PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA DO FUTURO – Feuerbach (trad. Artur Morão)

#2 “O modo religioso ou prático desta humanização [progressiva da religião] foi o Protestantismo. O Deus que é o homem, portanto o Deus humano, isto é, Cristo — é apenas o Deus do Protestantismo. O Protestantismo já não se preocupa, como o Catolicismo, com o que Deus é em si mesmo, mas apenas com o que Ele é para o homem; por isso, já não tem como aquele nenhuma tendência especulativa ou contemplativa; já não é teologia — é essencialmente só cristologia, isto é, antropologia religiosa.”

#3 “Mas o além da religião é o lado de cá da filosofia”

#5 “A filosofia especulativa é a teologia verdadeira

#6

a necessidade do Ser divino na antiga metafísica ou ontoteologia só tem sentido e intelecto, verdade e realidade, na determinação psicológica ou antropológica de Deus como ser inteligente. (…) no ser necessário, a razão prova e ostenta apenas a sua própria necessidade e realidade.”

o ser pensante (…) é o seu próprio objeto, tem a sua essência em si mesmo, é o que é, graças a si próprio.”

#7

O que no teísmo é objeto é, na filosofia especulativa, sujeito

A necessidade interna de que Deus, de um objeto do homem, se transforme em sujeito, em eu pensante do homem, deriva d[e] (…): Deus é objeto do homem e só do homem, não do animal.”

Aquele para quem o Ser supremo é objeto é ele próprio o ser supremo.”

#8 “na teologia ordinária, Deus é uma contradição consigo mesmo; deve ser um ser não-humano, um ser supra-humano; mas, efetivamente, é um ser humano segundo todas as suas determinações.” “A contradição violenta com que a filosofia especulativa deparou deve-se apenas ao fato de ela ter feito do Deus que no teísmo é apenas um ser da fantasia, um ser longínquo, indeterminado e nebuloso, um ser presente e determinado, e ter assim destruído o encantamento ilusório que um ser longínquo possui na bruma azulada da representação.”

#10

O começo da filosofia cartesiana, a abstração da sensibilidade e da matéria, é o começo da filosofia especulativa moderna.”

Leibniz e Descartes são idealistas só no universal, mas na ordem do particular são materialistas.”

Leibniz, é pois um idealista parcial, mitigado, e só Deus é um idealista integral, só Deus o ‘sábio perfeito’, como expressamente Wolf o chamou” Wolff?

segundo Leibniz, o limite do entendimento humano reside em ele estar afeto ao materialismo, isto é, a representações obscuras; por seu turno, as representações obscuras surgem apenas em virtude de o ser humano se encontrar em relação com os outros seres, com o mundo em geral.”

Mas o que em Leibniz era apenas idéia tornou-se verdade e realidade efetiva na filosofia ulterior. O idealismo absoluto nada mais é do que o entendimento divino realizado do teísmo leibniziano, o entendimento puro, sistematicamente levado a efeito, que despoja todas as coisas da sua sensibilidade, as transforma em puros seres inteligíveis, em coisas imaginárias, que não se contamina com algo de estranho e apenas se ocupa de si mesmo enquanto ser dos seres.”

#11

Assim, por exemplo, na lógica hegeliana, os objetos do pensar não são diferentes da essência do pensar.”

As coisas tal como são em Deus não são como são fora de Deus; pelo contrário, são tão diversas das coisas reais como as coisas, enquanto objeto da lógica, se distinguem das coisas enquanto objeto da intuição real. A que se reduz, pois, a diferença entre o pensar divino e o pensar metafísico? Apenas a uma diferença de imaginação, à diferença entre o pensar apenas representado e o pensar real.”

#12

A diferença (…) entre o saber ou o pensar de Deus que, como arquétipo, precede as coisas e as cria e o saber do homem que, como cópia, se segue às coisas, nada mais é do que a diferença entre saber a priori (…) e a posteriori.”

No teísmo, o mundo é um produto temporal de Deus — o mundo existe desde há alguns milhares de anos e, antes de ele ser gerado, Deus existia; pelo contrário, na teologia especulativa, o mundo ou a natureza existe depois de Deus, só segundo a ordem, segundo a importância: o acidente pressupõe a substância, a natureza pressupõe a lógica; segundo o conceito, mas não segundo a existência sensível, portanto não segundo o tempo.”

Deus é Onisciente’, diz S. Tomás de Aquino, ‘porque conhece as mínimas coisas’ — o saber que não abarca indistintamente, num tufo, os cabelos da cabeça de um homem, mas os conta e os conhece a todos um a um. Mas este saber divino que, na teologia, é apenas uma representação, uma fantasia, tornou-se um saber racional efetivo, um saber telescópico e microscópico da ciência natural. A ciência contou as estrelas do céu, os ovos nos corpos dos peixes e das borboletas, os pontos nas asas dos insetos para os distinguir uns dos outros; só na lagarta do bicho-da-seda dos salgueiros ela demonstrou anatomicamente a existência de 288 músculos na cabeça, de 1647 músculos no corpo, 2186 músculos no estômago e nos intestinos. Que mais se pretende ainda? Temos, pois, aqui um exemplo concreto da verdade de que a representação humana de Deus é a representação que um indivíduo humano para si faz do seu gênero, de que Deus, enquanto totalidade de todas as realidades ou perfeições, nada mais é do que a totalidade sinoticamente compendiada para uso do indivíduo limitado, das propriedades do gênero repartidas entre os homens e que se realizam no decurso da história mundial. O domínio das ciências naturais é, segundo o seu âmbito quantitativo, de todo inabarcável para um homem isolado. Quem pode ao mesmo tempo contar as estrelas do céu e os músculos e nervos do corpo da lagarta? Lyonet perdeu a vista à força de estudar a anatomia da lagarta do salgueiro. Quem pode ao mesmo tempo observar as diferenças que existem entre os cumes e os abismos da Lua e as diferenças que existem entre as inúmeras amonitas e terebrátulas? Mas o que o homem isolado não sabe nem pode, sabem-no e conseguem-no os homens em conjunto. Assim, o saber divino que conhece ao mesmo tempo todas as singularidades tem a sua realidade no saber da espécie.”

Tomemos como exemplo uma só ciência, a História, e decomponhamos pelo pensamento a história mundial na história dos países particulares, esta na história de cada província e, por seu turno, esta nas crônicas das cidades e as crônicas das cidades nas histórias das famílias, nas biografias. Como é que alguma vez um homem singular chegaria ao ponto em que pudesse clamar: eis-me aqui no termo do saber histórico da humanidade! Assim também o tempo da nossa vida, tanto o passado como o futuro possível, por mais que conseguíssemos prolongá-lo, nos aparece, à luz da imaginação, extraordinariamente curto e é por isso que, nos momentos de tal imaginação, nos sentimos forçados a completar esta brevidade evanescente aos olhos da nossa imaginação por uma vida imensa e sem fim após a morte. Mas como pode ser longo, na realidade, um só dia e até uma só hora! Donde provém esta diferença? Nasce do fato de o tempo da representação ser o tempo vazio, portanto, nada entre o ponto inicial e o ponto final do nosso cálculo; mas o tempo da vida real é o tempo cheio, onde montanhas de dificuldades de toda a espécie separam o agora do instante seguinte.”

#13

A absoluta ausência de pressupostos — o início da filosofia especulativa — nada mais é do que a ausência de pressupostos e de começo, a asseidade [autossuficiência na Escolástica]do ser divino.”

GENEALOGIA DA FENOMENOLOGIA: “A filosofia nada pressupõe — isto quer simplesmente dizer: abstrai de todos os objetos imediatos, isto é, fornecidos pelos sentidos, distintos do pensamento, em suma, de tudo aquilo de que se pode abstrair sem cessar de pensar, e faz deste ato de abstração de toda a objetalidade o seu próprio começo. Mas que outra coisa é, então, o Ser absoluto senão o ser a que nada se pressupõe, a que nenhuma coisa é dada e necessária fora dele, o ser abstraído de todos os objetos, de todas as coisas sensíveis dele distintas e inseparáveis, portanto o ser que o homem pode tomar como objeto só mediante a abstração destas mesmas coisas?” A rigor, só nos interessa realmente de Hegel em diante em filosofia.

Por conseguinte, que é o Eu de Fichte que diz — ‘sou simplesmente porque sou’ —, que é o pensamento puro e sem pressupostos de Hegel senão o ser divino da antiga teologia e metafísica, transformado em essência atual, ativa e pensante do homem?”

#14

O teísmo que, enquanto posição de Deus, é ao mesmo tempo a negação de Deus ou, inversamente, enquanto negação de Deus é simultaneamente a sua afirmação, é o panteísmo. O teísmo genuíno ou teológico, porém, nada mais é do que o panteísmo imaginário, e este nada mais é do que o teísmo verdadeiro e real.”

O teísmo é a contradição entre a aparência e a essência, a representação e a verdade; o panteísmo é a unidade de ambos — o panteísmo é a verdade nua do teísmo. Quando se olham de frente e se tomam a sério, quando se levam até ao fim e se realizam, todas as representações do teísmo conduzem necessariamente ao panteísmo.”

Se nenhumas coisas tivermos exteriores ao entendimento de Deus, também depressa nenhumas coisas teremos exteriores à sua essência e, por fim, também nenhumas exteriores à existência de Deus — todas as coisas existem em Deus e, claro, de fato e na realidade, não apenas na representação; pois, onde elas existem só na representação — tanto de Deus como do homem —, por conseguinte, onde existem tão-só no modo ideal ou, antes, imaginário em Deus, existem ao mesmo tempo fora da representação; fora de Deus. Se fora de Deus não tivermos mais coisas nem mundo, também não temos nenhum Deus exterior ao mundo — também não temos um ser apenas ideal, representado, mas um ser real; temos então, em suma, o espinosismo ou o panteísmo.” “A matéria é, para ele, uma existência puramente inexplicável, ou seja, ela é o limite, o fim da teologia. Contra ela embate, tanto no pensamento como na vida. Por conseguinte, como é que eu, a partir da teologia, sem a negar, posso deduzir o fim e a negação da teologia? Como obter um princípio da explicação e uma informação onde se lhe esvai o entendimento?”

Quem não se envergonha de fazer sapatos também não se envergonha de ser e de se chamar sapateiro. Hans Sachs era ao mesmo tempo sapateiro e poeta, mas os sapatos eram obra das suas mãos e as suas poesias obra da sua cabeça.” Quantos Hans Sachs famosos existiram? Ok, o psicanalista é Hanns, um tulpa.

Deus é um ser material ou, na linguagem de Espinosa, um ser extenso.”

#15

Só não se sabe mais de Deus e das coisas divinas se, a seu respeito, nada mais se quer saber. Quantas coisas se sabiam de Deus, quantas do Diabo e quantas dos Anjos, quando estes seres suprassensíveis eram ainda objeto de uma fé efetiva!”

Os místicos e os escolásticos da Idade Média não tinham nenhuma aptidão e habilidade para a ciência natural porque não tinham qualquer interesse pela natureza.”

Espinosa é o Moisés dos livres pensadores e materialistas modernos.”

#16

Se, por exemplo, a simpatia e a misericórdia não são propriedades de Deus, então estou só para mim na minha dor — Deus não está aí como meu consolador.” “Só se Deus pensa em mim — assim conclui o religioso — é que tenho também fundamento e motivo para nele pensar; apenas no seu ser-para-mim reside o fundamento do meu ser-para-ele.”

Como é, pois, ridículo querer reprimir o ‘ateísmo’ da filosofia sem, ao mesmo tempo, reprimir o empirismo da empiria!” “E, contudo, como é rica, em tais ridicularias, a História! Repetem-se em todas as épocas críticas.”

#17

O idealismo kantiano, onde as coisas se regulam pelo entendimento e não o entendimento pelas coisas, nada mais é, pois, do que a realização da representação teológica do entendimento divino, o qual não é determinado pelas coisas, mas antes as determina. Como é, pois, insensato aceitar o idealismo no céu, o idealismo da imaginação, como uma verdade divina e rejeitar o idealismo da terra, isto é, o idealismo da razão, como um erro humano! Negais o idealismo? Então negai também Deus!”

Mas o idealismo kantiano é ainda um idealismo limitado — o idealismo do ponto de vista do empirismo. (…) Deus (…) é uma coisa-em-si, mas já não é uma coisa para o empirismo“Muitas vezes, já há muito que, na prática, nos libertamos de uma coisa, de uma doutrina, de uma idéia, mas não estamos ainda livres dela na cabeça” “Quantos não são republicanos de coração, de disposição anímica, mas na cabeça não conseguem ir além da monarquia; o seu coração republicano naufraga nas objeções e dificuldades que o entendimento suscita. Assim, pois, acontece também com o teísmo de Kant.” “O Kant liberto do limite do teísmo é Fichte — o ‘Messias da razão especulativa’.” “Mas o idealismo fichteano é unicamente a negação e a realização do teísmo abstrato e formal, do monoteísmo; não do teísmo religioso, material, cheio de conteúdo, do teísmo trinitário, cuja realização é primeiramente o idealismo ‘absoluto’, o de Hegel.”

#18 “a intuição que Schelling, em oposição a Fichte, uniu ao entendimento é pura fantasia e nenhuma verdade, portanto, não se toma em consideração.”

#19 “A consumação da filosofia moderna é a filosofia de Hegel.”

#20 “A nova filosofia é a realização da filosofia hegeliana, da filosofia anterior em geral — mas uma realização que é ao mesmo tempo a sua negação e, claro está, uma negação livre de contradição.”

#21

A matéria (…) é a autoalienação do espírito.” “A matéria permanece em contradição com o ser pressuposto pela filosofia como o verdadeiro ser.” “só a negação da negação é, segundo Hegel, a verdadeira posição [de Deus, da teologia…]. Ao fim e ao cabo, eis-nos novamente no ponto de onde tínhamos partido — no seio da teologia cristã.”

A teologia é que constitui o começo e o fim; no meio, encontra-se a filosofia, enquanto negação da primeira posição; mas a negação da negação é a teologia. Primeiro, põe-se tudo ao contrário, mas em seguida restabelece-se tudo no seu antigo lugar, como em Descartes. A filosofia hegeliana é a última grandiosa tentativa para restaurar o Cristianismo, já perdido e morto, por meio da filosofia e, claro está, mediante a identificação, tal como em geral acontecia nos tempos modernos, [?] da negação do Cristianismo com o próprio Cristianismo.”

#22 “Mas que contradição [Kant] separar a verdade da realidade e a realidade da verdade!”

#23 “Sem dúvida, a filosofia não tem de se preocupar com as representações que o uso ou o abuso comum associa a um nome; mas tem de se vincular à natureza determinada das coisas, cujos signos são nomes.”

#24 “O ser permanece um além. A filosofia absoluta transformou, sem dúvida, o além da teologia num aquém, mas, em compensação, transformou para nós o aquém do mundo real num além.”

#25 “No pensar, sou um sujeito absoluto (…) sou intolerante. Pelo contrário, na atividade dos sentidos, sou liberal”

#26 “O homem entende por ser, segundo os fatos e a razão, o ser-aí, o ser-para-si, a realidade, a existência, a efetividade e a objetividade. Todas estas determinações ou nomes exprimem uma só e mesma coisa a partir de diversos pontos de vista. O ser no pensamento, o ser sem objetividade, sem efetividade, sem ser-para-si é, certamente, nada; mas neste nada, expresso apenas a nulidade da minha abstração.

#27

Se eu abstrair do conteúdo do ser e, claro está, de todo o conteúdo, pois tudo é conteúdo do ser, então nada me resta a não ser o pensamento do nada.”

A linguagem já identifica ser e essência. Só na vida humana é que o ser se separa da essência, mas também apenas em casos anormais e infelizes — acontece que não se tem a sua essência no sítio onde se tem o ser”

#28

A filosofia hegeliana não foi além da contradição do pensar e do ser. O ser com que começa a Fenomenologia não está menos radicalmente em contradição com o ser real do que o ser com que inicia a Lógica.”

A questão do ser é justamente uma questão prática, uma questão na qual o nosso ser está implicado, é uma questão de vida e de morte. E se no direito nos agarramos ao nosso ser, não queremos que também ele nos seja tirado pela lógica. É preciso que ele seja igualmente reconhecido pela lógica, se esta não quiser persistir em contradição com o ser real.”

#29

A antiga filosofia deixava subsistir algo fora do pensar — um resíduo por assim dizer supérfluo, que não entrava no pensar. (…) A razão tinha na matéria a sua fronteira. A antiga filosofia vivia ainda na distinção do pensar e do ser; não considerava ainda o pensar, o espírito, a idéia, como o que tudo engloba, isto é, a realidade única, exclusiva e absoluta.” Errado: esta descrição se identifica tanto com o Um de Parmênides quanto com o Ser de Platão.

Em contrapartida, para os neoplatônicos, a matéria, o mundo material e real em geral, já não constitui qualquer instância, qualquer realidade.” “o homem (…) põe no lugar do mundo real o mundo imaginário e inteligível” Mundo-verdade como tulpa maligno…

Quanto mais abstrato ele é, tanto mais negativo é perante o sensível real, tanto mais sensível é justamente no abstrato.”

Deus o Huno

Átila o Uno

Assim se torna concreta a razão, a idéia: isto é, o que a intuição deve dar atribui-se ao pensar; o que é função e tarefa do sentido, da sensação e da vida transforma-se em função e tarefa do pensar.”

O que nos neoplatônicos é representação e fantasia foi por Hegel transformado e racionalizado apenas em conceitos. Hegel não é o ‘Aristóteles alemão ou cristão’ — é o Proclo alemão. A ‘filosofia absoluta’ é a ressurreição da filosofia alexandrina. Segundo a determinação expressa de Hegel, não é a filosofia aristotélica, a antiga filosofia pagã em geral, mas a filosofia alexandrina, que é a filosofia absoluta — a filosofia cristã, mesclada ainda com ingredientes pagãos — que permanece ainda, porém, no elemento da abstração da autoconsciência concreta.”

a meta da sua atividade é deixar de ser (…) O êxtase e o arroubo constituem, para o neoplatônico, o supremo estado psicológico do homem.”

Deus procede apenas do homem, mas não ao invés, pelo menos originariamente“À miséria da necessidade e da dor corresponde também a representação e o sentimento da beatitude. Só em oposição à infelicidade é que a beatitude é uma realidade. Só na miséria do homem tem Deus o seu lugar de nascimento.” “Aqui reside também a diferença dos neoplatônicos relativamente aos estóicos, epicuristas e céticos. A impassibilidade, a beatitude, a ausência de necessidades, a liberdade e a autonomia eram também o objetivo destes filósofos, mas só enquanto virtudes do homem”

nos neoplatônicos, embora a virtude pagã fosse ainda para eles a verdade — daí a sua diferença quanto à teologia cristã, que punha no além a beatitude, a perfeição e a semelhança do homem com Deus — este predicado tornou-se sujeito, um adjetivo do homem tornou-se substantivo, ser real. Justamente por isso, o homem real tornou-se também um simples abstrato sem carne e sem sangue, uma figura alegórica do ser divino. Plotino envergonhava-se, pelo menos segundo o relato do seu biógrafo, de ter um corpo.”

#30 “Hegel nega o pensar, a saber, o pensar abstrato; mas nega-o precisamente no pensar abstrativo, de maneira que a negação da abstração é de novo uma abstração.”

#31

Hegel é a história da teologia transformada num processo lógico.”

Faz-se ao pensamento a exigência de se realizar e de se tornar sensível apenas porque se pressupõe inconscientemente que a realidade e a sensibilidade independentes do pensamento constituem a sua verdade.”

#32 “O conceito do objeto originariamente nada mais é do que o conceito de um outro eu — é assim que o homem na infância concebe todas as coisas como seres com ação livre e arbítrio — por conseguinte, o conceito de objeto em geral é mediatizado pelo conceito do tu, do eu objetivo. (…) Mas é só pelos sentidos que o eu é não-eu. (…) O mistério da ação recíproca resolve-se apenas na sensibilidade.”

— Se se encerrasse aqui, este livro seria avaliado por mim com 4 estrelas. O terço final é supérfluo. —

#33

A nova filosofia considera e aborda o ser, tal como é para nós, enquanto seres não só pensantes, mas também realmente existentes (…) O ser é, por conseguinte, um segredo da intuição, da sensação, do amor.”

Só no amor é que o Deus que conta os cabelos da cabeça é verdade e realidade. O próprio Deus cristão é apenas uma abstração do amor humano, apenas uma imagem do mesmo.”

Feuerb. estava avançando sofregamente, quicando de Hegel a Kant, a Espinosa e Descartes, de volta a Hegel, etc. Quando se pensa que emitirá um construto similar à dialética marxista, após a parte crítica de seu tratado, dá um salto quântico difícil de entender. O que virá a seguir a isto, o Sermão da Montanha? Reparem que estamos no aforismo 33! “Só existe o que é — real ou possível — objeto da paixão.” Se isto é a Filosofia do Futuro, voltemos ao Banquete e nada mais.

A dor do amor consiste em não existir na realidade o que existe na representação.”

Logo recai nas patavinas corriqueiras sobre dor-prazer…

#35

Terá Hitler amado?

#36 “filosofia sincera”, “com alegria”, etc.!

#38

Tenho a autêntica sensação de que o primeiro autor morreu por volta da metade do livro e seu filho pequeno tentou terminá-lo…

Agora falando um pouco mais sério: todo filósofo médio da geração posterior sabe o que falta aos filósofos precedentes, porém propor algo da mesma estatura é outra história. Feuerbach conhece muito bem os defeitos hegelianos, e só.

O gênio é o saber imediato e sensível. O que o talento tem apenas na cabeça, tem-no o gênio na carne e no sangue; isto é, o que para o talento é ainda um objeto do pensar, constitui para o gênio um objeto dos sentidos.” Isto é adequado, mas está no lugar inadequado: deveria constar dum tratado de estética!

#40

E esta intuição é não só o começo, mas também a meta — por conseguinte, a essência do Cristianismo.”

Que tem que ver o cristianismo com tua nova filosofia, ó arauto?!

#41

Claudicante. Seria a palavra com que definiria Feuer., se me pedissem para defini-lo numa só!

percepcionamos pelos ouvidos não só o murmúrio da água e o rumorejo das folhas, mas também a voz ardorosa do amor e da sabedora (sic); vemos não só superfícies refletoras e fantasmas coloridos, vemos também o olhar do homem. (…) Tudo é, pois, perceptível aos sentidos, se não imediatamente, pelo menos de um modo mediato; se não aos plebeus, aos brutos, pelo menos aos de sentidos educados; se não aos olhos do anatomista ou do químico, pelo menos aos olhos do filósofo.” Horrível!

Não é sozinho, mas apenas a dois que se chega aos conceitos, à razão em geral.” Você por um acaso reparou que Platão escreveu DIÁLOGOS?!?

#43

MAR DA GENERALIDADE PURA: “A tarefa da filosofia e da ciência em geral consiste, pois, não em se afastar das coisas sensíveis, isto é, efetivas, mas em ir até elas — não em transformar os objetos em pensamentos e em representações, mas em tornar visível, objetivo, o que é invisível para os olhos comuns.”

É grotesco inclusive como volta a falar com inocência de uma coisa-em-si, da qual tinha se afastado, enquanto criticava Kant, com tanta prudência!

Só nos tempos modernos é que a humanidade, como outrora na Grécia, após o prelúdio do mundo onírico dos orientais, é que regressou à intuição sensível,¹ isto é, não-falsificada e objetiva do sensível, do real, chegando assim ao mesmo tempo também a si mesma; com efeito, um homem que se ocupa apenas com a essência da imaginação ou do pensamento abstrato, é ele próprio unicamente um ser abstrato ou fantasmal, e não um ser real, verdadeiramente humano.”

¹ Vamos devagar: só ao voltar é que voltei! Talvez seja uma tradução pobre?! Só nos tempos modernos é que o homem voltou a ser como o homem antigo? Infeliz conjugação da tentativa de dizer que está-se diante de um pioneirismo com a conexão, na mesma frase, da consciência de que o homem grego e o homem oriental já pisaram sobre o mesmo terreno… E o resto do parágrafo é dissertação juvenil, mesmo que nada possua de abstruso!

#44

Estou aqui — eis o primeiro sinal de um ser real e vivo. O índex é o guia do nada para o ser. Aqui está o primeiro limite, a primeira separação.” “Onde estou eu? Eis a pergunta da consciência que desperta, a primeira pergunta da sabedoria mundana. A limitação no espaço e no tempo é a primeira virtude, a diferença de lugar é a primeira diferença entre o conveniente e o inconveniente, que ensinamos à criança e ao homem grosseiro.”

Não pôr no texto o que pertence à nota, não pôr no começo o que incumbe apenas ao fim, numa palavra, a distinção e a limitação espaciais fazem também parte da sabedoria do escritor.” Não escrever livros ruins também!

#47 “Se eu pudesse unir em mim, ao mesmo tempo, as determinações opostas, elas neutralizar-se-iam e esbater-se-iam como os contrários do processo químico que, nele presentes simultaneamente, perdem a sua diferença num produto neutro.”

#48 “O círculo é o símbolo e o brasão da filosofia especulativa, do pensamento que apenas se apóia em si mesmo; também a filosofia hegeliana é, como se sabe, um círculo de círculos, [???] embora ela, em relação aos planetas, mas só a tal determinada pela empiria, explique a órbita circular como ‘a trajetória de um movimento uniforme’; a elipse, pelo contrário, é o símbolo e o brasão da filosofia sensível, do pensamento que se apoia na intuição.” [?????]

#52 “a nova filosofia já não pode ser relapsa: o que ao mesmo tempo morreu no corpo e na alma já nem sequer pode regressar como fantasma.” Booooohh… Desce do picadeiro, ô palhaço!

#53

O homem não é um ser particular como o animal, mas um ser universal, por conseguinte, não é um ser limitado e cativo, mas um ser ilimitado e livre; com efeito, a universalidade, a ilimitação e a liberdade são inseparáveis.”

O homem não tem o faro de um cão de caça, de um corvo; mas apenas porque o seu olfato pode abranger todas as espécies de odores, pelo que é um sentido livre e indiferente a respeito de odores particulares.” O homem com covid é um nada!

O olfato e o gosto das coisas são objetos da ciência da natureza. Até mesmo o estômago do homem, por mais desdenhosamente que o olhemos, não é um ser animal, mas humano, porque é universal, não confinado a espécies determinadas de alimentos. (…) Quem faz terminar a humanidade no estômago, rejeita o estômago para a classe dos animais, autoriza o homem a comer como uma besta.” Que porra é essa?

#58 “A verdade é unicamente a totalidade da vida e da essência humanas.”

#60 “o homem com o homem — a unidade do eu e do tu — é Deus.”

#63 “A Trindade era o mistério supremo, o ponto central da filosofia e da religião absolutas. Mas o seu segredo, como se provou histórica e filosoficamente em A Essência do Cristianismo,¹ é o segredo da vida comum e social — o segredo da necessidade do tu para o eu a verdade de que nenhum ser, quer seja ou se chame homem ou Deus, espírito ou eu, é apenas por si mesmo um ser verdadeiro, perfeito e absoluto, e que só a ligação, a unidade de seres de idêntica essência constitui a verdade e a perfeição.”

¹ É mesmo? Se provou mesmo? Que coincidência casual ser o SEU livro!!