do mal, e o que é mau sob a aparência do bem”
“Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã, ou antes (para falar em termos mais reverentes) daquele Deus Mortal, ao qual devemos, abaixo do Deus Imortal, nossa paz e defesa.”
XVIII. DOS DIREITOS DOS SOBERANOS POR INSTITUIÇÃO
“Se antes de mais não houvesse sido aceite, na maior parte da Inglaterra, a opinião segundo a qual esses poderes eram divididos entre o rei e os lordes e a câmara dos comuns, o povo jamais haveria sido dividido nem caído na guerra civil: primeiro entre aqueles que discordavam em matéria de política, e depois entre os dissidentes acerca da liberdade de religião; lutas que agora instruíram os homens quanto a este ponto do direito soberano, a ponto de poucos haver hoje (na Inglaterra) que não vejam que esses direitos são inseparáveis, e assim serão universalmente reconhecidos no próximo período de paz; e assim continuarão, até que essas misérias sejam esquecidas e não mais do que isso, a não ser que o vulgo seja mais bem-educado do que tem sido até agora.”
“Como a grande autoridade é indivisível, e inseparavelmente atribuída ao soberano, há pouco fundamento para a opinião dos que afirmam que os reis soberanos, embora sejam singulis majores com maior poder do que qualquer de seus súditos, são apesar disso universis minores com menos poder do que eles todos juntos.”
“o poder é sempre o mesmo, sob todas as formas, se estas forem suficientemente perfeitas para proteger os súditos. E isto sem levar em conta que a condição do homem nunca pode deixar de ter uma ou outra incomodidade, e que a maior que é possível cair sobre o povo em geral, em qualquer forma de governo, é de pouca monta quando comparada com as misérias e horríveis calamidades que acompanham a guerra civil, ou aquela condição dissoluta de homens sem senhor, sem sujeição às leis e a um poder coercitivo capaz de atar suas mãos, impedindo a rapina e a vingança. E também sem levar em conta que o que mais impulsiona os soberanos governantes não é qualquer prazer ou vantagem que esperem recolher do prejuízo ou debilitamento causado a seus súditos, em cujo vigor consiste sua própria força e glória, e sim a obstinação daqueles que, contribuindo de má vontade para sua própria defesa, tornam necessário que seus governantes deles arranquem tudo o que podem em tempo de paz, a fim de obterem os meios para resistir ou vencer a seus inimigos, em qualquer emergência ou súbita necessidade.”
XIX. DAS DIVERSAS ESPÉCIES DE GOVERNOS POR INSTITUIÇÃO, E DA SUCESSÃO DO PODER SOBERANO
“torna-se evidente que só pode haver 3 espécies de governo. Porque o representante é necessariamente um homem ou mais de um, e caso seja mais de um a assembléia será de todos ou apenas de uma parte. Quando o representante é um só homem, o governo chama-se uma monarquia. Quando é uma assembléia de todos os que se uniram, é uma democracia, ou governo popular. Quando é uma assembléia apenas de uma parte, chama-se-lhe uma aristocracia. Não pode haver outras espécies de governo, porque o poder soberano inteiro (que já mostrei ser indivisível) tem que pertencer a um ou mais homens, ou a todos.
Encontramos outros nomes de espécies de governo, como tirania e oligarquia, nos livros de história e de política. Mas não se trata de nomes de outras formas de governo, e sim das mesmas formas quando são detestadas. Pois os que estão descontentes com uma monarquia chamam-lhe tirania, e aqueles a quem desagrada uma aristocracia chamam-lhe oligarquia. Do mesmo modo, os que se sentem prejudicados por uma democracia chamam-lhe anarquia”
“Como é possível que numa monarquia aquele que detém a soberania através de uma descendência de 600 anos, que é o único a ser chamado soberano, que recebe de todos os seus súditos o título de Majestade, e é inquestionavelmente considerado por todos como seu rei, apesar de tudo isso jamais seja considerado seu representante, sendo esta palavra tomada, sem que ninguém o contradiga, como o título daqueles que, por ordem do rei, foram designados pelo povo para apresentar suas petições e (caso o rei o permitisse) para exprimir suas opiniões?”
“E, na maior parte dos casos, se por acaso houver conflito entre o interesse público e o interesse pessoal, preferirá o interesse pessoal, pois em geral as paixões humanas são mais fortes do que a razão. De onde se segue que, quanto mais intimamente unidos estiverem o interesse público e o interesse pessoal, mais se beneficiará o interesse público. Ora, na monarquia o interesse pessoal é o mesmo que o interesse público. A riqueza, o poder e a honra de um monarca provêm unicamente da riqueza, da força e da reputação de seus súditos.”
“as resoluções de um monarca estão sujeitas a uma única inconstância, que é a da natureza humana, ao passo que nas assembléias, além da da natureza, verifica-se a inconstância do número. Porque a ausência de uns poucos, que poderiam manter firme a resolução, uma vez tomada (ausência que pode ocorrer por segurança, por negligência ou por impedimentos pessoais), ou a diligente aparição de uns poucos da opinião contrária, podem desfazer hoje tudo o que ontem ficou decidido.”
“do mesmo modo que uma criança tem necessidade de um tutor ou protetor, para preservar sua pessoa e autoridade, assim também (nos grandes Estados) a soberana assembléia, por ocasião de todos os grandes perigos e perturbações, tem necessidade de custodes libertatis, ou seja, de ditadores e protetores de sua autoridade. Que são o equivalente de monarcas temporários, aos quais ela pode entregar, por um tempo determinado, o completo exercício de seu poder.”
“com respeito ao monarca eletivo, cujo poder está limitado à duração de sua vida, como acontece atualmente em muitas regiões da cristandade, ou a certos anos ou meses, como no caso do poder dos ditadores entre os romanos, se ele tiver o direito de designar seu sucessor não será mais eletivo, mas hereditário. Mas se ele não tiver o direito de escolher seu sucessor, nesse caso haverá algum outro homem, ou assembléia, que após sua morte poderá indicar um novo monarca, pois caso contrário o Estado morreria e se dissolveria com ele, voltando à condição de guerra. Se for sabido quem terá o poder de conceder a soberania após sua morte, será também sabido que já antes a soberania lhe pertencia. Porque ninguém tem o direito de dar aquilo que não tem o direito de possuir, e guardar para si mesmo se assim lhe aprouver.” Anacronismo: H. não entendia as instituições romanas.
WORLD AS SLAVERY: “Em terceiro lugar, enquanto o povo romano governava a região da Judéia (por exemplo) através de um presidente, nem por isso a Judéia era uma democracia, porque seus habitantes não eram governados por uma assembléia da qual algum deles tivesse o direito de fazer parte; nem uma aristocracia, pois não eram governados por uma assembléia da qual alguém pudesse fazer parte por sua eleição. Eram governados por uma só pessoa que, embora em relação ao povo de Roma fosse uma assembléia do povo, ou democracia, em relação ao povo da Judéia, que não tinha qualquer direito de participar no governo, era um monarca. Pois embora quando o povo é governado por uma assembléia, escolhida por ele próprio em seu próprio seio, o governo se chame uma democracia ou aristocracia, quando o povo é governado por uma assembléia que não é de sua própria escolha o governo é uma monarquia; não de um homem sobre outro homem, mas de um povo sobre outro povo.”
“é necessário para a conservação da paz entre os homens que, do mesmo modo que foram tomadas medidas para a criação de um homem artificial, também sejam tomadas medidas para uma eternidade artificial da vida. Sem a qual os homens que são governados por uma assembléia voltarão à condição de guerra em cada geração, e com os que são governados por um só homem o mesmo acontecerá assim que morrer seu governante. Esta eternidade artificial é o que se chama direito de sucessão.”
“Considera-se que há palavras expressas ou testamento quando tal é declarado em vida do soberano, viva vote ou por escrito, como os primeiros imperadores de Roma declaravam quem deviam ser seus herdeiros. Porque a palavra <herdeiro> não significa por si mesma os filhos ou parentes mais próximos de um homem, mas seja quem for que de qualquer modo este último declarar que deverá suceder-lhe em suas propriedades.”
“os romanos, depois de terem subjugado muitas nações, a fim de tornarem seu governo mais aceitável procuraram eliminar essa causa de ressentimento, tanto quanto consideraram necessário, concedendo às vezes a nações inteiras, e às vezes aos homens mais importantes das nações que conquistaram, não apenas os privilégios, mas também o nome de romanos. E a muitos deles deram um lugar no Senado, assim como cargos públicos, inclusive na cidade de Roma. E era isto que nosso mui sábio monarca, o rei Jaime, visava ao esforçar-se por realizar a união dos dois domínios da Inglaterra e da Escócia. Se tal tivesse conseguido, é muito provável que tivesse evitado as guerras civis, que levaram à miséria ambos esses reinos, na situação atual. Portanto, não constitui injúria feita ao povo que um monarca decida por testamento sua sucessão, apesar de que, por culpa de muitos príncipes, tal haja sido às vezes considerado inconveniente. Em favor da legitimidade de uma tal decisão há também um outro argumento: que sejam quais forem os inconvenientes que possam derivar da entrega de um reino a um estrangeiro, o mesmo pode também acontecer devido ao casamento com um estrangeiro, dado que o direito de sucessão pode acabar por recair nele. Todavia, isto é considerado legítimo por todos os homens.”
XX. DO DOMÍNIO PATERNO E DESPÓTICO
“os homens que escolhem seu soberano fazem-no por medo uns dos outros, e não daquele a quem escolhem, e neste caso submetem-se àquele de quem têm medo. Em ambos os casos fazem-no por medo, o que deve ser notado por todos aqueles que consideram nulos os pactos conseguidos pelo medo da morte ou da violência.”
“É juiz do que é necessário para a paz, e juiz das doutrinas; é o único legislador, e supremo juiz das controvérsias, assim como dos tempos e ocasiões da guerra e da paz; é a ele que compete a escolha dos magistrados, conselheiros, comandantes, assim como todos os outros funcionários e ministros; é ele quem determina as recompensas e castigos, as honras e as ordens.”
“Quanto à geração, quis Deus que o homem tivesse uma colaboradora, e há sempre dois que são igualmente pais; portanto o domínio sobre o filho deveria pertencer igualmente a ambos, e ele deveria estar igualmente submetido a ambos, o que é impossível, pois ninguém pode obedecer a dois senhores.” A última frase está certa, mas foi empregada no pior contexto possível.
“Nesta condição de simples natureza, ou os pais decidem entre si, por contrato, o domínio sobre os filhos, ou nada decidem a tal respeito. Se houver essa decisão, o direito se aplica conformemente ao contrato. Diz-nos a história que as Amazonas faziam com os homens dos países vizinhos, aos quais recorriam para o efeito, um contrato pelo qual as crianças do sexo masculino seriam enviadas de volta, e as do sexo feminino ficavam com elas; assim, o domínio sobre as filhas pertencia à mãe.” É incrível como o homem eurocêntrico era fascinado pela e ao mesmo tempo tinha tanto pavor da civilização amazona, que hoje sabemos ser mítica mas que foi considerada historicamente fundada pela historiografia amadora dos “séculos românticos”…
ANTES DO MAPEAMENTO DO CÓDIGO GENÉTICO… “Caso não haja contrato, o domínio pertence à mãe. Porque na condição de simples natureza, onde não existem leis matrimoniais, é impossível saber quem é o pai a não ser que tal seja declarado pela mãe.”
“Mas se a abandonar, e um outro a encontrar e alimentar, nesse caso o domínio pertence a quem a alimentou. Pois ela deve obedecer a quem a preservou porque, sendo a preservação da vida o fim em vista do qual um homem fica sujeito a outro, supõe-se que todo homem prometa obediência àquele que tem o poder de salvá-lo ou de destruí-lo.”
“Aquele que tem domínio sobre um filho tem também domínio sobre os filhos desse filho, e sobre os filhos de seus filhos. Porque aquele que tem domínio sobre a pessoa de alguém também tem domínio sobre tudo quanto lhe pertence, sem o que o domínio seria apenas um título, desprovido de quaisquer efeitos.” Matusalém owns it all…
“O domínio adquirido por conquista, ou vitória militar, é aquele que alguns autores chamam despótico, de despotes, que significa senhor ou amo, e é o domínio do senhor sobre seu servo.” “Porque pela palavra servo (quer seja derivada de servire, servir, ou de servare, salvar, disputa que deixo para os gramáticos) não se entende um cativo, que é guardado na prisão, ou a ferros, até que o proprietário daquele que o tomou, ou o comprou de alguém que o fez, decida o que vai fazer com ele; porque esses homens (geralmente chamados escravos) não têm obrigação alguma, e podem, sem injustiça, destruir suas cadeias ou prisão, e matar ou levar cativo seu senhor; por servo, entende-se alguém a quem se permite a liberdade corpórea e que, após prometer não fugir nem praticar violência contra seu senhor, recebe a confiança deste último.” Muito eloqüente, digo, conveniente…
“E o que os homens fazem quando pedem quartel (como agora se lhe chama, e a que os gregos chamavam zogria, tomar com vida) é escapar pela submissão à fúria presente do vencedor, e chegar a um acordo para salvar a vida, mediante resgate ou prestação de serviços.”
“O senhor do servo é também senhor de tudo quanto este tem, e pode exigir seu uso. Isto é, de seus bens, de seu trabalho, de seus servos e seus filhos, tantas vezes quantas lhe aprouver. Porque ele recebeu a vida de seu senhor, mediante o pacto de obediência, isto é, o reconhecimento e autorização de tudo o que o senhor vier a fazer. E se acaso o senhor, recusando-o, o matar ou o puser a ferros, ou de outra maneira o castigar por sua desobediência, ele próprio será o autor dessas ações, e não pode acusá-lo de injúria.”
“Torna-se assim patente que uma grande família, se não fizer parte de nenhum Estado, é em si mesma, quanto aos direitos de soberania, uma pequena monarquia.”
“Examinemos agora o que as Escrituras ensinam relativamente às mesmas questões. Assim disseram a Moisés os filhos de Israel: Fala-nos, e ouvir-te-emos; mas que Deus não nos fale, senão morreremos. Isto implica uma obediência absoluta a Moisés.”
“A respeito do direito dos reis, disse o próprio Deus pela boca de Samuel: Este será o direito do rei que sobre vós reinará. Ele tomará vossos filhos, e os fará guiar seus carros, e ser seus cavaleiros, e correr na frente de seus carros; e colher sua colheita, e fazer suas máquinas de guerra e instrumentos de seus carros; e levará vossas filhas para fazerem perfumes, para serem suas cozinheiras e padeiras.”
O anti-semita poderia usar esse trecho como fundamento para seu ódio àqueles que “optaram por se tornar semelhantes” e abdicaram de qualquer privilégio de Diáspora: “Nós seremos como todas as outras nações, e nosso rei julgará nossas causas, e irá à nossa frente para comandar-nos em nossas guerras.”
“O talento de fazer e conservar Estados consiste em certas regras, tal como a aritmética e a geometria, e não (como o jogo do tênis) apenas na prática. Regras essas que nem os homens pobres têm lazer, nem os homens que dispõem de lazer tiveram até agora curiosidade ou método suficientes para descobrir.” Se se refere ao tênis (que realmente é coisa de rico até hoje), você viveu pouco, sr. Hobbes! Se se refere à Ciência Política… Para um “Pai Fundador”, você envelheceu rápido…
XXI. DA LIBERDADE DOS SÚDITOS
“Mas tal como os homens, tendo em vista conseguir a paz, e através disso sua própria conservação, criaram um homem artificial, ao qual chamamos Estado, assim também criaram cadeias artificiais, chamadas leis civis, as quais eles mesmos, mediante pactos mútuos, prenderam numa das pontas à boca daquele homem ou assembléia a quem confiaram o poder soberano, e na outra ponta a seus próprios ouvidos. Embora esses laços por sua própria natureza sejam fracos, é no entanto possível mantê-los, devido ao perigo, se não pela dificuldade de rompê-los.”
“A liberdade à qual se encontram tantas e tão honrosas referências nas obras de história e filosofia dos antigos gregos e romanos, assim como nos escritos e discursos dos que deles receberam todo o seu saber em matéria de política, não é a liberdade dos indivíduos, mas a liberdade do Estado”
QUER INCINERAR JUDEUS? VÁ EM FRENTE (O QUE ACONTECE FOI AUTORIZADO POR DEUS): “Porque tal como entre homens sem senhor existe uma guerra perpétua de cada homem contra seu vizinho, sem que haja herança a transmitir ao filho nem a esperar do pai, nem propriedade de bens e de terras, nem segurança, mas uma plena e absoluta liberdade de cada indivíduo; assim também, nos Estados que não dependem uns dos outros, cada Estado (não cada indivíduo) tem absoluta liberdade de fazer tudo o que considerar (isto é, aquilo que o homem ou assembléia que os representa considerar) mais favorável a seus interesses.”
“Nestas partes ocidentais do mundo, costumamos receber nossas opiniões relativas à instituição e aos direitos do Estado de Aristóteles, Cícero e outros autores, gregos e romanos, que viviam em Estados populares, e em vez de fazerem derivar esses direitos dos princípios da natureza os transcreviam para seus livros a partir da prática de seus próprios Estados (…) Tal como os gramáticos descrevem as regras da linguagem a partir da prática do tempo, ou as regras da poesia a partir dos poemas de Homero e Virgílio. (…) E creio que em verdade posso afirmar que jamais uma coisa foi paga tão caro como estas partes ocidentais pagaram o aprendizado das línguas grega e latina.” Supõe-se que tiraram seus conhecimentos de algum lugar. Ou da Bíblia que… (insira aqui raciocínio silogístico cujo fim é a glória do Rei da Inglaterra).
“a oferta de perdão tira daqueles a quem é feita o pretexto da defesa própria, e torna ilegítima sua insistência em ajudar ou defender os restantes.” Soberanos não mentem!
XXII. DOS SISTEMAS SUJEITOS, POLÍTICOS E PRIVADOS
“autorizar uma companhia de mercadores a tornar-se uma corporação, ou corpo político, é o mesmo que conferir-lhe um duplo monopólio, um de simples compradores, e o outro de simples vendedores. Porque quando uma companhia é incorporada para qualquer país estrangeiro determinado, ela só exporta as mercadorias vendáveis nesse país, o que constitui simples compra no interior, e simples venda no estrangeiro. Porque no interior há apenas um comprador, e no estrangeiro apenas um vendedor, sendo ambas as coisas lucrativas para o mercador, pois assim compra no interior a preço mais baixo, e vende no estrangeiro a preço mais alto.” zzz
H. & IMPERIALISMO: “essas corporações não passam de monopólios, embora fossem altamente proveitosas para o Estado, se pudesse haver reunião num corpo político nos mercados estrangeiros e ao mesmo tempo (…) liberdade no próprio país, cada um comprando e vendendo ao preço que pudesse.”
“Os corpos privados regulares, mas ilegítimos, são aqueles que se unem numa só pessoa representativa sem qualquer espécie de autoridade pública. É o caso das corporações de mendigos, ladrões e ciganos, para organizarem melhor suas ocupações de mendicância e de roubo. [HAHAHA] E o das corporações de homens que se unem, pela autoridade de qualquer pessoa estrangeira, em outro domínio, para a propagação mais fácil de qualquer doutrina, ou para constituir um partido contrário ao poder do Estado.”
CONTRADITÓRIO (NÃO PODE HAVER LIGA DE SOBERANOS ABSOLUTOS, CONSÓRCIO DE LEVIATÃS!): “as ligas entre Estados, acima dos quais não há qualquer poder humano constituído, capaz de mantê-los a todos em respeito, não apenas são legítimas como são também proveitosas¹ durante o tempo que duram. Mas as ligas de súditos de um mesmo Estado, onde cada um pode defender seu direito por meio do poder soberano, são desnecessárias para a preservação da paz e da justiça e (caso seus desígnios sejam malévolos, ou desconhecidos do Estado) também ilegítimas.”
¹ Como sempre a pergunta é “para quem?”, mas H. a desconhece. O proveito nada tem a ver com benévolo ou malévolo; na verdade, na esfera leviataniana, não há malévolo, segundo H., o que é insultante lermos nos sécs. XX ou XXI.
XXIII. DOS MINISTROS PÚBLICOS DO PODER SOBERANO
O ‘DE GRAÇA’ QUE SAI CARO: “Só o monarca, ou a assembléia soberana, possui abaixo de Deus autoridade para ensinar e instruir o povo, e nenhum homem além do soberano recebe seu poder Dei gratia simplesmente, isto é, de um favor que vem apenas de Deus. Todos os outros recebem seus poderes do favor e providência de Deus e de seus soberanos, e assim numa monarquia se diz Dei gratia & Regis, ou Dei providentia & voluntate Regis.”
XXIV. DA NUTRIÇÃO E PROCRIAÇÃO DE UM ESTADO
“Os filhos de Israel eram um Estado no deserto, e careciam dos bens da terra, até o momento em que se tornaram senhores da Terra Prometida, a qual foi posteriormente dividida entre eles, não conforme sua própria discrição, mas conforme a discrição do sacerdote Eleazar e do general Josué. Os quais, quando já havia 12 tribos, ao fazer delas 13 mediante a subdivisão da tribo de José, apesar disso dividiram a terra em apenas 12 porções, e não atribuíram qualquer terra à tribo de Levi, atribuindo-lhe 10% dos frutos da terra, divisão que portanto era arbitrária. E embora quando um povo toma posse de um território por meio da guerra nem sempre ele extermine os antigos habitantes (como fizeram os judeus), deixando suas terras a muitos, ou à maior parte, ou a todos, é evidente que essas terras passam a ser patrimônio do vencedor, como aconteceu com o povo da Inglaterra, que recebeu todas as suas terras de Guilherme, o Conquistador.” blá, blá, blá…
“Embora na Inglaterra o Conquistador tenha reservado algumas terras para seu próprio uso (além de florestas e coutadas, tanto para sua recreação como para a preservação dos bosques), e tenha também reservado diversos serviços nas terras que deu a seus súditos, parece que elas não foram reservadas para sua manutenção em sua capacidade pública, mas em sua capacidade natural, pois ele e seus sucessores lançaram impostos arbitrários sobre as terras de todos os seus súditos, sempre que tal consideraram necessário.”
XXV. DO CONSELHO
“Quando para fazer todas as coisas existem regras infalíveis (como as regras da geometria, para as máquinas e os edifícios), toda a experiência do mundo é incapaz de igualar o conselho daquele que aprendeu ou descobriu a regra. Quando não existe tal regra, aquele que tem mais experiência no tipo de questão de que se trata será senhor do melhor julgamento, e será o melhor conselheiro.”
XXVI. DAS LEIS CIVIS
“A antiga lei de Roma era chamada sua lei civil, da palavra civitas, que significa Estado. E os países que, tendo estado submetidos ao Império Romano e governados por essas leis, ainda conservam delas a parte que consideram necessária, chamam a essa parte a lei civil, para distingui-la do resto de suas próprias leis civis.” “defino a lei civil da seguinte maneira: A lei civil é, para todo súdito, constituída por aquelas regras que o Estado lhe impõe, oralmente ou por escrito, ou por outro sinal suficiente de sua vontade, para usar como critério de distinção entre o bem e o mal”
“Em todos os Estados o legislador é unicamente o soberano, seja este um homem, como numa monarquia, ou uma assembléia, como numa democracia ou numa aristocracia. Porque o legislador é aquele que faz a lei. E só o Estado prescreve e ordena a observância daquelas regras a que chamamos leis, portanto o Estado é o único legislador. Mas o Estado só é uma pessoa, com capacidade para fazer seja o que for, através do representante (isto é, o soberano), portanto o soberano é o único legislador. Pela mesma razão, ninguém pode revogar uma lei já feita a não ser o soberano, porque uma lei só pode ser revogada por outra lei, que proíba sua execução.”
“O soberano de um Estado, quer seja uma assembléia ou um homem, não se encontra sujeito às leis civis. Dado que tem o poder de fazer e revogar as leis, pode quando lhe aprouver libertar-se dessa sujeição, revogando as leis que o estorvam e fazendo outras novas”
“A lei de natureza e a lei civil contêm-se uma à outra e são de idêntica extensão.”
PODRE!
NUNCA VIU UMA BALANÇA EM SUA EXISTÊNCIA: “há lugar para perguntar de onde derivam aquelas opiniões que se encontram nos livros de eminentes juristas de vários Estados, segundo as quais o poder legislativo depende, diretamente ou por conseqüência, de indivíduos particulares ou juízes subordinados. Como, por exemplo, Que a lei comum só está submetida ao controle do Parlamento, o que só é verdade se o Parlamento detém o poder soberano, e só pode reunir-se ou dissolver-se por sua própria discrição. Pois se outrem tiver o direito de dissolvê-lo, terá o direito de controlá-lo, e conseqüentemente o de controlar seus controles. E caso não exista tal direito o controlador das leis não será o Parlamentum, e sim o Rex in Parlamento.” Última vez que reproduzo essa cansativa cadeia ilógica de H.
AUTODESCRIÇÃO: “é possível que muito estudo fortaleça e confirme sentenças errôneas, e quando se constrói sobre falsos fundamentos quanto mais se constrói maior é a ruína.”
“sendo o Estado, em seu representante, uma só pessoa, não é fácil surgir qualquer contradição nas leis, e quando tal acontece a mesma razão é capaz, por interpretação ou alteração, de eliminar a contradição.”
“E nos tempos antigos, quando as cartas ainda não eram de uso comum, muitas vezes as leis eram postas em verso, para que o povo inculto, tomando prazer em cantá-las e recitá-las, pudesse mais facilmente guardá-las na memória.”
NÃO SOMOS MAIS NATURAIS? “Todas as leis, escritas ou não, têm necessidade de uma interpretação. A lei de natureza, que não é escrita, embora seja fácil para aqueles que sem parcialidade ou paixão fazem uso de sua razão natural, deixando portanto sem desculpa seus violadores, tornou-se agora apesar disso [??], devido ao fato de haver poucos, ou talvez ninguém que em alguns casos não se deixe cegar pelo amor de si ou qualquer outra paixão [??], a mais obscura de todas as leis [???], e por isso é a que tem mais necessidade de intérpretes capazes.”
“Num Estado, a interpretação das leis de natureza não depende dos livros de filosofia moral. Sem a autoridade do Estado, a autoridade de tais filósofos não basta para transformar em leis suas opiniões, por mais verdadeiras que sejam. Tudo o que escrevi neste tratado sobre as virtudes morais, e sua necessidade para a obtenção e preservação da paz, embora seja evidentemente verdadeiro, não passa por isso a ser lei. Se o é, é porque em todos os Estados do mundo faz parte das leis civis. Embora seja naturalmente razoável, é graças ao poder soberano que é lei. Caso contrário, seria um grande erro chamar lei não-escrita à lei de natureza, sobre a qual tantos volumes foram publicados, com tão grande número de contradições, uns dos outros, e de si mesmos.”
“o céu e a terra passarão; mas nem um artigo da lei de natureza passará, porque ela é a eterna lei de Deus.”
“De maneira semelhante, quando é posto em questão o significado das leis escritas, quem escreve um comentário delas não pode ser considerado seu intérprete. Porque em geral os comentários estão mais sujeitos a objeções do que o texto, suscitando novos comentários, e assim tal interpretação nunca teria fim. Portanto, a não ser que haja um intérprete autorizado pelo soberano, do qual os juízes subordinados não podem divergir, os intérpretes não podem ser outros senão os juízes comuns, do mesmo modo que o são no caso da lei não-escrita.”
“Nas Instituições de Justiniano encontramos 7 espécies de leis civis.
1. Os editos, constituições e epístolas do príncipe, isto é, do imperador, porque todo o poder do povo residia nele. São semelhantes a estes as proclamações dos reis da Inglaterra.
2. Os decretos de todo o povo de Roma (incluindo o Senado), quando eram postos em discussão pelo Senado. Inicialmente estes eram leis em virtude do poder soberano que residia no povo, e os que não foram revogados pelos imperadores continuaram sendo leis pela autoridade imperial. Porque de todas as leis que são obrigatórias se entende que são leis em virtude da autoridade de quem tem poder para revogá-las. De certo modo semelhantes a estas leis são os atos do Parlamento da Inglaterra.
3. Os decretos do povo comum (excluindo o Senado), quando eram postos em discussão pelos tribunos do povo. Os que não foram revogados pelo imperador continuaram sendo leis pela autoridade imperial. Eram semelhantes a estes as ordens da Câmara dos Comuns na Inglaterra.
4. Senatus consulta, as ordens do Senado. Porque quando o povo de Roma se tornou demasiado numeroso para poder reunir-se sem inconveniente, o imperador considerou preferível que se consultasse o Senado em vez do povo. Estas têm alguma semelhança com os atos de conselho.
5. Os editos dos pretores, e (em alguns casos) os dos edis, tal como os dos juízes supremos nos tribunais ingleses.
6. Responsa prudentum, que eram as sentenças e opiniões dos juristas a quem o imperador dava autorização para interpretar a lei, e para responder a todos quantos em matéria de lei pediam seu conselho. Respostas essas que os juízes, ao proferirem suas sentenças, eram obrigados a respeitar pelas constituições do imperador. Seriam semelhantes aos relatórios de casos julgados, se as leis inglesas obrigassem os outros juízes a respeitá-las. Porque os juízes da lei comum na Inglaterra não são propriamente juízes, mas juris consulti, aos quais tanto os lordes quanto os 12 homens do povo são obrigados pela lei a pedir conselho.
7. Finalmente, os costumes não-escritos (que são por natureza uma imitação da lei) são autênticas leis, pelo consentimento tácito do imperador, caso não sejam contrários à lei de natureza.” Sempre a falsa simetria Império Romano x Coroa Britânica.
“As leis positivas divinas (pois sendo as leis naturais eternas e universais são todas elas divinas) são as que, sendo os mandamentos de Deus (não desde toda a eternidade, nem universalmente dirigidas a todos os homens, mas apenas a um determinado povo, ou a determinadas pessoas), são declaradas como tais por aqueles a quem Deus autorizou a assim declará-las. Mas como pode ser conhecida esta autoridade do homem para declarar quais são essas leis positivas de Deus? Deus pode ordenar a um homem, por meios sobrenaturais, que comunique leis aos outros homens. Mas dado que faz parte da essência da lei que aquele que tem a obrigação receba garantias da autoridade de quem lho declara, aquilo de que não podemos tomar naturalmente conhecimento que seja proveniente de Deus, como é possível, sem revelação sobrenatural, ter a garantia da revelação recebida pelo declarante, e como é possível ter-se a obrigação de obedecer-lhe? Quanto à primeira pergunta, é evidentemente impossível alguém ter a garantia da revelação feita a outrem sem receber uma revelação feita particularmente a si próprio. Mesmo que alguém seja levado a acreditar em tal revelação, devido aos milagres que vê o outro fazer, ou devido à extraordinária santidade de sua vida, ou por ver a extraordinária sabedoria ou o extraordinário sucesso de suas ações, essas não são provas garantidas de uma revelação especial. Os milagres são feitos maravilhosos, mas o que é maravilhoso para um pode não sê-lo para outro. A santidade pode ser fingida, e os sucessos visíveis deste mundo são as mais das vezes obra de Deus através de causas naturais e vulgares. Portanto ninguém pode infalivelmente saber pela razão natural que alguém recebeu uma revelação sobrenatural da vontade de Deus, pode apenas ter uma crença e, conforme seus sinais pareçam maiores ou menores, uma crença mais firme ou uma crença mais frágil.
Quanto à segunda pergunta, como podemos adquirir a obrigação de obedecer-lhe, já não é tão difícil. Porque se a lei declarada não for contrária à lei de natureza (a qual é indubitavelmente a lei de Deus) e alguém se esforçar por obedecer-lhe, esse alguém é obrigado por seu próprio ato; obrigado a obedecer-lhe, não obrigado a acreditar nela; porque as crenças e cogitações interiores dos homens não estão sujeitas aos mandamentos, mas apenas à operação de Deus, ordinária e extraordinária.”
“O pacto que Deus fez com Abraão (de maneira sobrenatural) dizia o seguinte: Este é o pacto que deves observar entre mim e ti, e tua semente depois de ti. A semente de Abraão não teve essa revelação, e nem sequer ainda existia, mas participou do pacto, ficando obrigada a obedecer o que Abrão lhes apresentasse como lei de Deus; o que só foi possível em virtude da obediência que deviam a seus pais, os quais (se não estiverem sujeitos a nenhum outro poder terreno, como era o caso de Abraão) têm poder soberano sobre seus filhos e servos. Por outro lado, quando Deus disse a Abraão: Em ti serão abençoadas todas as nações da Terra, pois sei que ordenarás a teus filhos e a tua casa que continuem depois de ti a seguir a via do Senhor, e a observar a retidão e o julgamento, é evidente que a obediência de sua família, que não teve qualquer revelação, dependia da obrigação anterior de obedecer a seu soberano. No monte Sinai, só Moisés subiu até Deus. O povo foi proibido de aproximar-se, sob pena de morte, e mesmo assim foi obrigado a obedecer a tudo quanto Moisés lhe apresentasse como lei de Deus. Com que fundamento, a não ser sua própria submissão, podiam dizer: Fala-nos, e nós te ouviremos, mas que Deus não nos fale, senão morreremos? Estas duas citações mostram suficientemente que num Estado os súditos que não tenham recebido uma revelação segura e certa relativamente à vontade de Deus, feita pessoalmente a cada um deles, devem obedecer como tais às ordens do Estado.” Disparate absurdo!
“Penso que as expressões lex civilis e jus civile, quer dizer, lei e direito civil, são usadas promiscuamente para designar a mesma coisa, mesmo entre os mais doutos autores, e não deveria ser assim. Porque direito é liberdade, nomeadamente a liberdade que a lei civil nos permite, e a lei civil é uma obrigação, que nos priva da liberdade que a lei de natureza nos deu. A natureza deu a cada homem o direito de se proteger com sua própria força, e o de invadir um vizinho suspeito a título preventivo, e a lei civil tira essa liberdade, em todos os casos em que a proteção da lei pode ser imposta de modo seguro. Nessa medida, lex e jus são tão diferentes como obrigação e liberdade.”
Hoje jamais passaria pela cabeça do maior libertário ou transgressor revolucionário que “direito” (doutrina, que é o mesmo significado de direito em ‘direito civil’) tenha qualquer relação com “liberdade”! O Direito regulamenta o “direito de ir e vir” significa: A Lei emana suas restrições sobre a faculdade condicional ou possibilidade de ir e vir. Se liberdade fosse, liberdade continuaria a ser. Mas sabemos que em H. a única liberdade – que de fato chamaríamos liberdade – é a da guerra civil de todos contra todos. Então, dada sua obsessão por esta única hipótese-prima de sua cabeça, todo o demais não passa de raciocínio distorcido feito para ajustar as coisas ao seu preconceito principal. Talvez tenha faltado a Thomas Hobbes unicamente um talento para a biologia: estudar melhor e, assim, compreender a natureza e o que ele deveria considerar com mais propriedade como lei de natureza!
“Os termos usados na lei são jubeo, injungo, mando e ordeno, e os termos usados numa carta são dedi, concessi, dei e concedi; e o que é dado e concedido a um homem não lhe é imposto por uma lei. Uma lei pode ser obrigatória para todos os súditos de um Estado, mas uma liberdade ou carta destina-se apenas a uma pessoa, ou apenas a uma parte do povo.”
XXVII. DOS CRIMES, DESCULPAS E ATENUANTES
“Deliciar-se apenas na imaginação com a idéia de possuir os bens, os servos ou a mulher de um outro, sem qualquer intenção de lhos tirar pela força ou pela fraude, não constitui infração da lei que diz não cobiçarás. Também não é pecado o prazer que se pode ter ao imaginar ou sonhar com a morte de alguém de cuja vida não se pode esperar mais do que prejuízo e desprazer; só o é a resolução de executar qualquer ato que a tal tenda. Porque sentir prazer com a ficção daquilo que agradaria se fosse real é uma paixão tão inerente à natureza tanto do homem como das outras criaturas vivas que fazer disso um pecado seria o mesmo que considerar pecado ser-se um homem.”
“todo crime é um pecado, mas nem todo pecado é um crime.” “Distinção esta já feita pelos gregos, nas palavras hamartema, enklema e aitia: das quais a primeira, que se traduz por pecado, significava qualquer espécie de violação da lei, e as duas últimas, que se traduzem por crime, significavam apenas o pecado do qual um homem pode acusar outro. Não há lugar para humana acusação de intenções que nunca se tornam visíveis em ações exteriores. De maneira semelhante, os latinos, com a palavra peccatum (pecado) designavam toda espécie de desvio em relação à lei, e com a palavra crimen (derivada de terno, que significava perceber) designavam apenas os pecados que podem ser apresentados perante um juiz”
“Se alguém vier da Índia para nosso país, e persuadir os homens daqui a aceitar uma nova religião, ou lhes ensinar qualquer coisa que tenda à desobediência das leis deste país, mesmo que esteja perfeitamente persuadido da verdade do que ensina, estará cometendo um crime, e pode ser justamente punido pelo mesmo, não apenas por sua doutrina ser falsa, mas também por estar fazendo uma coisa que não aprovaria em outrem, a saber, que partindo daqui procure modificar lá a religião. Mas a ignorância da lei civil serve de desculpa a quem se encontrar num país estranho, até que ela lhe seja declarada, pois até esse momento nenhuma lei civil é obrigatória.”
“Das paixões que mais freqüentemente se tornam causas do crime uma é a vanglória, isto é, o insensato sobrestimar do próprio valor. Como se a diferença de valor fosse efeito do talento, da riqueza ou do sangue, ou de qualquer outra qualidade natural, sem depender da vontade dos que detêm a autoridade soberana. De onde deriva a presunção de que as punições ordenadas pelas leis, e geralmente aplicáveis a todos os súditos, não deveriam ser infligidas a alguns com o mesmo rigor com que são infligidas aos homens pobres, obscuros e simples, abrangidos pela designação de vulgo.” “E também os que têm multidões de parentes poderosos, assim como os homens populares, que adquiriram boa reputação junto à multidão, adquirem coragem para violar as leis devido à esperança de dominar o poder ao qual compete mandá-las executar.” “De maneira geral, todos os homens possuídos de vanglória (a não ser que sejam inteiramente timoratos) estão sujeitos à ira, pois têm mais tendência do que os outros a interpretar como desprezo a normal liberdade de conversação.”
“De todas as paixões, a que menos faz os homens tender a violar as leis é o medo. (…) Apesar disso, em muitos casos o medo pode levar a cometer um crime.” Corretíssimo, meu caro. Que bom que aditou o corretivo!
“os estóicos consideravam crimes igualmente graves matar uma galinha, contra a lei, e matar o próprio pai.” Citação?
“Quando alguém se encontra privado de alimento e de outras coisas necessárias a sua vida, e só é capaz de preservar-se através de um ato contrário à lei, como quando durante uma grande fome obtém pela força ou pelo roubo o alimento que não consegue com dinheiro ou pela caridade, ou quando em defesa da própria vida arranca a espada das mãos de outrem, nesses casos o crime é totalmente desculpado”
O BRASIL ANDA MUITO MAL DAS PERNAS, E A DESPEITO DISSO PLANTANDO BANANEIRA… “O mesmo ato praticado contra a lei, se derivar da presunção de força, riqueza e amigos capazes de resistir aos que devem executar a lei, é um crime maior do que se derivar da esperança de não ser descoberto ou de poder escapar pela fuga. Porque a presunção da impunidade pela força é uma raiz da qual sempre brotou, em todas as épocas e devido a todas as tentações, o desprezo por todas as leis, ao passo que no segundo caso o receio do perigo que leva um homem a fugir torna-o mais obediente para o futuro.”
“Por exemplo: a lei condena os duelos, e a punição é capital. Em contrapartida, quem recusa um duelo fica sujeito ao desprezo e ao escárnio, irremediavelmente; e por vezes é considerado pelo próprio soberano indigno de desempenhar qualquer cargo de comando na guerra. Dado isso, se alguém aceitar um duelo, levando em conta que todos os homens legitimamente se esforçam por conquistar uma opinião favorável dos detentores do poder soberano, manda a razão que não se aplique um castigo rigoroso, dado que parte da culpa pode ser atribuída a quem castiga.”
“Também os atos de hostilidade à situação presente do Estado são crimes maiores do que os mesmos atos praticados contra pessoas privadas, porque o prejuízo se estende a todos. São desse tipo a revelação das forças e dos segredos do Estado a um inimigo, assim como quaisquer atentados contra o representante do Estado, seja ele um monarca ou uma assembléia, e todas as tentativas, por palavras ou atos, para diminuir a autoridade do mesmo, quer no momento presente quer na sucessão. Crimes que os latinos definiam como crimina laesae majestatis, e consistem em propósitos ou atos contrários a uma lei fundamental.”
“Também o roubo e dilapidação do tesouro ou da renda pública é um crime maior do que roubar ou defraudar um particular, porque roubar o público é roubar muitos ao mesmo tempo.”
“a violação da castidade pela força é mais grave do que por sedução. A de uma mulher casada é mais grave do que a de uma mulher solteira.”
“Assim, a ofensa causada por contumélia, seja por palavras ou gestos, quando o único prejuízo que causa é o agravo de quem a recebe, não foi levada em conta pelos gregos, pelos romanos, e por outros Estados tanto antigos quanto modernos, partindo do princípio de que a verdadeira causa do agravo não está na contumélia (que não produz efeitos sobre pessoas conscientes de sua própria virtude), e sim na pusilanimidade de quem se considera ofendido.” Sujeitos como eu não seriam processados em Atenas, nem receberiam ameaças levianas, uma vez que só rebati indivíduos em erro até hoje (não importa com que intensidade, sendo no fim meras palavras, que infligiram indignação provavelmente pela consciência pesada do ofendido). Isso transformaria todo nosso Direito no que concerne a injúrias e calúnias.
“Porque matar seus próprios pais é um crime maior do que matar qualquer outro, dado que o pai deve ter a honra de um soberano (embora tenha cedido seu poder à lei civil), pois a tinha originalmente por natureza.”
XXVIII. DAS PENAS E DAS RECOMPENSAS
“os danos causados pela autoridade pública, sem condenação pública anterior, não devem ser classificados como penas, mas como atos hostis.”
SOBRE ENCARCERAR LADRÃO DE POTE DE MARGARINA: “é da natureza das penas ter por fim predispor os homens a obedecer às leis, fim esse que não será atingido se a utilidade da pena for menor do que o beneficio da transgressão, e redundará no efeito contrário.”
POR EXTENSÃO, TORNOZELEIRA? “A palavra prisão abrange toda restrição de movimentos causada por um obstáculo exterior, seja uma casa, a que se dá o nome geral de prisão, seja uma ilha, caso em que se diz que as pessoas lá ficam confinadas, seja um lugar onde as pessoas são obrigadas a trabalhar, como antigamente se condenavam as pessoas às pedreiras, e atualmente se condenam às galés, seja mediante correntes ou qualquer outro impedimento.”
“O exílio (banimento) ocorre quando por causa de um crime alguém é condenado a sair dos domínios do Estado, ou de uma de suas partes, para durante um tempo determinado ou para sempre ficar impedido de lá voltar. E por sua própria natureza, sem outras circunstâncias, não parece ser uma pena, mas mais uma fuga, ou então uma ordem pública para através da fuga evitar a aplicação da pena. Cícero dizia que jamais tal pena foi aplicada na cidade de Roma, e chamava-lhe um refúgio para quem está em perigo. [Ironicamente Cícero foi exilado.] Se alguém for banido e apesar disso for autorizado a desfrutar de seus bens e do rendimento de suas terras, a simples mudança de ares não constitui uma penalidade, nem contribui para benefício do Estado, em função do qual todas as penas são ditadas (quer dizer, para que a vontade dos homens seja conformada à observância da lei), e muitas vezes constitui um prejuízo para o Estado. Porque um homem banido é um inimigo legítimo do Estado que o baniu, pois não é mais um membro desse Estado. Mas se além disso for privado de suas terras ou bens, nesse caso não é no exílio que a pena consiste, e esta deve ser incluída entre as penas pecuniárias.” Devia voltar à moda.
“Mas infligir qualquer dano a um inocente que não é súdito, se for para beneficio do Estado, e sem violação de qualquer pacto anterior, não constitui desrespeito à lei de natureza. Porque todos os homens que não são súditos ou são inimigos ou deixaram de sê-lo em virtude de algum pacto anterior. E contra os inimigos a quem o Estado julgue capazes de lhe causar dano é legítimo fazer guerra, em virtude do direito de natureza original, no qual a espada não julga, nem o vencedor faz distinção entre culpado e inocente, como acontecia nos tempos antigos, nem tem outro respeito ou clemência senão o que contribui para o bem de seu povo. É também com este fundamento que, no caso dos súditos que deliberadamente negam a autoridade do Estado, a vingança se estende legitimamente, não apenas aos pais, mas também à 3ª e 4ª gerações ainda não existentes, que conseqüentemente são inocentes do ato por causa do qual vão sofrer.”
“quando o soberano de um Estado estipula um salário para qualquer cargo público, aquele que o recebe é obrigado em justiça a desempenhar seu cargo; no caso contrário, fica apenas obrigado pela honra a reconhecer e a esforçar-se por retribuir. Embora não haja para os homens solução legítima, quando se lhes ordena que abandonem seus negócios pessoais para desempenharem funções públicas, sem recompensa ou salário, mesmo assim não são a tal obrigados, nem pela lei de natureza nem pela instituição do Estado, a não ser que o serviço em questão não possa ser realizado de outra maneira. Porque se considera que o soberano pode fazer uso de todas as capacidades desses homens, desde que a estes se reconheça o mesmo direito que ao mais ínfimo soldado, o de reclamar como uma dívida o pagamento dos serviços prestados.”
“Expus até aqui a natureza do homem (cujo orgulho e outras paixões o obrigaram a submeter-se ao governo), juntamente com o grande poder de seu governante, ao qual comparei com o Leviatã, tirando essa comparação dos dois últimos versículos do capítulo 41 de Jó, onde Deus, após ter estabelecido o grande poder do Leviatã, lhe chamou Rei dos Soberbos. Não há nada na Terra, disse ele, que se lhe possa comparar. Ele é feito de maneira a nunca ter medo. Ele vê todas as coisas abaixo dele, e é o Rei de todos os Filhos da Soberba. Mas dado que é mortal, e sujeito à degenerescência, do mesmo modo que todas as outras criaturas terrenas, e dado que existe no céu (embora não na terra) algo de que ele deve ter medo, e a cuja lei deve obedecer, vou falar no capítulo seguinte de suas doenças, e das causas de sua mortalidade; e de quais as leis de natureza a que deve obedecer.”
ao redor dos seus dentes está o terror.
As suas fortes escamas são o seu orgulho, cada uma fechada como com selo apertado.
Uma à outra se chega tão perto, que nem o ar passa por entre elas.
Umas às outras se ligam; tanto aderem entre si, que não se podem separar.
Cada um dos seus espirros faz resplandecer a luz, e os seus olhos são como as pálpebras da alva.
Da sua boca saem tochas; faíscas de fogo saltam dela.
Das suas narinas procede fumaça, como de uma panela fervente, ou de uma grande caldeira.
O seu hálito faz incender os carvões; e da sua boca sai chama.
No seu pescoço reside a força; diante dele até a tristeza salta de prazer.
Os músculos da sua carne estão pegados entre si; cada um está firme nele, e nenhum se move.
O seu coração é firme como uma pedra e firme como a mó de baixo.
Levantando-se ele, tremem os valentes; em razão dos seus abalos se purificam.
Se alguém lhe tocar com a espada, essa não poderá penetrar, nem lança, dardo ou flecha.
Ele considera o ferro como palha, e o cobre como pau podre.
A seta o não fará fugir; as pedras das fundas se lhe tornam em restolho.
As pedras atiradas são para ele como arestas, e ri-se do brandir da lança;
Debaixo de si tem conchas pontiagudas; estende-se sobre coisas pontiagudas como na lama.
As profundezas faz ferver, como uma panela; torna o mar como uma vasilha de ungüento.
Após si deixa uma vereda luminosa; parece o abismo tornado em brancura de cãs.
Jó 41:14-32, descrição deste Moby Dick-Cthulhu que Hobbes decidiu equivaler à “gaiola de ferro weberiana” chamada Estado!
XXIX. DAS COISAS QUE ENFRAQUECEM OU LEVAM À DISSOLUÇÃO DO ESTADO
“se os homens se servissem da razão da maneira como fingem fazê-lo, podiam pelo menos evitar que seus Estados perecessem devido a males internos. Pois, pela natureza de sua instituição, estão destinados a viver tanto tempo quanto a humanidade, ou quanto as leis de natureza, ou quanto a própria justiça, que lhes dá vida. Portanto quando acontece serem dissolvidos, não por violência externa, mas por desordem intestina, a causa não reside nos homens enquanto matéria, mas enquanto seus obreiros e organizadores.”
“Pois enquanto a fórmula do antigo Estado romano era o Senado e o povo de Roma, nem o Senado nem o povo aspiravam à totalidade do poder, o que primeiro causou as sedições de Tibério Graco, Caio Graco, Lúcio Saturnino e outros, e mais tarde as guerras entre o Senado e o Povo, no tempo de Mário e Sila, e novamente no tempo de Pompeu e César, com a extinção de sua democracia e a instalação da monarquia.” Cf. capítulos 1 e 2 de Merivale, History of the Romans under the Empire vol. I.
“os homens adquirem a tendência para debater consigo próprios e discutir as ordens do Estado, e mais tarde para obedecê-las ou desobedecê-las conforme acharem conveniente em seus juízos particulares.”
“a lei é a consciência pública”
MAU ECLESIÁSTICO: “Também tem sido freqüentemente ensinado que a fé e a santidade não podem ser atingidas pelo estudo e pela razão,¹ mas sim por inspiração sobrenatural, ou infusão, o que, uma vez aceite, não vejo por que alguém deveria justificar a sua fé, ou por que razão todos os cristãos não seriam também profetas, ou por que razão alguém deveria seguir, como regra de ação, a lei de seu país em vez de sua própria inspiração. E assim caímos outra vez no erro de atribuir a nós mesmos o julgar do bem e do mal, ou de tornar seus juízes esses indivíduos particulares que fingem ser inspirados sobrenaturalmente, o que leva à dissolução de todo governo civil.” “os escritos de teólogos ignorantes, os quais, juntando as palavras das Sagradas Escrituras de uma maneira diversa daquela que é conforme à razão, fazem tudo para levar os homens a pensar que a santidade e a razão natural não podem coexistir.”²
¹ Hoje nem mesmo um homem tolo discordaria deste enunciado, fosse este homem religioso ou pagão; como quer que tenha sido entendido na época de H., este fragmento me parece um tanto fora de propósito!
² Vejamos: em 2000 anos ninguém compreendeu o sentido de “Dai a César o que é de César…”, somente Thomas Hobbes!! Mas a grande ironia é que Cristo não era um fariseu (estudioso). E não disse que César seria sempre César e que a humanidade devesse se prostrar diante dele. César é o bom governante, não o tirano.
“o povo dos judeus foi levado a rejeitar Deus e a pedir ao profeta Samuel um rei à maneira das outras nações; do mesmo modo as cidades menores da Grécia foram continuamente perturbadas com sedições das facções aristocrática e democrática, desejando uma parte de quase todos os Estados imitar os lacedemônios e a outra parte os atenienses. E não duvido que muitos homens tenham ficado contentes com as recentes perturbações na Inglaterra à imitação dos Países Baixos, supondo que de nada mais precisavam para se tornar ricos do que mudar, como tinham feito, a forma do seu governo, pois a constituição da natureza humana está em si sujeita ao desejo de novidade.”
“Quanto à rebelião contra a monarquia em particular, uma de suas causas mais freqüentes é a leitura de livros de política e de história dos antigos gregos e romanos, da qual os jovens, e todos aqueles que são desprovidos do antídoto de uma sólida razão, recebendo uma impressão forte e agradável das grandes façanhas de guerra praticadas pelos condutores dos exércitos, formam uma idéia agradável (…) e julgam que sua grande prosperidade procedeu, não da emulação de indivíduos particulares, mas da virtude da sua forma de governo popular[,] não atentando nas freqüentes sedições e guerras civis provocadas pela imperfeição da sua política. A partir da leitura de tais livros, os homens resolveram matar seus reis, porque os autores gregos e latinos consideraram legítimo e louvável fazê-lo, desde que antes de matá-lo o chamassem de tirano, pois não dizem que seja legítimo o regicídio, isto é, o assassinato de um rei, mas sim o tiranicídio, isto é, o assassinato de um tirano. (…) Em resumo, não consigo imaginar coisa mais prejudicial a uma monarquia do que a permissão de se lerem tais livros em público, sem mestres sensatos lhes fazerem aquelas correções capazes de retirar-lhes o veneno que contêm, veneno esse que não hesito em comparar à mordida de um cão raivoso, que constitui uma doença denominada pelos físicos hidrofobia, ou medo d’água. Pois aquele que assim foi mordido tem um contínuo tormento de sede e contudo não pode ver a água, e fica num estado como se o veneno conseguisse transformá-lo num cão; do mesmo modo quando uma monarquia é mordida até o âmago por aqueles autores democráticos que continuamente rosnam em suas terras, ela de nada mais precisa do que de um monarca forte, que contudo quando surgir será detestado devido a uma certa tiranofobia, ou medo de ser governado pela força.”
O Ragnarok é uma guerra civil!
“a epilepsia ou doença de cair (que os judeus consideravam como uma espécie de possessão pelos espíritos) (…) nesta doença há um espírito não-natural, ou vento na cabeça, que obstrui as raízes dos nervos e que, agitando-os violentamente, faz desaparecer o movimento que naturalmente eles deviam ter como resultado do poder da alma sobre o cérebro, e que por isso causa movimentos violentos e irregulares (que os homens chamam de convulsões) nas partes, a ponto daquele que é tomado por eles cair umas vezes na água, outras vezes no fogo”
“muito embora alguns percebam que tal governo não é governo, mas divisão do Estado em 3 facções, e o chamem monarquia mista, a verdade é que não é um Estado independente, mas 3 facções independentes, não uma pessoa representativa, mas 3. No reino de Deus pode haver 3 pessoas independentes sem quebra da unidade no Deus que reina, mas quando são os homens que reinam e estão sujeitos à diversidade de opiniões isso não pode acontecer. Portanto, se o rei representa a pessoa do povo e a assembléia geral também representa a pessoa do povo, e uma outra assembléia representa a pessoa de uma parte do povo, não há apenas uma pessoa, nem um soberano, mas 3 pessoas e 3 soberanos.
Não sei a que doença do corpo natural do homem posso comparar exatamente esta irregularidade de um Estado, mas uma vez vi um homem que tinha outro homem ligado a um de seus lados, com cabeça, braço, tronco e estômago próprios:¹ se tivesse outro homem do outro lado, a comparação podia então ser exata.”
¹ Quase a única lembrança que me restava da leitura do Leviatã durante meu curso de sociologia, em 2009, 11 anos atrás (já agora 12 quando reviso para publicação), e que eu começava a achar que fosse um delírio, pois que o livro passava já da metade e eu não havia encontrado nada parecido com “aquele relato do homem de 2 cabeças”! Ei-lo.
“o exército é tão forte e numeroso que se torna fácil acreditar que ele é o povo. Foi por este meio que Júlio César, erguido pelo povo contra o Senado, tendo conquistado para si próprio a lealdade do seu exército, tornou-se senhor tanto do Senado como do povo. E este procedimento de homens populares e ambiciosos é pura rebelião e pode ser comparado aos efeitos da feitiçaria.” Não sei qual é a parte mais tosca dessa passagem: desprezar Júlio César, comparar rebelião social com feitiçaria (era um tardo-medieval, afinal!) ou o fato de ser inconseqüente com a própria filosofia da soberania-a-qualquer-custo: Kill The King (Senate, factions), The King is Dead, Julius Caesar is the King, Long live the King!
XXX. DO CARGO DE SOBERANO REPRESENTANTE
“Mas supondo que estes meus princípios não sejam princípios racionais, tenho contudo a certeza de que são princípios tirados da autoridade das Escrituras, como mostrarei quando falar do reino de Deus (administrado por Moisés) sobre os judeus, seu povo dileto por meio de um pacto.”
“o espírito da gente vulgar é como papel limpo, pronto para receber seja o que for que a autoridade pública queira nele imprimir.”
“aqueles que empreendem reformar o Estado pela desobediência verão que assim o destroem, como as filhas de Peleu que, desejando trazer de volta a juventude do pai decrépito, seguindo o conselho de Medéia, o cortaram em pedaços e o cozinharam juntamente com ervas estranhas, mas não fizeram dele um novo homem.”
“É portanto manifesto que a instrução do povo depende totalmente de um adequado ensino da juventude nas Universidades. Mas (podem alguns dizer) não são as Universidades da Inglaterra já suficientemente eruditas para fazer isso? Ou será que querem tentar ensinar às Universidades? Perguntas difíceis.”
“a impunidade faz a insolência, a insolência o ódio e o ódio a tentativa de derrubar toda a grandeza opressora e insolente”
“Da igualdade da justiça faz parte também a igual imposição de impostos, igualdade que não depende da igualdade dos bens mas da igualdade da dívida que todo homem deve ao Estado para sua defesa. Não é suficiente que um homem trabalhe para a manutenção de sua vida; é necessário também que lute para assegurar seu trabalho. Ou têm de fazer como os judeus fizeram depois do regresso do cativeiro, reedificando o templo com uma mão e segurando a espada com a outra; ou então têm de contratar outros para lutar por eles. Pois os impostos que são cobrados ao povo pelo soberano nada mais são do que os soldos devidos àqueles que seguram a espada pública para defender os particulares no exercício de várias atividades e profissões.” “Pois que razão há para que aquele que trabalha muito e, poupando os frutos do seu trabalho, consome pouco seja mais sobrecarregado do que aquele que vivendo ociosamente ganha pouco e gasta tudo o que ganha, dado que um não recebe maior proteção do Estado do que o outro?”
“E sempre que muitos homens, por um acidente inevitável, se tornam incapazes de sustentar-se com seu trabalho, não devem ser deixados à caridade de particulares, mas serem supridos pelas leis do Estado.”
“Mas no que diz respeito àqueles que possuem corpos vigorosos, a questão coloca-se de outro modo: devem ser obrigados a trabalhar e, para evitar a desculpa de que não encontram emprego, deve haver leis que encorajem toda a espécie de artes, como a navegação, a agricultura, a pesca e toda a espécie de manufatura que exige trabalho.¹ Aumentando ainda o número de pessoas pobres mas vigorosas, devem ser removidas para regiões ainda não suficientemente habitadas, onde contudo não devem exterminar aqueles que lá encontrarem, mas obrigá-los a habitar mais perto uns dos outros e a não utilizar uma grande extensão de solo para pegar o que encontram, e sim tratar cada pequeno pedaço de terra com arte e cuidado a fim de este lhes dar o sustento na devida época. E quando toda a terra estiver superpovoada, então o último remédio é a guerra, que trará aos homens ou a vitória ou a morte.”
¹ Hoho! Leis que encorajam! Não é porque isso foi dito no século XVII que é menos cretino do que é hoje – leis nunca deram conta da atividade econômica, a não ser de forma negativa (taxação da indústria, alfândega, proibições de venda e consumo de determinados artigos, etc.) – nunca uma lei que não fosse IMPOSITIVA “encorajou” por si só as forças produtivas. Esquece-se que o recurso estatal necessário para efetivar um “encorajamento” é diretamente dependente do próprio recurso e vontade da indústria. Um Estado miserável não veria efeito benéfico algum decorrente de tal lei. Um Estado rico, como o inglês, veria uma indústria cada vez mais forte e monopolista – mas não por causa da Lei, aliás, pelo exato contrário, a idéia da criação da Lei proveio do caráter de comerciante do povo britânico. Ou seja, mero wishful thinking imperialista. Tome como exemplo a Zona Franca de Manaus: o Estado “encorajou” a industrialização em zona de industrialização quase zero, às expensas da parte industrializada do país. Notável realização – não fosse seu caráter um tanto relativo ou módico no quadro geral: hoje Manaus não é uma nova São Paulo, nem o Brasil subiu de patamar no mercado mundial. Assim que os benefícios fiscais cessaram, houve êxodo industrial.
“Pois todas as palavras estão sujeitas à ambigüidade, e portanto a multiplicação de palavras no texto da lei é uma multiplicação da ambigüidade. (…) quando vejo quão
curtas eram as leis dos tempos antigos, e como a pouco e pouco se foram tornando mais extensas, penso ver uma luta entre aqueles que escreveram a lei e aqueles que pleiteiam contra ela, procurando os primeiros circunscrever os segundos, e os segundos evitar a circunscrição, tendo estes alcançado a vitória.”
“a indignação dispõe os homens não só contra os autores da injustiça, mas também contra todo o poder que parece protegê-los, como no caso de Tarquínio, quando por causa do ato insolente de um de seus filhos foi expulso de Roma, e a própria monarquia foi dissolvida.”
“e como todas as espécies de manufatura, também a maldade aumenta por ser vendável. E muito embora às vezes se possa adiar uma guerra civil com tais meios, o perigo torna-se ainda maior e a pública ruína mais certa.”
“conhecer aqueles que conhecem as regras de quase todas as artes é em grande parte conhecer também a mesma arte, pois nenhum homem pode certificar-se da verdade das regras dos outros, exceto aquele que primeiro aprendeu a compreendê-las. (…) Nestas regiões da Europa tem sido considerado um direito de certas pessoas fazer parte do mais alto conselho de Estado por herança, o que tem origem nas conquistas dos antigos germanos, nas quais muitos senhores absolutos, reunindo-se para conquistar outras nações, não entrariam na confederação sem aqueles privilégios que pudessem constituir marcas de diferença em tempos vindouros, entre sua posteridade e a posteridade de seus súditos. Sendo esses privilégios incompatíveis com o poder soberano, pela graça do soberano parecem conservá-los, mas lutando por eles como se fossem seus direitos, têm necessariamente de perdê-los a pouco e pouco e por fim não recebem mais honras do que aquelas que resultam naturalmente de suas capacidades.” Implicado nisto está que Hobbes admite que há soberanias e soberanias: a dos germanos era imperfeita. A da Coroa Inglesa, perfeita. Mas por que não haveria de nascer uma soberania mais-que-perfeita em apenas 100 ou 200 anos? Hoje, quem sabe, Hobbes seria um Elon Musk ou acionista majoritário da Coca-Cola, com as mesmíssimas crenças, apenas perfumadas!
XXXI. DO REINO DE DEUS POR NATUREZA
(…)
TERCEIRA PARTE. DO ESTADO CRISTÃO
XXXII. DOS PRINCÍPIOS DA POLÍTICA CRISTÃ
(…)
XXXIII. DO NÚMERO, ANTIGUIDADE, ALCANCE, AUTORIDADE E INTÉRPRETES DOS LIVROS DAS SAGRADAS ESCRITURAS
“só posso reconhecer como Sagradas Escrituras, dos livros do Antigo Testamento, aqueles que a autoridade da Igreja da Inglaterra ordenou que fossem reconhecidos como tais. É suficientemente sabido quais são esses livros, sem ser preciso enumerá-los aqui: são os mesmos que são reconhecidos por São Jerônimo, que considera apócrifos os restantes, a saber, a Sabedoria de Salomão, o Eclesiastes [Eclesiástico? Aqui o tradutor pode ter fodido tudo!], Judite, Tobias, o primeiro e o segundo dos Macabeus (apesar de ter visto o primeiro em hebreu), e o terceiro e o quarto de Esdras. Josephus, um sábio judeu que escreveu na época do imperador Domiciano, reconhece 22 dos canônicos, fazendo o número coincidir com o alfabeto hebreu. São Jerônimo faz o mesmo, embora ambos os reconheçam de maneiras diferentes. Porque Josephus conta 5 livros de Moisés, 13 dos Profetas, que escreveram a história de sua própria época (e veremos depois como concordam com os escritos dos profetas contidos na Bíblia) e 4 dos Hinos e preceitos morais. Mas São Jerônimo reconhece 5 livros de Moisés, 8 dos Profetas e 9 outros sagrados escritos, aos quais chama Hagiógrafos. Os Septuaginta, que eram setenta sábios judeus, enviados por Ptolomeu, rei do Egito, para traduzir a lei judia do hebreu para o grego, não nos deixaram, como Sagradas Escrituras em língua grega, nada a não ser o mesmo que é reconhecido pela Igreja da Inglaterra.
Quanto aos livros do Novo Testamento, são igualmente reconhecidos como cânone por todas as Igrejas cristãs e por todas as seitas de cristãos que admitem qualquer livro como canônico.” Eu senti a ironia, safadinho!
CHRIST INC.: “Em primeiro lugar, quanto ao Pentateuco, não constitui argumento suficiente para afirmar que foi escrito por Moisés o fato desse lhe chamar os 5 livros de Moisés. Tal como os títulos do livro de Josué, do livro dos Juízes, do livro de Rute e dos livros dos Reis não são argumentos suficientes para provar que eles foram escritos por Josué, pelos Juízes, por Rute ou pelos Reis. Porque nos títulos dos livros o tema é tão freqüentemente assinalado como o autor. (…) Lemos no último capítulo do Deuteronômio, versículo 6, a respeito do sepulcro de Moisés, que ninguém conhecia seu sepulcro até este dia, isto é, até o dia em que essas palavras foram escritas. Portanto é manifesto que essas palavras foram escritas depois de seu funeral. Porque seria uma estranha interpretação dizer que Moisés falou de seu próprio sepulcro (mesmo por profecia), afirmando que não foi encontrado até um dia no qual ele ainda estava vivo.” “De maneira semelhante, nos Números 21:14, o autor cita outro livro mais antigo, intitulado O Livro das Guerras do Senhor, onde foram registrados os feitos de Moisés no mar Vermelho e na ponte de Arnon. Fica assim perfeitamente evidente que os 5 livros de Moisés foram escritos depois de seu tempo, embora não seja manifesto quanto tempo depois.”
“Ora, o verso não é o estilo habitual dos que se encontram em grande aflição, como Jó, nem dos que vão confortá-los como amigos. Mas nos tempos antigos era freqüente em filosofia, sobretudo em filosofia moral.
Os Salmos foram escritos em sua maioria por Davi, para uso dos cantores. A eles foram acrescentados alguns cantos de Moisés e outros homens santos, sendo alguns deles posteriores ao regresso do cativeiro, como o 137 e o 126, por onde fica manifesto que o Saltério foi compilado e posto na forma atual depois do regresso dos judeus de Babilônia.”
“Os livros do Eclesiastes e dos Cânticos não têm nada que não seja de Salomão, a não ser os títulos e inscrições. Porque As palavras do pregador, filho de Davi, rei de Jerusalém, e O Cântico dos Cânticos parecem ter sido feitos para fins de distinção, quando os livros das Escrituras foram reunidos num único corpo de lei, para que também os autores, e não só a doutrina, pudessem subsistir.”
“Dos profetas, os mais antigos são Sofonias, Jonas, Amós, Oséias, Isaías e Miquéias, que viveram no tempo de Amazias e Azarias, ou Ozias, reis de Judá. Mas o livro de Jonas não é propriamente um registro de sua profecia (a qual está contida em poucas palavras: Quarenta dias e Nínive será destruída), mas a história ou narração de sua rebeldia e desrespeito aos mandamentos de Deus; assim, dado que ele é o tema do livro, há pouca probabilidade de que seja também seu ator. Mas o livro de Amós é sua própria profecia. Jeremias, Abdias, Nahum e Habacuc profetizaram no tempo de Josias. Ezequiel, Daniel, Ageu e Zacarias profetizaram no cativeiro.
Quanto ao tempo em que Joel e Malaquias profetizaram, não se torna evidente a partir de seus escritos. Mas examinando as inscrições ou títulos de seus livros fica bastante claro que todas as Escrituras do Antigo Testamento foram postas na forma que possuem após o regresso dos judeus do cativeiro em Babilônia, e antes do tempo de Ptolomeu Filadelfo (…) E se os livros Apócrifos (…) neste ponto merecem crédito, as Escrituras foram postas na forma que lhes conhecemos por Esdras.”
“Os autores do Novo Testamento viveram todos menos de uma geração depois da Ascensão de Cristo, e todos eles viram nosso Salvador, ou foram seus discípulos, com exceção de São Paulo e São Lucas. Em conseqüência, tudo o que por eles foi escrito é tão antigo como a época dos apóstolos. (…) o concílio de Laodicéia é o primeiro que conhecemos a recomendar a Bíblia às Igrejas cristãs, como sendo os escritos dos profetas e apóstolos, e esse concílio se reuniu no ano de 364 depois de Cristo.”
UM ARQUEÓLOGO DE FÉ: “E nessa época, embora até então a ambição fosse o que dominava entre os grandes doutores da Igreja, fazendo-os deixar de reconhecer os imperadores, apesar de cristãos, como pastores, mas só como ovelhas, e considerar como lobos os imperadores não-cristãos, e de se terem esforçado por apresentar sua doutrina, não como conselho e informação, na qualidade de pregadores, mas como leis, na qualidade de governantes absolutos; embora tais fraudes pretendessem tornar o povo mais piedoso e mais obediente à doutrina cristã; apesar de tudo isto estou convencido de que isso não os levou a falsificar as Escrituras, embora as cópias dos livros do Novo Testamento estivessem apenas nas mãos dos eclesiásticos, pois se tivessem a intenção de assim fazer sem dúvida os teriam tornado mais favoráveis do que são a seu poder sobre os príncipes cristãos. Portanto, não vejo qualquer razão para duvidar que o Antigo e o Novo Testamento, tais como atualmente os conhecemos, são os verdadeiros registros das coisas que foram feitas e ditas pelos profetas e apóstolos. Assim, talvez alguns daqueles livros que são chamados Apócrifos não tenham sido deixados fora do cânone por inconformidade de doutrina com o restante, mas apenas por não terem sido encontrados em hebreu. Porque depois da conquista da Ásia por Alexandre, o Grande, eram poucos os judeus cultos que não conheciam perfeitamente a língua grega.”
XXXIV. DO SIGNIFICADO DE ESPÍRITO SANTO, ANJO E INSPIRAÇÃO NOS LIVROS DAS SANTAS ESCRITURAS
“substância e corpo significam a mesma coisa. Portanto, substância incorpórea são palavras que, quando reunidas, se destroem uma à outra, tal como se alguém falasse de um corpo incorpóreo.”
“Não vou examinar como chegamos a traduzir espíritos pela palavra fantasmas, que nada significa, nem no céu nem na terra, a não ser os habitantes imaginários do cérebro do homem. Digo apenas que no texto a palavra espírito não significa tal coisa, e ou significa propriamente uma substância real, ou significa metaforicamente alguma aptidão ou afecção extraordinária da mente ou do corpo.”
“os judeus, com o mesmo fundamento, sem haver nada no Antigo Testamento que a tal os obrigasse, eram geralmente de opinião (com exceção da seita dos saduceus) de que essas aparições (que por vezes a Deus aprazia fazer surgir na imaginação dos homens, para seu próprio serviço, e portanto lhes chamava seus anjos) eram substâncias independentes da imaginação, e criaturas permanentes de Deus. Assim, os que julgavam bons para eles eram considerados anjos de Deus, e os que julgavam ser-lhes prejudiciais eram chamados anjos maus ou espíritos malignos. Como era o caso do espírito de Píton, e dos espíritos dos loucos, dos lunáticos e dos epilépticos.”
“se torna evidente que anjo significa aqui simplesmente o próprio Deus, o qual fez sobrenaturalmente que Agar ouvisse uma voz vinda do céu; ou melhor, trata-se simplesmente de uma voz sobrenatural, testemunhando a presença especial de Deus. Sendo assim, por que não poderão os anjos que apareceram a Ló, e são chamados homens (Gên 19:13), e aos quais, embora fossem dois, Ló falou como se fosse só um (vers. 18), e a esse um como se fosse Deus (porque as palavras são: Ló lhes disse: ‘Não, rogo-vos, Senhor!’), ser entendidos como imagens de homens, sobrenaturalmente formadas na imaginação, tal como antes um anjo foi entendido como uma voz imaginada? Quando o anjo chamou a Abraão desde o céu, para que detivesse sua mão que ia matar Isaac (Gên 22:11), não houve aparição, mas apenas uma voz. A qual não obstante foi com bastante propriedade chamada mensageiro ou anjo de Deus, pois declarou sobrenaturalmente a vontade de Deus, o que evita o esforço de supor quaisquer fantasmas permanentes. Os anjos que Jacó viu na escada do céu (Gên 28:12) eram uma visão de seu sonho, portanto eram apenas uma fantasia e um sonho”
“Embora em Daniel encontremos dois nomes de anjos, Gabriel e Miguel, o próprio texto deixa claro (Dan 12:1) que por Miguel se entende o Cristo, não como anjo, mas como príncipe; [?] e que Gabriel (tal como as idênticas aparições a outros santos durante o sono) não passava de um fantasma sobrenatural, pelo qual pareceu a Daniel, em seu sonho, que estando dois santos falando um deles disse ao outro: Gabriel, vamos fazer este homem entender sua visão. Porque Deus não precisa de distinguir seus servos celestes com nomes, que só se tornam úteis para as curtas memórias dos mortais.”
XXXV. DO SIGNIFICADO DE REINO DE DEUS E SANTO NAS ESCRITURAS
“É a isto que se chama o Antigo Pacto ou Testamento, que encerra um contrato entre Deus e Abraão, mediante o qual Abraão fica obrigado, assim como sua posteridade, a ficar sujeito de maneira peculiar à lei positiva de Deus, porque à lei moral já estava obrigado antes, através de um juramento de obediência. Embora ainda não seja dado a Deus o nome de rei, nem a Abraão e sua descendência o nome de reino, a coisa é a mesma, a saber, a instituição mediante um pacto da soberania peculiar de Deus sobre a descendência de Abraão.”
“Este pacto, no sopé do monte Sinai, foi renovado por Moisés (Êx 19:5) quando o Senhor ordenou a Moisés que falasse ao povo desta maneira: Se efetivamente obedecerdes a minha voz e respeitardes meu pacto, então sereis um povo peculiar para mim, pois toda a terra me pertence. E sereis sob mim um reino sacerdotal e uma nação santa. Povo peculiar era, no latim vulgar, peculium de cunctis populis; na tradução inglesa feita no reinado de Jaime, um tesouro peculiar sob mim, acima de todas as nações, e a tradução francesa de Genebra, a jóia mais preciosa de todas as nações. Mas a tradução correta é a primeira, [claro que H. não seria herético com um rei seu] pois é confirmada pelo próprio São Paulo (Ti[Te?] 2:14), quando diz, aludindo a essa passagem, que nosso abençoado Salvador se deu a si mesmo por nós, com o fim de purificar-nos para si mesmo, como um povo peculiar (isto é, extraordinário). Por que em grego a palavra é periorisios, que geralmente se opõe à palavra epiorisios, e, assim como esta significa vulgar, cotidiano, ou (como na oração do Senhor) de uso diário, assim também a outra significa excedente, e armazenado, e gozado de maneira especial, e é a isso que os latinos chamavam peculium. E este significado da passagem é confirmado pela razão para ela dada por Deus imediatamente a seguir, onde ele acrescenta: Todas as nações do mundo são minhas, mas não é dessa maneira que sois meus, e sim de uma maneira especial. Porque elas são minhas em virtude do meu poder, mas vós sereis meus por vosso próprio consentimento e pacto.”
“A tradução inglesa acima referida, seguindo a de Genebra, refere um reino de sacerdotes, o que ou significa a sucessão de um sumo-sacerdote após outro, ou então não está de acordo com São Pedro nem com o exercício do sumo-sacerdócio.”
“por Reino de Deus se entende propriamente um Estado, instituído (pelo consentimento dos que lhe iriam ficar sujeitos) para seu governo civil e para o controle de seu comportamento, não apenas para com Deus, seu soberano, mas também uns para com os outros em matéria de justiça, e para com as outras nações tanto na paz como na guerra.”
“Mas há muitas outras passagens que provam claramente o mesmo. Em primeiro lugar (I Sam 8:7) aquela em que os anciãos de Israel (revoltados com a corrupção dos filhos de Samuel) pediram um rei, e Samuel mostrou seu desagrado e orou ao Senhor, e o Senhor em resposta lhe disse: Escuta a voz do povo, pois não foi a ti que eles rejeitaram, foi a mim, para que não reine sobre eles. Onde é evidente que o próprio Deus era então seu rei, e que Samuel não comandava o povo, mas apenas a ele comunicava o que de vez em quando Deus lhe ditava.” “E depois de os israelitas rejeitarem Deus os profetas predisseram sua restituição (Is 24:23): Então a Lua ficará confundida, e o Sol ficará envergonhado, quando o Senhor das Hostes reinar no monte Sion e em Jerusalém.”
“E no Novo Testamento o anjo Gabriel disse de nosso Salvador (Lc 1:32-33): Ele será grande, e será chamado o Filho do Altíssimo, e o Senhor lhe dará o trono de seu pai Davi; e ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó e seu reino não mais terá fim. Aqui também se trata de um reino na terra, e foi porque o reclamou que lhe foi dada a morte, como inimigo de César. A insígnia de sua cruz era Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus; por escárnio, foi coroado com uma coroa de espinhos; e por sua proclamação diz-se dos discípulos (At 17:7): Isso todos eles fizeram contrariamente aos decretos de César, dizendo que havia um outro rei, chamado Jesus. Portanto, o Reino de Deus é um reino real, não um reino metafórico, e é neste sentido que é tomado, não só no Antigo Testamento como também no Novo. Quando dizemos porque teu é o Reino, o Poder e a Glória, deve entender-se o Reino de Deus pela força de nosso pacto, e não pelo direito do poder de Deus”
XXXVI. DA PALAVRA DE DEUS E DOS PROFETAS
“Abraão é chamado profeta (Gên 20:7), quando num sonho Deus fala a Abimelec desta maneira: Restitui portanto agora ao homem sua mulher, porque ele é um profeta, e rezará por ti, de onde se pode também concluir que o nome de profeta pode ser dado, e não impropriamente, aos que nas igrejas cristãs têm a vocação de dizer orações públicas para a congregação.”
“A profecia não é uma arte, nem tampouco (quando é tomada como predição) uma vocação constante, mas um emprego extraordinário e temporário por Deus, na maior parte dos casos de homens bons, mas às vezes também de homens maus.” A profecia era uma técnica falha. Exemplo: psicanálise.
XXXVII. DOS MILAGRES E SEU USO
“O primeiro arco-íris que foi visto no mundo foi um milagre, porque foi o primeiro, e conseqüentemente era estranho. E serviu como um sinal de Deus, colocado no céu, para garantir a seu povo que não haveria mais destruição universal do mundo pelas águas. Mas atualmente, como é freqüente, não é um milagre nem para os que conhecem suas causas naturais, nem para os que não as conhecem.”
“as obras de Deus no Egito, pela mão de Moisés, foram propriamente milagres, porque foram feitas com a intenção de levar o povo de Israel a acreditar que Moisés não fôra até eles por qualquer desígnio dependente de seu próprio interesse, e sim como enviado de Deus.”
“Seria demasiado longo enumerar as diversas espécies desses homens a quem os gregos chamavam thaumaturgi, quer dizer, capazes de coisas maravilhosas; mas tudo o que eles fazem, fazem-no apenas graças a sua habilidade.”
“em nosso tempo não ouvi falar de um único homem que tenha visto qualquer dessas obras maravilhosas, feita pelo encantamento, ou palavra, ou prece de alguém, que seja considerada sobrenatural pelos que são dotados de uma razão um pouco mais que medíocre.”
XXXVIII. DO SIGNIFICADO DE VIDA ETERNA, INFERNO, SALVAÇÃO, MUNDO VINDOURO E REDENÇÃO NAS ESCRITURAS
“Quanto ao lugar onde os homens deverão gozar essa vida eterna que Cristo conseguiu para eles, os textos acima citados parecem indicar que é na terra. Pois tal como em Adão todos morreram, isto é, perderam o Paraíso e a vida eterna na terra, assim também em Cristo todos serão vivificados; portanto, todos os homens deverão viver na terra, pois caso contrário a comparação não seria própria. Com isto parece concordar o salmista (Sal 133:3): Sobre Sião envia Deus a bênção, e também a vida perpétua; pois Sião é em Jerusalém, na terra. E também São João (Apo 2:7): Ao que resistir darei a comer da árvore da vida, que fica no meio do Paraíso de Deus. Esta era a árvore da vida eterna de Adão, e essa vida era para ser na terra.”
“Dado que Adão e Eva, se não tivessem pecado, teriam vivido na terra eternamente, em suas pessoas individuais, é manifesto que não teriam procriado continuadamente sua espécie. Porque se as almas imortais fossem capazes de geração, como é hoje o gênero humano, em pouco tempo não haveria mais lugar na terra para se ficar. Os judeus que perguntaram a nosso Salvador quem seria na ressurreição o marido da mulher que havia desposado muitos irmãos desconheciam quais eram as conseqüências da vida eterna, e por isso nosso Salvador lhes lembrou essa conseqüência da imortalidade: que não haverá geração, e conseqüentemente não haverá casamento, tal como não há casamento nem geração entre os anjos. A comparação entre aquela vida eterna que Adão perdeu e a que nosso Salvador recuperou por sua vitória sobre a morte também é válida nisto, que tal como Adão perdeu a vida eterna por seu pecado e contudo ainda viveu algum tempo depois disso, assim também o fiel cristão recuperou a vida eterna pela paixão de Cristo, embora morra de morte natural e continue morto durante algum tempo, até a ressurreição.” Sei que a conseqüência e coesão hobbesianas são perfeitas de um ponto de vista teológico o exegético, mas não é possível ler essas passagens sem sentir que desperdiçamos nosso tempo com tolices!
“Não é fácil concluir, de qualquer texto que eu possa encontrar, que o lugar onde os homens irão viver eternamente, depois da ressurreição, seja o céu, entendendo-se por céu aquelas partes do mundo que são mais distantes da terra, onde ficam as estrelas, ou acima das estrelas, num outro céu mais alto chamado coelum empyreum (que não tem referência nas Escrituras, nem fundamento na razão). Por Reino do Céu entende-se o reino do Rei que habita no céu, e seu reino era o povo de Israel, ao qual ele governava através dos profetas seus lugar-tenentes, primeiro Moisés e depois dele Eleazar e os Soberanos-Sacerdotes, até que no tempo de Samuel esse povo se revoltou e escolheu como rei um mortal, à maneira das outras nações. E quando Cristo, nosso Salvador, através da pregação de seus ministros, convencer os judeus a voltar e chamar os gentios a sua obediência,¹ então haverá um novo Reino do Céu, porque então nosso rei será Deus, cujo trono fica no céu, sem que nas Escrituras haja qualquer necessidade evidente de que os homens ascendam até essa felicidade mais alto do que o escabelo onde Deus apoia os pés, isto é, a terra. Pelo contrário, está escrito (Jo 3:13) que ninguém ascenderá ao céu a não ser aquele que desceu do céu, o filho do homem que está no céu.”
¹ Mais conhecido como nunca.
“Que a alma do homem seja eterna por sua própria natureza, e uma criatura viva independente do corpo, ou que qualquer simples homem seja mortal sem ser pela ressurreição no último dia (com exceção de Enoque e Elias) é uma doutrina que não é manifesta nas Escrituras.” O negrito denuncia: a mitologia nunca se purifica/esteriliza totalmente antes de petrificar-se em religião.
“Mas como esta doutrina (apesar de provada por não poucas ou obscuras passagens das Escrituras) será pela maioria considerada uma novidade, limito-me a propô-la, nada sustentando quanto a este ou qualquer outro paradoxo da religião; esperando o fim daquela disputa pela espada, a respeito da autoridade (ainda não decidida entre meus concidadãos)¹ pela qual toda espécie de doutrina deverá ser aprovada ou rejeitada, e de quem dará as ordens, tanto oralmente como por escrito, que devem ser obedecidas (sejam quais forem as opiniões dos particulares) por todos os homens que pretendem ser protegidos pelas leis. Porque as questões de doutrina relativas ao Reino de Deus têm tamanha influência sobre o reino dos homens que só podem ser decididas por quem abaixo de Deus detém o poder soberano.” Guerra civil entre Estados…
¹ 2021: sem atualizações. A Irlanda católica que o diga, aliás!
“O nome do lugar onde até à ressurreição ficam todos os homens, quer tenham sido enterrados ou engolidos pela terra, é geralmente designado nas Escrituras por palavras que significam debaixo de terra. Os latinos usavam sobretudo Infernus e Inferi, e os gregos Hades. Quer dizer, um lugar onde os homens não podem ver, compreendendo-se tanto o sepulcro como qualquer outro lugar mais profundo.¹ Mas o lugar dos condenados depois da ressurreição não está determinado, quer no Antigo quer no Novo Testamento, por qualquer indicação de situação, mas apenas pela companhia: que será no lugar para onde foram os homens perversos que Deus, em ocasiões anteriores, e de maneira extraordinária e miraculosa, fez desaparecer da face da terra. (…) Como por exemplo que estão in Inferno, in Tartarus, ou no poço sem fundo; porque Corah, Dathan e Abirom foram engolidos vivos pelo chão. Não que os autores das Escrituras pretendessem fazer-nos acreditar que poderia haver no globo terráqueo, que não é infinito, e além disso não é (se comparado com a altura das estrelas) de grandeza considerável, um poço sem fundo; quer dizer, um buraco de profundidade infinita, como os gregos em sua Demonologia (quer dizer, em sua doutrina a respeito dos demônios), e depois deles os romanos, chamavam Tartarus. Do qual Virgílio diz,
Bis patet in praeceps, tantum tenditque sub umbras,
Quantum ad aetherum coeli suspectus Olympum”
¹ Metáfora para a morte, seu estúpido!
TRANSMIGRAÇÃO PARA O REINO PRIMITIVO? “Por outro lado, como aqueles poderosos homens da terra, que viveram no tempo de Noé, antes do dilúvio (e a quem os gregos chamavam heróis,¹ e as Escrituras gigantes, e ambos dizem que foram produzidos pela copulação dos filhos de Deus com os filhos dos homens),² foram por causa de sua vida perversa destruídos pelo dilúvio geral, o lugar dos condenados também é às vezes assinalado pela companhia desses gigantes mortos, como nos Prov 21:16: O homem que se extravia do caminho do entendimento irá permanecer na congregação dos gigantes; e em Jo 26:5: Contemplai os gigantes gemendo sob as águas, e os que moram com eles. Neste caso o lugar dos condenados é debaixo d’água.”
¹ Depois do próprio Dilúvio deles!
² Como funciona isso? Dá para explicar melhor?
ATÉ A CIDADE DE DEUS NECESSITA ESCRAVOS: “Em terceiro lugar, dado que as cidades de Sodoma e Gomorra, devido a sua perversidade, foram pela ira extraordinária de Deus consumidas com o fogo e o enxofre, e porque juntamente com elas a região ao redor fez-se um pestilento lago betuminoso, o lugar dos condenados é por vezes expresso pelo fogo e como um lago fervente. Por exemplo, no Apocalipse, 21:8: Mas os timoratos,[?] os incrédulos e abomináveis, assim como os assassinos, os fornicadores, os feiticeiros e idólatras, e todos os mentirosos, terão sua parte no lago que arde com fogo e enxofre, que é a segunda morte. Fica assim manifesto que o fogo do Inferno, aqui expresso por metáfora, a partir do fogo verdadeiro de Sodoma, não significa uma espécie ou lugar determinado de tormento, mas deve ser tomado indefinidamente, como destruição, como é o caso em 20:14, onde se diz que a morte e o Inferno foram lançados ao lago de fogo, quer dizer, foram abolidos e destruídos. Como se depois do juízo final não houvesse mais mortes, nem se fosse mais para o Inferno, quer dizer, não se fosse mais para o Hades (palavra da qual talvez derive a que usamos), o que é o mesmo que não mais se morrer.”
A BÍBLIA PREVIU AMONG US: “Em quarto lugar, a partir da praga das trevas infligida aos egípcios, sobre a qual está escrito: Eles não se viam uns aos outros, e ninguém saiu de onde estava durante três dias, mas todos os filhos de Israel tinham luz em suas moradas; chama-se ao lugar dos perversos depois do Julgamento as trevas absolutas ou (conforme o original) trevas exteriores. É o que está expresso (Mt 22:13) quando o rei ordena a seus servos que amarrem mãos e pés do homem que não tinha vestido sua roupa de casamento, e que o expulsem eis to skotos to exoteron, para as trevas de fora ou trevas exteriores; o que quando traduzido por trevas absolutas não significa a grandeza dessas trevas, mas onde elas ficam, a saber, fora da morada dos eleitos de Deus.”
“Por último, havia um lugar perto de Jerusalém, chamado vale dos filhos de Hinon, numa parte do qual, chamada Tophet, os judeus haviam cometido a mais tremenda idolatria, sacrificando seus filhos ao ídolo Moloch, onde também Deus havia infligido a seus inimigos os mais tremendos castigos, e onde Josias havia incinerado os sacerdotes de Moloch sobre seus altares, como se verifica em geral em 2 Rs 23. Mais tarde o lugar servia para acumular o lixo e o esterco lá levado da cidade, e lá se costumava de vez em quando fazer fogueiras, para purificar o ar e eliminar o cheiro à putrefação. Depois disso os judeus passaram a denominar o lugar dos condenados a partir deste lugar abominável, com o nome de Gehena ou vale de Hinon. E Gehena é a palavra que agora habitualmente se traduz por inferno, e é a partir das fogueiras que lá de vez em quando ficavam ardendo que temos a noção de fogo perpétuo e inextinguível.”
“Ora visto não haver ninguém [sempre há] que interprete as Escrituras no sentido de, depois do dia do julgamento, os perversos deverem ser eternamente punidos no vale de Hinon, ou de eles ressuscitarem para depois ficarem eternamente debaixo do chão ou d’água, ou de depois da ressurreição nunca mais se verem uns aos outros, ou não se mexerem do lugar onde estão, segue-se necessariamente, creio eu, que o que se diz a respeito do fogo do Inferno é dito metaforicamente, e portanto há um sentido próprio a procurar (porque para todas as metáforas há um fundamento real, capaz de ser expresso em termos próprios) tanto para o lugar do Inferno quanto para a natureza dos tormentos infernais e dos atormentadores. Em primeiro lugar, a natureza e propriedades dos atormentadores são exata e propriamente expressas pelo nome do inimigo, ou Satanás, o acusador, ou Diabolus, e o destruidor, ou Abadon. Estes nomes significativos, Satanás, Diabo e Abadon, não nos apresentam nenhuma pessoa individual, como é costume com os nomes próprios, mas apenas uma função ou qualidade, sendo portanto apelativos; os quais não deviam ter deixado de ser traduzidos, como é o caso nas Bíblias latinas e modernas, porque assim parecem ser os nomes próprios de demônios, e fica mais fácil os homens serem levados a acreditar na doutrina dos diabos, que nesse tempo era a religião dos gentios, e era contrária à de Moisés e de Cristo. E dado que inimigo, acusador e destruidor são termos que significam o inimigo daqueles que estarão no Reino de Deus, se depois da ressurreição o Reino de Deus ficar na terra, o inimigo e seu reino devem também situar-se na terra. Pois também assim era no tempo anterior à deposição de Deus pelos judeus. Porque o reino de Deus era na Palestina, e as nações circunvizinhas eram os reinos do inimigo, e assim por Satanás se entende qualquer inimigo terreno da Igreja.” Me parece, então, que já estamos vivendo este Pós-Apocalipse e que a Nova Zelândia é a Civitas Dei.
Será que no inferno lê-se a Bíblia? Isto é, o condenado, como o presidiário, poderia se converter post facto?
“Embora haja muitas passagens onde se fale do fogo e dos tormentos perpétuos (nos quais é possível lançar pessoas sucessivamente e umas atrás das outras, para sempre), não encontro nenhuma onde se afirme que lá haverá uma vida eterna para qualquer pessoa individual, e sim, pelo contrário, uma morte perpétua, que é a segunda morte:¹ Porque quando a morte e o sepulcro tiverem entregue os mortos que lá estavam, e cada homem tiver sido julgado conforme suas ações, a morte e o sepulcro serão também lançados ao lago de fogo. Isto é a segunda morte. Por onde fica evidente que deverá haver uma segunda morte para todos os que forem condenados no dia do juízo, depois da qual não mais morrerão.” É só isso então? Tanto terror por causa de uma segunda vida de Sísifo?
¹ É só uma metáfora, idiota! Talvez para a própria morte perpétua, absurdo crível para os crentes! Você mesmo disse que com a morte lançada ao lago de fogo não havia mais mortes, tolo!
O livro de Samuel gera alguns probleminhas e dores de cabeça para os ‘exegetas de contexto’: o único profeta que relata ascensões ante-cristãs ao Céu e salvações excepcionais, etc.
“Com a salvação, o que nos espera é um glorioso reino de nosso rei, por conquista, e não a segurança através da fuga; portanto, quando procuramos a salvação devemos também procurar o triunfo; e antes do triunfo, a vitória; e antes da vitória, a batalha; a qual é impossível supor que se dê no céu.”
ISAÍAS TAMBÉM É PROBLEMÁTICO: “a salvação será na terra, quando Deus reinar em Jerusalém, por ocasião do retorno de Cristo; e de Jerusalém virá a salvação dos gentios que serão recebidos no Reino de Deus, como é também declarado pelo mesmo profeta (Isaías)”
XXXIX. DO SIGNIFICADO DA PALAVRA IGREJA NAS ESCRITURAS
“os padres gregos lhe chamavam kyriake, a casa do Senhor, e a partir daí nossa língua passou a chamar-lhe kyrke e igreja. Quando não é usada no sentido de uma casa, a palavra igreja significa o mesmo que Ecclesia significava nos Estados gregos, quer dizer, uma congregação ou assembléia de cidadãos convocada para ouvir falar o magistrado. A qual no Estado de Roma se chamava Concio, e aquele que falava era chamado Ecclesiastes e Concionator. E quando a assembléia era convocada pela autoridade legítima ela era chamada Ecclesia legitima, uma igreja legítima, ennomos ekklesia. Mas quando ela era perturbada por clamores tumultuosos e sediciosos era considerada uma igreja confusa, ekklesia synklexymene. Às vezes a palavra também é usada para designar os homens que têm o direito de fazer parte da congregação, mesmo quando não se encontram efetivamente reunidos; quer dizer, para designar toda a multidão dos cristãos, por mais dispersos que possam estar. Como em Atos 8:3, onde se diz que Saulo assolava a Igreja. E neste sentido se diz que Cristo é a cabeça da Igreja. Às vezes a palavra também designa uma certa parte dos cristãos, como em Col 4:15: Saudai a igreja que está em sua casa. E às vezes também apenas no sentido dos eleitos, como em Ef 5:27: Uma Igreja gloriosa, sem manchas nem rugas, sagrada e sem mácula; o que se diz da Igreja triunfante, ou Igreja vindoura. Às vezes designa uma congregação reunida, cujos membros professam o cristianismo, quer essa profissão seja verdadeira ou fingida, conforme se verifica em Mt 18:17, onde se diz: Di-lo à Igreja e, se recusar ouvir a Igreja, que ele seja para ti como um gentio, ou um publicano.”
“não existe na terra qualquer Igreja universal a que todos os cristãos sejam obrigados a obedecer, pois não existe na terra um poder ao qual todos os outros Estados se encontrem sujeitos. Existem cristãos, nos domínios dos diversos príncipes e Estados, mas cada um deles está sujeito àquele Estado do qual é um dos membros, não podendo em conseqüência estar sujeito às ordens de qualquer outra pessoa. Portanto uma Igreja que seja capaz de mandar, julgar, absolver, condenar ou praticar qualquer outro ato é a mesma coisa que um Estado civil formado por homens cristãos, e chama-se-lhe um Estado civil por seus súditos serem homens, e uma Igreja por seus súditos serem cristãos. Governo temporal e espiritual são apenas duas palavras trazidas ao mundo para levar os homens a se confundirem, enganando-se quanto a seu soberano legítimo. (…) Os doutores da Igreja são chamados pastores, e assim o são também os soberanos civis. Mas se entre os pastores não houver alguma subordinação, de maneira a que haja apenas um chefe dos pastores, serão ensinadas aos homens doutrinas contrárias, que poderão ser ambas falsas, e das quais uma necessariamente o será. Quem é esse chefe dos pastores, segundo a lei de natureza, já foi mostrado: é o soberano civil.”
XL. DOS DIREITOS DO REINO DE DEUS EM ABRAÃO, MOISÉS, NOS SUMOS E NOS REIS DE JUDÁ
“Morto Aarão e depois dele também Moisés, o reino, por ser um reino sacerdotal, passou em virtude do pacto ao filho de Aarão, Eleazar, o Sumo-Sacerdote. E Deus declarou-o soberano (logo a seguir a ele), ao mesmo tempo que designou Josué para general de seu exército.”
“O intervalo entre a morte de Josué e a época de Saul é freqüentemente indicado no livro dos Juízes do seguinte modo: que nesses dias não havia rei em Israel; e algumas vezes com esta adição, que cada homem fazia aquilo que a seus olhos era certo. Pelo que deve entender-se que onde se diz não havia rei, isso significa não havia soberano poder em Israel. E assim era, se considerarmos o ato e o exercício de tal poder. Pois depois da morte de Josué e Eleazar, surgiu uma outra geração (Jz 2:10) que não conhecia o Senhor, nem as obras que tinha feito por Israel, e que procedeu mal perante o Senhor e serviu Baal.” “E os judeus tinham aquela qualidade que São Paulo observou: procurar um sinal, não só antes de se submeterem ao governo de Moisés, mas também depois de se terem comprometido por sua submissão.”
“Portanto, seja qual for a obediência prestada a qualquer dos juízes (que eram homens escolhidos extraordinariamente por Deus para salvar seus súditos rebeldes das mãos do inimigo), isso não pode constituir argumento contra o direito do Sumo-Sacerdote ao poder soberano, em todas as questões, quer de política, quer de religião. E nem os juízes, nem o próprio Samuel tiveram um chamado habitual para o governo, mas sim um chamado extraordinário, e foram obedecidos pelos israelitas não por dever mas por reverência para com seu favor junto a Deus, que aparecia em sua sabedoria, coragem ou fortuna.”
O QUANTO A SUBMISSÃO A UMA IDÉIA FIXA NÃO OBRIGA A INTERPRETAÇÕES UNILATERAIS! “Aos juízes sucederam os reis, e enquanto anteriormente toda autoridade, quer em religião quer em política, estava no Sumo-Sacerdote, agora ela estava toda no rei. Pois a soberania sobre o povo, que existia antes não apenas em virtude do poder divino, mas também por um pacto particular dos israelitas com Deus, e logo abaixo dele com o Sumo-Sacerdote, como seu vice-rei sobre a terra, foi abandonada pelo povo com o consentimento do próprio Deus.”
“E em geral durante toda a história dos reis, tanto de Judá como de Israel, sempre houve profetas que controlavam os reis por transgredirem a religião, e às vezes também por erros de Estado, como Josafá foi censurado pelo profeta Jeú por ajudar o rei de Israel contra os sírios, e Hezekiah por Isaías, por mostrar seus tesouros aos embaixadores de Babilônia. Por tudo isto se vê que embora o poder tanto do Estado quanto da religião estivesse nos reis, contudo nenhum deles deixou de estar controlado em seu uso, a não ser quando eram bem-vistos por suas capacidades naturais ou por sua fortuna. De tal modo que das práticas daqueles tempos não pode tirar-se nenhum argumento de que o direito de supremacia em religião não pertencia aos reis, a menos que o atribuamos aos profetas; nem concluir, porque rezando Hezekiah ao Senhor diante dos querubins, não obteve dele resposta nessa altura mas mais tarde pelo profeta Isaías, que portanto Isaías era o chefe supremo da igreja; ou, porque Josias consultou Hulda, a profetisa, a respeito do livro da lei, que portanto nem ele nem o Sumo-Sacerdote, mas sim Hulda, a profetiza, tinha a suprema autoridade em matéria de religião, o que penso não ser a opinião de nenhum doutor. Durante o cativeiro, os judeus não tinham Estado algum e depois de seu regresso, embora renovassem seu pacto com Deus, não foi feita promessa de obediência nem a Esdras nem a qualquer outro.”
“E logo depois se tornaram súditos dos gregos (com cujos costumes e demonologia, assim como com a doutrina dos cabalistas, sua religião tornou-se muito corrompida), de tal modo que nada se pode coligir de sua confusão, tanto no Estado quanto na religião, a respeito da supremacia em qualquer deles.”
XLI. DA MISSÃO DE NOSSO ABENÇOADO SALVADOR
“Nossa redenção foi levada a cabo em sua primeira vinda, pelo sacrifício mediante o qual se ofereceu na cruz por nossos pecados; nossa redenção foi parcialmente levada a cabo por sua própria pessoa, e parcialmente efetuada atualmente por seus ministros, o que assim continuará até seu retorno. E após esse retorno começará seu glorioso reinado sobre seus eleitos, que há de durar eternamente. Faz parte da missão de Redentor, isto é, de quem pagou o resgate do pecado (resgate esse que é a morte), que ele tenha sido sacrificado, tendo assim carregado em sua própria cabeça e afastado de nós nossas iniqüidade, da maneira que Deus havia exigido.”
Tal como o sacrifício de um só dos bodes era um preço suficiente (porque aceitável) para o resgate de todo Israel, assim também a morte do Messias é um preço suficiente para pagar os pecados de todo o gênero humano, pois nada mais foi exigido. Os sofrimentos de Cristo nosso Salvador parecem estar aqui figurados, tão claramente como na oblação de Israel, ou em qualquer de seus outros símbolos no Antigo Testamento. Ele foi ao mesmo tempo o bode sacrificado e o bode expiatório.”
“Até aqui, por conseguinte, nada foi feito ou ensinado por Cristo que tenda a diminuir o direito civil dos judeus ou de César. Pois no que diz respeito ao Estado em que nessa época os judeus viviam, tanto os que governavam como os que eram governados esperavam a vinda do Messias e do Reino de Deus, o que lhes teria sido impossível se suas leis o proibissem, quando viesse, de se manifestar e se dar a conhecer. Assim, dado que ele nada fez senão procurar provar que era o Messias, pela pregação e pelos milagres, ele nada fez contra as leis dos judeus. O Reino que reclamava só viria num outro mundo. Ensinou todos os homens entretanto a obedecerem aos que se sentavam na cadeira de Moisés. Permitiu-lhes que dessem a César o seu tributo, e recusou exercer ele mesmo as funções de juiz. Como podiam então suas palavras ou ações ser sediciosas, ou tenderem para a derrubada do governo civil então existente? Mas como Deus havia determinado seu sacrifício, a fim de levar seus eleitos de volta à obediência do pacto primitivo, usou como meios que se realizassem a malícia e a ingratidão dos judeus. E também nada fez de contrário às leis de César. Pois embora o próprio Pilatos (para contentar os judeus) o entregasse para ser crucificado, antes de assim fazer declarou abertamente que nele não havia encontrada falta.” O próximo Cristo não pode ser um bobo apolítico. Hobbes promoveu uma quimera acima do seu já mais propagado Leviatã: historicizou completamente o cristianismo e a crença cristã.
XLII. DO PODER ECLESIÁSTICO
“demorou muito, depois da Ascensão, antes que qualquer rei ou soberano civil abraçasse e publicamente autorizasse o ensino da religião cristã.”
“O Cardeal Belarmino, em sua terceira controvérsia geral, tratou um grande número de questões relativas ao poder eclesiástico do Papa de Roma, e começa com a seguinte: se ele deveria ser monárquico, aristocrático ou democrático. Sendo todas estas espécies de poder soberanas e coercitivas. Mas toda a disputa seria em vão, se se verificasse que não lhes foi deixado por nosso Salvador qualquer espécie de poder coercitivo, mas apenas o poder de proclamar o Reino de Cristo e de persuadir os homens a submeterem-se-lhe, e através de preceitos e bons conselhos ensinar aos que se submeteram o que devem fazer para serem recebidos no Reino de Deus quando ele chegar, e que os apóstolos e outros ministros do Evangelho são apenas nossos professores e não nossos comandantes, e que seus preceitos não são leis, mas apenas salutares conselhos.”
QUANDO COMEÇA A LOUCURA: “Portanto, os ministros de Cristo neste mundo não recebem desse título qualquer poder para punir alguém por não acreditar ou por contradizer o que dizem, isto é, o título de ministros cristãos não lhes dá o poder de punir a esses. Mas se tiverem poder civil soberano, por instituição política, nesse caso podem sem dúvida legitimamente punir qualquer contradição de suas leis.”
VAMOS TER QUE DRENAR A LISTA: “um mártir, conforme a verdadeira definição da palavra, é uma testemunha da ressurreição de Jesus o Messias, papel que só pode ser desempenhado pelos que com ele conviveram na terra e o viram depois de assim se ter erguido.” “Aquele que, para sustentar qualquer doutrina que ele próprio tenha tirado da história da vida de nosso Salvador, e dos Atos ou Epístolas dos apóstolos, ou na qual acredite por aceitar a autoridade de um particular, se opuser às leis e à autoridade do Estado civil, está muito longe de ser um mártir de Cristo, ou um mártir de seus mártires.”
XLIII. DO QUE É NECESSÁRIO PARA ALGUÉM ENTRAR NO REINO DOS CÉUS
“É bastante evidente que, quando alguém recebe duas ordens contrárias e sabe que uma vem de Deus, tem de obedecer a esta e não à outra, embora seja a ordem de seu legítimo soberano (quer se trate de um monarca, quer se trate de uma assembléia soberana) ou a ordem de seu pai. A dificuldade consiste portanto no seguinte, que os homens, quando recebem ordens em nome de Deus, não sabem em alguns casos se a ordem vem de Deus, ou se aquele que ordena o faz abusando do nome de Deus para algum fim próprio e particular.” Ingenuidade tocante. Mas a maior inocência e puerilidade vem à frente: “Servos, obedecei a vossos senhores em tudo e Crianças, obedecei a vossos pais em todas as coisas”
“a causa imediata da fé é o ouvido.”
QUARTA PARTE. DO REINO DAS TREVAS
XLIV. DAS TREVAS ESPIRITUAIS RESULTANTES DE MÁ INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS
“o reino das trevas, tal como é apresentado nestes e outros textos das Escrituras nada mais é do que uma confederação de impostores, que para obterem o domínio sobre os homens neste mundo presente, tentam por meio de escuras e errôneas doutrinas, extinguir neles a luz, quer da natureza, quer do Evangelho, e deste modo desprepará-los para a vinda do reino de Deus.”
“Estamos portanto ainda nas trevas.”
“a vã e errônea filosofia dos gregos, especialmente a de Aristóteles.”
AGORA O ANGLICANO PROVARÁ O CARÁTER SATÂNICO DOS CATÓLICOS: “O povo foi assim por toda parte obrigado a um duplo tributo: um para o Estado, outro para o clero; além de que aquele que era pago ao clero era o décimo de seus rendimentos, ou seja, o dobro daquilo que o rei de Atenas (considerado um tirano) tirava de seus súditos para pagar todos os cargos públicos, pois ele nada mais pedia do que a vigésima parte, e apesar disso mantinha com ela abundantemente o Estado.” “Do mesmo erro de considerar a atual Igreja como o reino de Deus, proveio a distinção entre as leis civis e as leis canônicas, sendo a lei civil os atos dos soberanos em seus próprios domínios e a lei canônica os atos do Papa nos mesmos domínios. Cânones os quais, muito embora não passassem de cânones, isto é, regras propostas e só voluntariamente recebidas pelos príncipes cristãos até a mudança do império para Carlos Magno, contudo depois, à medida que o poder do Papa aumentava, tornaram-se leis obrigatórias, e os próprios imperadores (para evitarem maiores males a que o povo cego podia ser conduzido) eram obrigados a deixá-los passar por leis. É por isso que em todos os domínios [seculares] onde o poder eclesiástico do Papa é totalmente aceite, os judeus, os turcos e os gentios são na Igreja romana tolerados em sua religião, na medida em que, no exercício de sua profi$$ão, não ofendam o poder civil, enquanto num [Estado] cristão, [ARGUMENTAÇÃO REALMENTE PÍFIA E CONFUSA] embora estrangeiro, não ser da religião romana é capital, porque o Papa pretende que todos os cristãos são seus súditos.”
“Do mesmo erro resulta que em todos os Estados cristãos há certos homens que estão isentos, por liberdade eclesiástica, dos tributos e dos tribunais do Estado civil; pois assim está o clero secular, além dos monges e frades, os quais em muitos lugares constituem uma parte tão importante do povo comum que, se houvesse necessidade, se podia só com eles organizar um exército, suficiente para qualquer guerra em que a Igreja militante os quisesse empregar contra seu próprio príncipe ou outros príncipes.”
CONTRA A TRANSUBSTANCIAÇÃO: “Pois se for suficiente para desculpar de idolatria dizer que já não é pão mas sim Deus, por que razão não serviria a mesma desculpa para os egípcios, no caso de terem tido a ousadia de dizer que os alhos e as cebolas que veneravam não eram alhos nem cebolas, mas uma divindade sob sua espécie ou semelhança?” “Nem a Igreja de Roma alguma vez estabeleceu esta transubstanciação, até a época de Inocêncio III, o que não foi há mais de 500 anos, quando o poder dos Papas estava no auge, e as trevas se tinham tornado tão densas que os homens não distinguiam o pão que lhes era dado para comer, especialmente quando era marcado com a figura de Cristo na cruz, como se quisessem que os homens acreditassem que se transubstanciava não só no corpo de Cristo mas também na madeira da cruz, e que comiam ambos em conjunto no sacramento.”
“A mesma encantação, em vez de consagração, é usada também no sacramento do batismo, no qual o abuso do nome de Deus em cada uma das várias pessoas, e em toda a Trindade, com o sinal da cruz a cada nome constitui o encanto: pois primeiro, quando fazem a água benta, o padre diz: Conjuro-te, criatura da água, em nome de Deus Pai Todo Poderoso, e em nome de Jesus Cristo seu único Filho Nosso Senhor, e em virtude do Espírito Santo, que te tornes água conjurada para afastar todos os poderes do inimigo, e para erradicar e suplantar o inimigo, etc. E o mesmo na bênção do sal que se mistura com ela: Que tu, sal, sejas conjurado, que todos os fantasmas e velhacaria da fraude do demônio possam fugir e abandonar o lugar em que és salpicado; e que todos os espíritos sujos sejam conjurados por aquele que virá para julgar os vivos e os mortos. O mesmo na bênção do óleo: Que todo o poder do inimigo, toda a hoste do Diabo, todos os assaltos e fantasmas de Satanás, possam ser afastados por esta criatura do óleo. E quanto à criança que está para ser batizada, é sujeita a muitos encantamentos: primeiro, na porta da igreja o padre assopra três vezes no rosto da criança e diz: Sai de dentro dele espírito sujo e dá lugar ao Espírito Santo, o confortador. Como se todas as crianças, até serem assopradas pelo padre, fossem demoníacas. Novamente, antes de sua entrada na igreja, diz como antes, Conjuro-te, etc., para que saias e abandones este servo de Deus. E novamente o mesmo exorcismo é repetido uma vez mais antes do batismo.” HAHAHAHAHAHA!
“É esta a janela que dá entrada à tenebrosa doutrina, primeiro dos tormentos eternos, e depois do Purgatório, e conseqüentemente dos fantasmas dos mortos passeando principalmente em lugares consagrados, solitários ou escuros, e daí às pretensões de exorcismo e conjuração de fantasmas, como também de invocação de homens mortos, e à doutrina das indulgências, isto é, de isenção durante um tempo, ou para sempre, do fogo do Purgatório onde se pretende que estas substâncias incorpóreas são queimadas para serem purificadas e preparadas para o céu. Pois sendo os homens geralmente possuídos, antes do tempo de nosso Salvador, por contágio da demonologia dos gregos, da opinião de que as almas dos homens eram substâncias distintas de seus corpos, e portanto que quando o corpo estava morto, a alma de todos os homens, quer bem-aventurados, quer maus, tinha de subsistir em algum lugar por virtude de sua própria natureza, sem reconhecerem portanto qualquer presente sobrenatural de deuses, os doutores da Igreja hesitaram durante muito tempo acerca do lugar no qual elas deviam esperar até serem reunidas a seus corpos na ressurreição, supondo durante algum tempo que elas permaneciam debaixo dos altares, mas depois a Igreja de Roma achou mais interessante construir para elas um lugar no Purgatório, que nestes últimos tempos tem sido demolido por algumas outras igrejas.”
“a época em que os Papas ficaram tão seguros de sua grandeza que desprezavam todos os reis cristãos, e pisando o pescoço dos imperadores para troçarem quer deles, quer das Escrituras, com as palavras do Salmo 91, Pisarás o leão e a serpente, o jovem leão e o dragão pisarás com teus pés.”
“Não lemos que São João tenha exorcizado a água do Jordão, nem Filipe a água do rio onde batizou o eunuco, nem que algum pastor do tempo dos apóstolos tenha tomado seu cuspe e o tenha posto no nariz da pessoa a ser batizada, dizendo: In odorem sua vitais, isto é, Para um suave odor ao Senhor, onde nem a cerimônia do cuspe, devido a sua sujeira, nem a aplicação daquela Escritura, devido a sua ligeireza, podem ser justificadas por qualquer autoridade humana.” HAHAHAHAHA!
Ecl 3:19: “…o homem não tem preeminência sobre a besta, pois tudo é vaidade.”
“o verme da consciência nunca morre”
“Também parece difícil dizer que Deus, que é o Pai da misericórdia (…) sem cujo dom livre o homem não tem nem inclinação para o bem, nem arrependimento do mal, quisesse punir as transgressões dos homens sem qualquer limite de tempo, e com todos os extremos de tortura que os homens podem imaginar, e mais.”
“O fogo, ou tormentos preparados para os maus em Gehena, Tophet, ou em qualquer outro texto, podem continuar para sempre; e nunca faltarão homens maus para serem neles atormentados, muito embora nem todos nem ninguém eternamente.” [???]
MAIS DIGNO DE BUDA DO QUE DE LUCAS: “Os filhos deste mundo casam-se e são dados em casamento mas aqueles que forem considerados como dignos daquele mundo e da ressurreição dos mortos, nem se casam nem são dados em casamento, nem podem morrer mais, pois são iguais aos anjos e são os filhos de Deus, sendo os filhos da ressurreição. Os filhos deste mundo que estão no estado em que Adão os deixou casar-se-ão e serão dados em casamento, isto é, corrompem-se e geram sucessivamente, o que é uma imortalidade da espécie, mas não das pessoas dos homens. Eles não são dignos de serem contados entre aqueles que obterão o mundo futuro e uma ressurreição absoluta dos mortos, mas apenas um curto período, como moradores daquele mundo, e para o fim apenas de receber um castigo condigno por sua contumácia.” Muito Full Metal Alchemist também: os habitantes da Cidade de Deus vivem dos sacrifícios humanos da outra dimensão!
“Nem é vergonha confessar que a profundidade das Escrituras é demasiado grande para ser perscrutada pelo curto entendimento humano.”
“Não matarás; e Aquele que matar será condenado perante os juízes, ou perante a sessão dos setenta, mas digo-vos: ficar colérico contra um irmão sem causa, ou dizer a ele ‘Raca’, ou louco, é homicídio, e será castigado no dia do juízo, e sessão de Cristo e seus apóstolos, com o fogo do inferno.” Muita gente que cruzou meu caminho está fudida!
XLV. DA DEMONOLOGIA, E OUTROS VESTÍGIOS DA RELIGIÃO DOS GENTIOS
“Que espécie de coisas eram essas a que atribuíam o nome de demônios, é algo que aparece em parte na genealogia de seus deuses, escrita por Hesíodo, um dos mais antigos poetas dos gregos” “Os gregos, por meio de suas colônias e conquistas, comunicaram sua língua e escritos à Ásia, ao Egito e à Itália, e também, por uma necessária conseqüência, sua demonologia ou (como São Paulo lhe chama) suas doutrinas dos diabos. E por este meio o contágio chegou também aos judeus, quer da Judéia, quer de Alexandria e outras partes, onde estavam espalhados.”
“Contudo a doutrina contrária, a saber, que há espíritos incorpóreos, tem até agora prevalecido de tal modo na Igreja, que o uso do exorcismo (isto é, da expulsão de demônios por conjuração) se apoiou nela e (embora praticado rara e fracamente) ainda não foi totalmente suprimido.”
“Um outro vestígio de gentilismo é o culto das imagens, que não foi instituído por Moisés no Antigo Testamento, nem por Cristo no Novo, nem ainda trazido dos gentios, mas deixado entre eles, depois de terem dado seus nomes a Cristo.” Pintores, os primeiros hereges modernos.
“o culto das imagens de Cristo e de seus apóstolos tornou-se cada vez mais idólatra, exceto alguns tempos depois de Constantino, quando vários imperadores e bispos e concílios gerais observaram sua ilegitimidade, e condenaram-na, mas era demasiado tarde ou fizeram-no de maneira demasiado fraca.”
“O primeiro a ser canonizado em Roma foi Rômulo, e isto devido à narrativa de Julius Proculus, que jurou diante do Senado ter falado com ele depois de sua morte, e ter-lhe assegurado que morava no céu e lá era chamado Quirino, e que seria propício ao Estado da nova cidade. E sobre isto o Senado deu público testemunho de sua santidade. Júlio César e outros imperadores depois dele tiveram idêntico testemunho, isto é, foram canonizados como santos, pois a canonização é agora definida por tal testemunho e é o mesmo que a apotheosis dos gentios.
Foi também dos gentios romanos que os Papas receberam o nome e poder de Pontifex Maximus. Este era o nome daquele que no antigo Estado de Roma tinha a autoridade suprema, sob[re?] o Senado e o povo, para regular todas as cerimônias e doutrinas referentes à religião. E quando Augusto César mudou o Estado para uma monarquia, ele reservou para si apenas este cargo e o de tribuno do povo (isto é, o poder supremo quer no Estado, quer na religião) e os imperadores que lhe sucederam desfrutaram do mesmo. Mas na época do Imperador Constantino, o primeiro que professou e autorizou a religião cristã, estava de acordo com sua profissão de fé fazer com que a religião fosse regulada (sob sua autoridade) pelo bispo de Roma, embora pareça que não receberam logo o nome de pontifex, mas sim que os bispos que se sucederam o tomaram para si por iniciativa própria, para fortalecer o poder que exerciam sobre os bispos das províncias romanas.”
“podemos a propósito observar que não há lugar para a superioridade do Papa sobre os outros bispos, exceto nos territórios onde ele próprio é o soberano civil, e naqueles em que o imperador, tendo o soberano poder civil, expressamente escolheu o Papa como principal pastor, sob sua autoridade, de seus súditos cristãos.” Oficialmente, hoje, apenas o Vaticano (sendo ele próprio o soberano).
“Levar imagens em procissão é outro vestígio da religião dos gregos e dos romanos, pois também eles transportavam seus ídolos de lugar para lugar, numa espécie de carroça, que era especialmente destinada a esse fim, chamada thensa e vehiculum deorum pelos latinos, e a imagem era colocada numa moldura ou escrínio, que chamavam ferculum.”
“A estas procissões também pertenciam as tochas acesas e as velas diante das imagens dos deuses, tanto entre os gregos como entre os romanos. Pois mais tarde os imperadores de Roma receberam as mesmas honras, como lemos acerca de Calígula, que ao ascender ao império foi transportado de Misenum para Roma, no meio de uma multidão de gente, por caminhos enfeitados com altares e animais para sacrifício e tochas acesas; e acerca de Caracala, que foi recebido em Alexandria com incenso, e com flores arremessadas, e dadouxiais, isto é, com tochas, pois dadouxoi eram aqueles que entre os gregos seguravam tochas acesas nas procissões de seus deuses. E com o andar dos tempos o povo devoto mas ignorante muitas vezes prestou honras a seus bispos com uma pompa semelhante de velas de cera, e às imagens de nosso Salvador e dos santos, constantemente, na própria igreja. E assim se chegou ao uso de velas de cera que foi também estabelecido por alguns dos antigos Concílios.”
“Os gentios tinham também sua água lustralis, isto é, a água benta. A Igreja de Roma também os imita em seus dias santos. Eles tinham suas bacanais e nós temos nossas vigílias que lhes correspondem, eles as saturnalia, nós os carnavais e a liberdade dos servos na terça-feira de Entrudo, eles sua procissão de Príapo, nós a festa de ir buscar, levantar e dançar à volta dos maios; e dançar é uma das formas de culto; e eles tinham a procissão chamada ambarvalia e nós a procissão pelos campos na semana das ladainhas. Nem penso que estas sejam todas as cerimônias que foram deixadas na Igreja desde a primeira conversão dos gentios, mas são todas as que de momento consigo lembrar; e se alguém observasse bem aquilo que é contado nas histórias referentes aos ritos religiosos dos gregos e dos romanos, não duvido de que encontraria mais destas velhas garrafas vazias do gentilismo que os doutores da Igreja romana, ou por negligência ou por ambição, encheram outra vez com o novo vinho da cristandade, que a seu tempo não deixará de destruí-los.” Vai lá Hobbes, tritura os católicos, Hobbes! Boa, moleque!
XLVI. DAS TREVAS RESULTANTES DA VÃ FILOSOFIA E DAS TRADIÇÕES FABULOSAS
“Definição pela qual fica evidente que não consideramos como parte dela aquele conhecimento originário chamado experiência, no qual consiste a prudência, porque não é atingido por raciocínio, mas se encontra igualmente nos animais e no homem, e nada mais é do que a memória de sucessões de eventos em tempos passados, na qual a omissão de qualquer pequena circunstância, alterando o efeito, frustra a esperança do mais prudente, visto que nada é produzido pelo raciocínio acertadamente senão a verdade geral, eterna e imutável.” Ainda bem que o que praticamos hoje sob esse nome não tem nada a ver com filosofia para H.
Execra Aristóteles, mas pensa mediante suas categorias limitantes.
Os Maias previram o capitalismo, portanto são melhores que Hobbes. Hobbes não os considera filósofos (a menos que retire os maias da alcunha de ‘selvagens americanos’) – se é que se preocupou em estudar a história das civilizações pré-colombianas – tinha muito o que fazer!
Segundo ele, o homem primitivo não filosofava por falta de tempo. Conhecemos esse clichê. Mas o “filósofo” contemporâneo (ou escolástico tardio, no caso presente!) não filosofa pelo exato oposto: tem tempo demais! O ócio do racional é o pior ócio de todos.
COROLÁRIO DE UMA FILOSOFIA DE MERDA: “era impossível, até que se erigisse um grande Estado, que as coisas se passassem de maneira diferente. O ócio é o pai da filosofia, e o Estado, o pai da paz e do ócio.”
DETERMINISMO ECONÔMICO, JÁ NESSA IDADE TÃO TENRA? “Depois que os atenienses, pela derrota dos exércitos persas, alcançaram o domínio do mar, e portanto de todas as ilhas e cidades marítimas do Arquipélago, tanto da Ásia como da Europa, e se tornaram ricos, não tinham nada que fazer nem em seu país nem fora dele, exceto (como diz São Lucas, Atos, 17:21) contar e ouvir notícias, ou discorrer publicamente sobre filosofia, dirigindo-se aos jovens da cidade.”
“Daqui resultou que o lugar onde qualquer deles ensinava e discutia se chamava schola, que em sua língua significava ócio, e suas disputas diatribae, o que significa passar o tempo.”
“E acredito que dificilmente pode afirmar-se alguma coisa mais absurda em filosofia natural do que aquilo que hoje se denomina a Metafísica de Aristóteles, nem mais repugnante ao governo do que a maior parte daquilo que disse em sua Política, nem mais ignorante do que uma grande parte de sua Ética.” Só concordamos sobre a Política, mas ainda assim provavelmente por razões contrárias (pois H. odeia as soluções democráticas de Ar.).
“Aquilo que agora se chama uma Universidade é uma reunião e uma incorporação, sob um governo, de muitas escolas públicas, numa única cidade. Na qual as principais escolas foram ordenadas para as 3 profissões, isto é, da religião romana, do direito romano e da arte da medicina.”
“Há uma certa philosophia prima, da qual todas as outras filosofias deviam depender, e que consiste principalmente em limitar convenientemente as significações daquelas apelações ou nomes que são de todos os mais universais, limitações essas que servem para evitar ambigüidade e equívocos no raciocínio, e são comumente chamadas definições”
“Dizem-nos, a partir desta metafísica, que misturada com as Escrituras passa a constituir a Escolástica, que há no mundo certas essências separadas dos corpos, às quais chamam essências abstratas e formas substanciais. Para a interpretação deste jargão é aqui exigida um pouco mais de atenção do que habitualmente e assim peço desculpas àqueles que não estão habituados a este tipo de discurso por consagrar-me àqueles que o estão.”
“E assim como usamos o verbo é, os latinos usam o seu verbo est e os gregos o seu ésti em todas as suas declinações. Não posso dizer se todas as outras nações do mundo têm em suas diferentes línguas uma palavra que lhe corresponda ou não, mas tenho a certeza de que não têm necessidade dela, pois colocar os dois nomes em ordem poderia servir para significar sua conseqüência, se fosse esse o costume”
“dir-nos-ão que a eternidade é a manutenção do presente, o nunc stans¹ (como as escolas lhe chamam) que nem eles nem ninguém compreende[m], tal como não compreenderiam um hic stans para uma infinita grandeza de espaço.”
¹ Nada mais que o presente eterno, o aspecto mais concreto de nossa existência, nosso a priori, como diria Kant. A base de todo filosofar.
NÃO DEIXAM DE ESTAR GRAVEMENTE CERTOS: “Se desejardes saber por que razão um certo tipo de corpos cai naturalmente no chão enquanto outros se elevam dele naturalmente, as escolas dir-vos-ão, baseadas em Aristóteles, que os corpos que caem são pesados e que este peso é que faz que eles desçam. Mas se lhes perguntardes o que entendem por peso, defini-lo-ão como uma tendência para se dirigir ao centro da terra; de tal modo que a causa pela qual as coisas caem é uma tendência para estar embaixo, o que é o mesmo que dizer que os corpos descem ou sobem porque o fazem. Ou dir-vos-ão que o centro da terra é o lugar de repouso, e conservação para coisas pesadas, e portanto eles tendem a ir para lá, como se as pedras e os metais tivessem desejos, ou pudessem discernir em que lugar querem estar, como o homem, ou amassem o repouso.”
UM IDIOTA FÍSICO: “Condensado é quando há na mesma matéria menos quantidade do que antes, e rarefeito quando há mais. Como se pudesse haver matéria sem uma determinada quantidade, quando a quantidade nada mais é do que a determinação de matéria, isto é, de corpo, pelo que dizemos que um corpo é maior ou menor do que outro, tanto ou quanto. Ou como se um corpo estivesse feito sem qualquer quantidade, e que mais tarde fosse nele colocada mais ou menos conforme se pretendesse que o corpo fosse mais ou menos denso.” E para dar com a razão, como ele tanto gosta de exaltar, bastaria com entender Demócrito!
E VEMOS QUE OS ESCOLÁSTICOS BATERAM NA TRAVE PARA CHEGAR A GRANDES VERDADES: “Quanto à causa da vontade para fazer determinada ação, a qual é denominada volitio, atribuem-na à faculdade, isto é, à capacidade em geral que os homens têm para quererem umas vezes uma coisa, outras vezes outra, a qual é chamada voluntas, fazendo da potência a causa do ato, como se se atribuísse como causa dos bons e maus atos dos homens sua capacidade para praticá-los.”
“Se uma metafísica e uma física como estas não forem vã filosofia, então nunca houve nenhuma, nem teria sido necessário que São Paulo nos avisasse para a evitarmos.” Justamente. Pré-história da filosofia.
“Constitui também vã e falsa filosofia dizer que o casamento repugna à castidade, ou continência, e portanto transformá-lo em vício moral, como o fazem aqueles que alegam castidade e continência para negarem o casamento do clero.”
“Originariamente um tirano significava simplesmente um monarca, mas quando mais tarde, na maior parte da Grécia, aquela forma de governo foi abolida, o nome começou a significar não apenas a coisa, como antes, mas com ela o ódio que os Estados populares lhe tinham. Assim como também o nome de rei se tornou odioso depois da deposição dos reis em Roma, como sendo uma coisa natural a todos os homens conceberem alguma grande falta como sendo significada em qualquer atributo que é dado com despeito e a um grande inimigo. E quando os mesmos homens ficarem descontentes com aqueles que têm a administração da democracia, ou aristocracia, não vão procurar nomes desagradáveis com os quais possam exprimir sua cólera, mas imediatamente chamam a uma anarquia e à outra oligarquia, ou tirania de alguns. E aquilo que ofende o povo não é outra coisa senão o fato de ser governado não como cada um deles o faria, mas como o representante público, quer se trate de um homem ou de uma assembléia de homens, julgar conveniente, isto é, por um governo arbitrário, pelo que atribuem maus epítetos a seus superiores, desconhecendo sempre (até talvez um pouco depois de uma guerra civil) que sem esse governo arbitrário tal guerra seria perpétua e que são os homens e as armas, não as palavras e promessas, que fazem a força e o poder das leis.” Absolutamente ignóbil em sua compreensão histórica e em seu sentir. Entende tudo às avessas e se orgulha disso. Niilista jurídico.
“Finalmente, quanto aos erros provenientes de uma história incerta e falsa, não serão fábulas de velhas todas as lendas de milagres fictícios nas vidas dos santos, e todas as histórias de aparições e fantasmas alegadas pelos doutores da Igreja romana para apoiar suas doutrinas do inferno e do purgatório, o poder do exorcismo e outras doutrinas que não têm nenhum aval nem na razão, nem nas Escrituras, como também todas aquelas tradições a que chamam a palavra oral de Deus?” Como filósofo, excelente anti-papista.
“Nossas próprias navegações tornam manifesto, e todos os homens versados em ciências humanas agora reconhecem, que há antípodas. E todos os dias se torna cada vez mais visível que os anos e os dias são determinados pelos movimentos da terra. Contudo os homens que em seus escritos supõem esta doutrina como uma ocasião para apresentar as razões pró e contra têm sido por causa dela punidos pela autoridade eclesiástica. Mas que razão há para isso? Será por que tais opiniões são contrárias à verdadeira religião? Não podem sê-lo, se são verdadeiras. Deixemos portanto que a verdade seja primeiro examinada por juízes competentes, ou refutada por aqueles que pretendem conhecer o contrário.” E o que temos hoje? Padres psicanalistas. Ou seja: nada mudou.
XLVII. DO BENEFÍCIO RESULTANTE DE TAIS TREVAS, E A QUEM APROVEITA
“depois que o império foi dividido, não foi difícil introduzir junto do povo, já a eles sujeito, um outro título, a saber, o direito de São Pedro, não apenas para conservar intacto seu pretenso poder, mas também para ampliá-lo sobre as mesmas províncias cristãs, embora estas não estivessem mais unidas no império de Roma. Este benefício de uma monarquia universal (considerando o desejo dos homens de terem uma autoridade) constitui uma conjetura suficiente de que os Papas que a ela pretenderam e que durante muito tempo a desfrutaram, eram os autores da doutrina pela qual foi obtida, a saber, que a Igreja agora sobre a terra é o reino de Cristo.”
“todos os outros bispos, seja em que Estado for, não recebem seu direito nem imediatamente de Deus, nem mediatamente de seus soberanos civis, mas do Papa – é uma doutrina pela qual acabam existindo em todos os Estados cristãos muitos homens poderosos (pois assim o são os bispos) que são dependentes do Papa e que lhe devem obediência, embora ele seja um príncipe estrangeiro, por meio do que é capaz de (como muitas vezes o fez) instigar uma guerra civil contra o Estado que não se submeter a ser governado segundo seu prazer e interesse.” Uma prefiguração incrível da Guerra Fria!
Defende a seguir o pagamento de impostos pelas igrejas, como por qualquer associação normal. É, ainda estamos na Idade Média – mas com o hediondo televangelismo, uf!…
“Em quinto lugar, o fato de ensinar que o matrimônio é um sacramento deu ao clero o juízo sobre a legitimidade dos casamentos, e portanto, sobre quais os filhos que são legítimos, e conseqüentemente sobre o direito de sucessão a reinos hereditários.” Era mais difícil dar o golpe do baú…
“Em sexto lugar, a negação do casamento aos padres serviu para assegurar este poder do Papa sobre os reis. Pois se um rei for padre não pode casar e transmitir seu reino a sua posteridade; se não for padre, o Papa passa a pretender ter esta autoridade eclesiástica sobre ele e sobre seu povo. Em sétimo lugar, pela confissão auricular obtém, para a manutenção de seu poder, um melhor conhecimento dos desígnios dos príncipes e dos grandes personagens do Estado civil do que estes podem obter acerca dos desígnios do Estado eclesiástico.” Gosto desse Hobbes maquiavélico – isto é, cientista político na melhor acepção do termo!
“Em undécimo lugar, por sua demonologia e pelo uso do exorcismo, e outras coisas com isso relacionadas, conservam (ou julgam conservar) mais o povo sob o domínio de seu poder. Finalmente, a metafísica, a ética e a política de Aristóteles, as distinções frívolas, os termos bárbaros, e a linguagem obscura dos escolásticos ensinada nas Universidades (que foram todas erigidas e regulamentadas pela autoridade papal) servem-lhes para evitar que estes erros sejam detectados e para levar os homens a confundirem o ignis fatuus da vã filosofia com a luz do Evangelho.”
“E portanto pela supracitada regra do cui bono [o que ganho com isso, por que razão, o que há de bom?, etc.] podemos com razão considerar como autores de todas estas trevas espirituais o Papa e o clero romano, e também todos aqueles que tentam colocar no espírito dos homens esta doutrina errônea de que a Igreja agora sobre a terra é aquele Reino de Deus mencionado no Antigo e no Novo Testamento.” Ah, Nietzsche, você estava tão certo! Todos esses pontos estavam prestes a derruir, quando surgiram esses pastores loucos!
“a impaciência daqueles que lutam para resistir a tal usurpação antes de os olhos de seus súditos estarem abertos apenas contribuiu para aumentar o poder a que resistiam. Não censuro portanto o Imperador Frederico por deter a agitação em relação a nosso compatriota Papa Adriano, pois tal era a disposição de seus súditos nessa ocasião que, se não o tivesse feito, provavelmente não teria sucedido no império. Mas censuro aqueles que no princípio, quando seu poder estava inteiro, suportaram que essas doutrinas fossem forjadas nas Universidades de seus próprios domínios e contiveram a agitação contra todos os sucessivos Papas, enquanto estes subiam sobre os tronos de todos os soberanos cristãos para os dominar, quer eles, quer seus povos, a seu bel prazer.”
“Suas consciências eram livres, e suas palavras e ações só estavam sujeitas ao poder civil. Mais tarde os presbíteros (à medida que os rebanhos de Cristo aumentavam), reunindo-se para discutirem o que deviam ensinar e portanto obrigando-se a nada ensinar contra os decretos de suas assembléias, fizeram crer que o povo estava por conseguinte obrigado a seguir sua doutrina, e quando ele se recusou a fazê-lo recusaram mantê-lo em sua companhia (a isso se chamou então excomunhão), não por serem infiéis, mas por serem desobedientes. E este foi o primeiro nó em sua liberdade. E aumentando o número de presbíteros, os presbíteros da principal cidade ou província assumiram uma autoridade sobre os presbíteros paroquiais e apropriaram-se do nome de bispos. E este foi um segundo nó na liberdade cristã. Finalmente o bispo de Roma, no que se refere à cidade imperial, assumiu uma autoridade (em parte pela vontade dos próprios imperadores e pelo título de Pontifex Maximus, e finalmente, quando os imperadores estavam enfraquecidos, pelos privilégios de São Pedro) sobre todos os outros bispos do império, o que constituiu o terceiro e último nó, e toda a síntese e construção do poder pontifical.”
XLVIII. ÚLTIMO CAPÍTULO
“Primeiro o poder dos Papas foi totalmente dissolvido pela Rainha Isabel e os bispos, que antes exerciam suas funções pelo direito do Papa, passaram depois a exercer o mesmo pelo direito da rainha e seus sucessores, muito embora, retendo a expressão jure divino, se pudesse pensar que eles o recebiam de Deus por direito imediato. E assim foi desatado o primeiro nó. Depois disto os presbiterianos obtiveram ultimamente na Inglaterra a queda do episcopado: e assim foi desamarrado o segundo nó. E quase ao mesmo tempo o poder foi também tirado aos presbiterianos, e deste modo estamos reduzidos à independência dos primitivos cristãos para seguirmos Paulo, ou Cefas¹ ou Apolo, segundo o que cada homem preferir.” Pena que numa civilização arruinada ninguém não-excepcional preferirá Apolo!
¹ Trata-se do apóstolo Pedro conforme batizado por Jesus (em latim, Cephas).
…E assim nasceu a Publicidade!
“Mas depois que esta doutrina, que a Igreja agora militante é o reino de Deus referido no Antigo e Novo Testamento, foi aceite no mundo, a ambição e a solicitação de cargos que lhe estão adstritos, e especialmente o grande cargo de ser o representante de Cristo, e a pompa daqueles que obtiveram assim os principais cargos públicos, tornou-se gradualmente tão evidente que perderam a reverência interior devida à função pastoral, de tal modo que os homens mais sábios, entre aqueles que possuíam qualquer poder no Estado civil, só precisavam da autoridade de seus príncipes para lhes negarem obediência.”
“Também a linguagem que eles usam, quer nas igrejas, quer nos atos públicos, sendo o latim, que não é comumente usado por qualquer nação hoje existente, o que é senão o fantasma da antiga figura romana?”
“As fadas, seja qual for a nação onde habitem, só têm um rei universal, que alguns de nossos poetas denominam rei Oberon, mas as Escrituras denominam Belzebu, príncipe dos demônios. Do mesmo modo os eclesiásticos, seja qual for o domínio em que se encontrem, só reconhecem um rei universal, o Papa. Os eclesiásticos são homens espirituais e padres fantasmagóricos. As fadas são espíritos e fantasmas. As fadas e os fantasmas habitam as trevas, as solidões e os túmulos. Os eclesiásticos caminham na obscuridade da doutrina, em mosteiros, igrejas e claustros.
Os eclesiásticos têm suas igrejas catedrais, as quais, seja qual for a vila onde são erguidas, por virtude da água benta e de certos encantos denominados exorcismos, possuem o poder de transformar essas vilas em cidades, isto é, em sedes do império. Também as fadas têm seus castelos encantados e alguns fantasmas gigantescos que dominam as regiões circunvizinhas.
As fadas não podem ser presas nem levadas a responder pelo mal que fazem. Do mesmo modo os eclesiásticos desaparecem dos tribunais da justiça civil.
Os eclesiásticos tiram dos jovens o uso da razão por meio de certos encantos compostos de metafísica e milagres e tradições e Escrituras deturpadas, pelo que estes ficam incapazes seja para o que for exceto para executarem aquilo que lhes for ordenado. Do mesmo modo as fadas, segundo se diz, tiram as crianças de seus berços e transformam-nas em loucos naturais, a que o vulgo chama duendes e que têm tendência para praticar o mal.
As velhas não especificaram em que oficina ou laboratório as fadas fabricam seus encantamentos, mas os laboratórios do clero são bem conhecidos como sendo as Universidades que receberam sua disciplina da autoridade pontifícia.
Quando alguém desagrada às fadas, diz-se que estas enviam seus duendes para beliscá-lo. Os eclesiásticos, quando algum Estado civil lhes desagrada, também mandam seus duendes, isto é, súditos supersticiosos e encantados para beliscarem seus príncipes, pregando a sedição, ou um príncipe encantado com promessas para beliscar outro.
As fadas não se casam, mas entre elas há incubi, que copulam com gente de carne e osso. Os padres também não se casam.
Os eclesiásticos tiram a nata da terra por meio de donativos de homens ignorantes que têm medo deles e por meio de dízimos; o mesmo acontece na fábula das fadas, segundo a qual elas entram nas leitarias e banqueteiam-se com a nata que retiram do leite.
A história também não conta que tipo de dinheiro corre no reino das fadas. Mas os eclesiásticos naquilo que recebem aceitam a mesma moeda que nós, muito embora, quando têm de fazer algum pagamento, o façam com canonizações, indulgências e missas.”
“Não foi portanto muito difícil expulsá-los, a Henrique VIII por seu exorcismo, e à Rainha Isabel pelo dela. Mas quem sabe se este espírito de Roma, que agora desapareceu e que, vagueando por missões através dos lugares desertos da China, do Japão e das Índias, ainda não produziu escassos frutos e não pode voltar, ou melhor, uma assembléia de espíritos ainda mais maléfica do que ele, para habitar esta casa asseada e limpa, tornando portanto o fim ainda pior do que o princípio?”
Gostei do rompante de fúria final. Podemos até atribuir a inclinação à tirania na Rússia à sobrevivência mais marcada do Império Romano nesta região – a Igreja Ortodoxa, isto é, a segunda metade daquele Cristianismo de Estado: czares, comunistas com agenda própria e neo-caudilhos como seus sumos-sacerdotes.
REVISÃO E CONCLUSÃO
“No capítulo 29 mencionei como uma das causas da dissolução dos Estados sua geração imperfeita, consistindo na falta de um poder legislativo absoluto e arbitrário, na ausência do qual o soberano civil está condenado a segurar a espada da justiça de maneira inconstante e como se ela fosse demasiado fogosa para suas mãos.” Que demente!
“E porque o nome de tirania não significa nem mais nem menos do que o nome de soberania, esteja ela em um ou em muitos homens, a não ser que de quem usa a primeira palavra se entende ser contrário aos que chama tiranos, penso que a tolerância de um ódio professo da tirania é uma tolerância do ódio ao Estado em geral, e uma outra má semente, não muito diferente da primeira.”
“Sabemos que geralmente em todos os Estados a execução dos castigos corporais era entregue ou a guardas ou a outros soldados do poder soberano, ou entregue àqueles que por falta de meios, desprezo da honra e dureza de coração eram adequados para um tal oficio. Mas entre os israelitas era uma lei positiva de Deus seu soberano que quem fosse culpado de crime capital devia ser apedrejado até a morte pelo povo, e que as testemunhas deviam lançar a primeira pedra, e depois das testemunhas o resto do povo. Esta era uma lei que designava quem deviam ser os executores, mas não que alguém devesse lançar uma pedra nele antes da culpa formada e da sentença, na qual a congregação era juiz. As testemunhas deviam contudo ser ouvidas antes de que se procedesse à execução, a menos que o fato tivesse sido cometido na presença da própria congregação, ou à vista dos legítimos juízes, pois nesse caso não eram necessárias outras testemunhas além dos próprios juízes.”
“E esta suposição de uma futura ratificação é às vezes necessária para a segurança de um Estado, como numa inesperada rebelião qualquer homem que possa dominá-la por seu próprio poder na região onde ela começar, sem lei ou comissão expressa, pode legalmente fazê-lo e providenciar para que seu ato seja ratificado ou perdoado, enquanto o estiver praticando ou depois de tê-lo praticado.”
“De maneira semelhante quando um pai tem um filho rebelde, a lei diz (Dt 21:18) que deverá levá-lo perante os juízes da cidade e que todo o povo da cidade o apedrejará.”
“Que eu tenha desprezado o ornamento de citar os antigos poetas, oradores e filósofos, ao contrário do costume dos últimos tempos (quer eu tenha procedido bem ou mal nisso), resulta de meu próprio juízo, apoiado em muitas razões. Pois, em primeiro lugar, toda a verdade da doutrina depende ou da razão ou das Escrituras, ambas as quais dão crédito a muitos autores, mas nunca o recebem de nenhum. Em segundo lugar, as matérias em questão não são de fato, mas de direito, em que não há lugar para testemunhas.”