CURSOS DE ESTÉTICA Vol. I/II (ou: TELEOLOGIA IDEALISTA DA ARTE) – Hegel (trad. Marco Aurélio Werle) (Edusp, 2001, 2.ed.)

NOTA DO TRADUTOR

Para distinguir a ‘idéia’, em sentido hegeliano, do termo corrente ‘idéia’, optamos por marcá-la com maiúscula: ‘Idéia’.”

Preferimos traduzir Gestalt por ‘forma’ e não por ‘figura’, em razão da conotação estética que o termo ‘figura’ apresenta nas artes visuais. Ressalte-se, porém, que a tradução para ‘figura’ não é incorreta, tanto que em alguns momentos optamos por ela, p.ex. no caso de caracteres, personagens de uma tragédia, e quando se tratava de uma figura matemática, p.ex. um triângulo.” “Gestalt é ‘forma’ enquanto Form é ‘Forma’.” O sentido de Form é mais universal. Ex: Gestalte de arte: simbolismo, classicismo, romantismo; Formen de arte: um objeto particular numa dada pintura. Toda Gestalt é uma Form, nem toda Form é uma Gestalt.

O termo Darstellung na maior parte das vezes foi traduzido por ‘exposição’; algumas vezes, porém, por ‘representação’ (com acréscimo do termo alemão entre colchetes), tendo em vista que o termo ‘exposição’ pode facilmente ser confundido com ‘mostra’, no sentido de uma ‘mostra de arte’. Nesta opção de Darstellung por ‘representação’, porém, apresenta-se o perigo do falseamento de uma distinção importante da filosofia pós-kantiana e idealista, a saber, entre Darstellung e Vorstellung, termo este que mais propriamente corresponde a ‘representação’ em português.” “‘representação’ quando traduz Darstellung deve ser tomada no sentido de uma ‘representação plena’ (onde não há separação entre interior e exterior), de uma ‘apresentação’ ou ‘manifestação’ total do espírito e não no sentido estrito de ‘re-presentação’ ou de mera ‘concepção’.”

um erro grave: confundir ‘estado’ (Zustand) com ‘Estado’ (Staat) no subitem ‘O estado universal do mundo’ da 1ª parte. Esta é a mesma tradução que se encontra reproduzida, em parte, no volume Hegel da Col. ‘Os Pensadores’ (SP, Abril Cultural) e que recentemente foi reeditada na íntegra pela Ed. Martins Fontes, SP, 1996-7, em 2 vols. (vol. I: O Belo na Arte, 1996 e vol. 2: O Sistema das Artes, 1997).”

algumas vezes optamos por desmembrar alguns períodos longos, para adaptar o texto alemão à estrutura da língua portuguesa.”

PREFÁCIO DE HEINRICH GUSTAV HOTHO PARA A 1ª EDIÇÃO DOS CURSOS DE ESTÉTICA

Como com História da Filosofia: “o texto dos Cursos de Estética não foi publicado pelo próprio Hegel e sim é uma reconstituição feita por um de seus alunos.”

É difícil compreender como o próprio Hegel na cátedra sempre conseguia se orientar no fluxo das preleções a partir destes cadernos com seu vocabulário lacônico e notas marginais confusas escritas umas por cima das outras e ampliadas ano após ano. Pois mesmo o leitor mais experiente não consegue orientar-se na leitura destes manuscritos valendo-se do reconhecimento dos sinais que apontam para cima e para baixo, para a direita e para a esquerda e ao dispô-los adequadamente.”

ouvir e ler são coisas distintas e o próprio Hegel, como se mostra pelos manuscritos, nunca escreveu assim como falava.”

manter (…) o colorido de sua dicção, que se imprimia vivamente em todos os que mais demoradamente se familiarizavam com seus escritos e preleções.” Todo editor acha que seu próprio método é superior, fim.

INTRODUÇÃO

Em virtude da inadequação ou, mais precisamente, por causa da superficialidade deste nome, [a Estética propriamente wolffiana] procuraram-se também formar outras denominações, como o nome kalística (do grego kallos).”

(*) Wolff (1679-1754) foi o último expoente da filosofia na Alemanha anterior ao Kantismo. “O termo latino aesthetica foi pela 1ª vez aplicado a esta nova ciência por Alexander Baumgarten (1714-62) em sua Methaphysica (1739) e Aesthetica (1750-8). O termo deriva do grego aisthanesthai: ‘perceber’; aisthesis: ‘percepção’; aisthetikos: ‘o que é capaz de percepção’.”

enquanto mero vocábulo, ele é para nós indiferente e uma vez que já penetrou na linguagem comum pode ser mantido como um nome. A autêntica expressão para nossa ciência é, porém, filosofia da arte, mais precisamente filosofia da bela-arte.” Contradiz-se.

Pois a beleza artística é a beleza nascida e renascida do espírito e, quanto mais o espírito e suas produções estão colocadas acima da natureza e seus fenômenos, tanto mais o belo artístico está acima da beleza da natureza.”

A superioridade do espírito e de sua beleza artística perante a natureza, porém, não é apenas algo relativo, pois somente o espírito é o verdadeiro, que tudo abrange em si mesmo, de modo que tudo o que é belo só é verdadeiramente belo quando toma parte desta superioridade e é por ela gerada.”

parece que sempre permanecerá prejudicial para a arte o fato de necessitar da ilusão [Täuschung], mesmo que de fato se submeta a fins sérios e produza efeitos sérios.”

A arte tem à sua disposição não somente todo o reino das configurações naturais em suas aparências múltiplas e coloridas, mas também a imaginação criadora que pode ainda, além disso, manifestar-se em produções próprias inesgotáveis. Perante esta plenitude incomensurável da fantasia e de seus produtos livres, o pensamento parece que tem de perder a coragem para trazê-los em sua completude diante de si, para julgá-los e enquadrá-los em suas fórmulas gerais.”

Segundo todos estes aspectos parece que a bela-arte, tanto em sua origem quanto em seu efeito e âmbito de abrangência, em vez de se mostrar adequada ao esforço científico, antes resiste em sua autonomia contra a atividade reguladora do pensamento e não se mostra adequada à autêntica investigação científica.”

[segundo a estética seminal francesa, anterior à minha filosofia – diz Hegel] não podem existir leis gerais do belo e do gosto, uma vez que as representações do belo são tão infinitamente variadas e, por isso, algo de particular.”

a arte não é de fato independente e livre, mas servil. Entretanto, o que nós pretendemos examinar é a arte livre tanto em seus fins quanto em seus meios.” “a ciência [também] pode ser empregada como entendimento servil para fins finitos e meios casuais e assim não adquire sua determinação a partir de si mesma, mas a partir de outros objetos e relações”

A bela-arte é, pois, apenas nesta sua liberdade verdadeira arte e leva a termo a sua mais alta tarefa quando se situa na mesma esfera da religião e da filosofia e torna-se apenas um modo de trazer à consciência e exprimir o divino os interesses mais profundos da humanidade, as verdades mais abrangentes do espírito.”

trata-se da liberdade do conhecimento pensante, que se desobriga do aquém, ou seja, da efetividade sensível e da finitude.”

toda esta esfera do mundo empírico interior e exterior não é o mundo da verdadeira efetividade e deve com mais rigor do que a aparência artística ser denominada de uma mera aparência e de uma ilusão mais dura.”

As representações [Darstellungen] artísticas tampouco podem ser consideradas uma aparência ilusória perante as representações [Darstellungen] mais verazes da historiografia. Pois a histor. não possui como elemento de suas descrições a existência imediata, mas sua aparência espiritual. (…) [Já] a obra de arte coloca diante de nós as forças eternas que regem a história, desligadas do presente sensível imediato e de sua inconsistente aparência.”

A penetração do espírito na Idéia é-lhe mais penosa quando passa pela dura casca da natureza e do mundo cotidiano do que lhe é pelas obras de arte.”

sobretudo o espírito do mundo atual, ou melhor, o espírito de nossa religião e de nossa formação racional se mostra como tendo ultrapassado o estágio no qual a arte constitui o modo mais alto do absoluto se tornar consciente [, ao contrário do mundo grego].”

O pensamento e a reflexão sobrepujaram a bela-arte.”

ou podemos lamentar a miséria do presente, o estado intrincado da vida burguesa e política, que não permite que o ânimo aprisionado a interesses mesquinhos possa libertar-se para os fins superiores da arte. Já que a própria inteligência, nas ciências, está a serviço dessa miséria e de seus interesses, e as ciências, só tendo utilidade para tais fins, se deixam seduzir e envolver por essa aridez.”

Os belos dias da arte grega assim como a época de ouro da Baixa Idade Média passaram.”

o estado de coisas da nossa época não é favorável à arte. Mesmo o artista experiente não escapa desta situação.” “a natureza de toda a cultura espiritual faz com que ele esteja justamente no centro desse mundo reflexivo e de suas relações. Ele não pode abstraí-lo por vontade e decisão pessoais; nem por meio de uma educação específica ou de um distanciamento das relações humanas fabricar e formar uma solidão particular, restauradora do que se perdeu.”

A ciência da arte é, pois, em nossa época muito mais necessária do que em épocas na qual a arte por si só, enquanto arte, proporcionava plena satisfação.” Já não suportamos mais a crítica. Fora com ela!

considero o filosofar completamente inseparável da cientificidade, sejam quais forem as concepções que se possa ter da filosofia e do filosofar.”

Nesta ocupação com o outro de si mesmo, o espírito pensante nem se trai, a ponto de esquecer-se e de abandonar-se, nem é tão impotente, a ponto de não poder apreender o que se distingue dele. Na verdade, ele apreende conceitualmente a si e a seu oposto. (…) É por isso que a obra de arte, na qual o pensamento se aliena, pertence ao âmbito do pensamento conceitual. (…) A arte, porém, longe de ser a Forma suprema do espírito, como ainda veremos de um modo mais detido, apenas na ciência alcança sua autêntica legitimidade.”

FILOSOFIA ABSTRATA E PARTICULARISTA DO BELO (1)

X

FILOSOFIA UNIVERSALISTA DA ARTE (2)

  1. tem o empírico como ponto de partida – é o caminho necessário para aquele que pretende tornar-se um erudito em arte [ESTETA, CRÍTICO]. E, assim como atualmente quem não se dedica à física deve estar de posse dos conhecimentos físicos mais essenciais, do mesmo modo tornou-se necessário a um homem culto genérico possuir alguns conhecimentos de arte. [um crítico a meias! mas seria melhor saber zero!] A pretensão de se apresentar como DILETANTE ou CONHECEDOR DE ARTE é bastante difundida.”

  2. a reflexão totalmente teórica, a que se esforça por conhecer o belo como tal a partir dele mesmo e por fundamentar sua Idéia.”

1(a). “Mas, para serem realmente reconhecidos como erudição, estes conhecimentos devem possuir uma natureza variada e uma ampla abrangência. Isso porque a 1ª exigência é a exata familiaridade com o âmbito incomensurável das obras de arte individuais de épocas antigas ou recentes. Trata-se de obras de arte que em parte já sucumbiram na efetividade e em parte pertencem a nações ou recantos distantes do mundo; e que o desfavor do destino suprimiu ao nosso olhar. (…) toda obra de arte pertence à sua época, ao seu povo, ao seu ambiente, e depende de concepções e fins particulares, históricos e de outra ordem. Neste sentido, a erudição em arte exige igualmente uma ampla riqueza de conhecimentos históricos, que devem ser, além disso, muito especializados, tendo em vista que a própria natureza individual da obra de arte está referida ao singular e necessita do que é especializado para sua compreensão e esclarecimento. – Esta erudição (…) não requer somente memória (…) necessita (…) imaginação aguçada” Sem a imagem do todo da obra de arte (e, o que é mais, de inúmeros e variegados detalhes muito sutis mas proporcionalmente importantes), nada feito, e o erudito cai em descrédito!

1(b). “Assim como em outras ciências que possuem um início empírico, estes pontos de vista (…) formam critérios e enunciados gerais ou, numa generalização ainda mais formal, as teorias das artes. (…) P.ex., da Poética arist., cuja teoria da tragédia ainda hoje tem interesse. Ainda entre os antigos é a Ars Poetica de Horácio e o escrito de Longino sobre o sublime que podem nos dar uma concepção geral do modo de como tal teorizar era tratado.” Em geral, tratavam-se de preceitos e regras para seguir numa época de decadência da arte.

boa parte de tais determinações são reflexões muito triviais que em sua generalidade não levam a nenhuma verificação do particular, embora seja disso que principalmente se trate. A epístola de Horácio (…) está cheia delas”

outro tipo de interesse dessas teorias não consiste em propiciar diretamente a produção de obras de arte autênticas, mas na intenção de formar o juízo sobre obras de arte e o gosto.”

Exemplos modernos: Home, Elementos de Crítica, 1762; Batteux em geral; Ramler, Introdução às Ciências do Belo (4 vols., 1756-58) (que é efetivamente uma tradução de Batteux).

No início, a análise do gosto pertencia exclusivamente à psicologia: “uma vez que a formação do gosto apenas se dirigia ao que era exterior e escasso e, além do mais, tomava igualmente suas prescrições apenas de um círculo estreito de obras de arte e de uma formação estreita do entendimento do ânimo, sua esfera era insuficiente e incapaz de captar o que é interior e verdadeiro ou de aguçar o olhar na consideração das obras.” Resultado final: o belo e seus vários lados.

Meyer, História das Artes Plásticas na Grécia

o caricatural apresenta-se como o característico do feio, o qual certamente é uma desfiguração.” Conceito de belo ainda muito limitado, o desta época!

1(c). “O direito do gênio”

a antropologia da arte de uma geração próxima à de Hegel começa a valorizar as artes não-européias. O Romantismo é já sintoma desta mudança de percepção sobre a arte clássica.

É claro que se o romantismo invadiu o Germanismo (apud Hegel), ele seria muito enaltecido em sua Estética – óbvio ululante!

Somente a erudição da história da arte manteve seu valor permanente e deverá mantê-lo tanto mais quanto, em virtude da ampliação acima referida da receptividade espiritual, seu horizonte se alargar em todos os sentidos.” O especialista geral e o especialista especialista em alguma vertente artística!

Foi o que fez Goethe, que escreveu muito sobre arte e obras de arte [sem ser um filisteu].”

2. (prolongamento)

Aquele que entendeu Platão apenas a meias (mas esse é um defeito de incontáveis alemães!)

a falta de conteúdo inerente à idéia platônica não mais satisfaz as necessidades filosóficas mais ricas de nosso espírito atual. É claro que também na filosofia da arte necessitamos partir da Idéia do belo, mas não devemos somente nos ater àquele modo abstrato de filosofar das idéias platônicas, que representam só o começo do filosofar sobre o belo.”

Então Hegel propõe uma síntese de 1+2 = (3)

3. “O [autêntico] conceito filosófico do belo” “princípios substanciais, necessários e totais.”

temos de começar com o seu conceito.”

Se começamos com o próprio conceito de belo artístico, (Platão) este passa a ser imediatamente uma pressuposição e mera hipótese; o método filosófico, contudo,… (blá, blá, blá)”

Gostaríamos de tratar com poucas palavras esta dificuldade própria à introdução a toda disciplina filosófica considerada de um modo autônomo por si mesma.”

  1. delimitação do objeto;

  2. o que é o objeto.

Poderia inclusive parecer risível se para a astronomia e para a física fosse imposta a exigência de provar que existe o sol, o firmamento, os fenômenos magnéticos, etc. Nestas ciências, que se ocupam com algo que existe sensivelmente, os objetos são tomados da experiência externa e, em vez de demonstrá-los, considera-se suficiente mostrá-los. Contudo, mesmo no interior das disciplinas não-filosóficas podem emergir dúvidas sobre a existência [Sein] de seus objetos [éter, buraco negro, etc.]”

Essa dúvida sobre a existência ou não de um objeto da representação ou intuição interiores, essa contingência da consciência subjetiva de tê-lo gerado em si mesma e a dúvida sobre a correspondência do objeto em seu em-si-e-para-si com a maneira de concebê-lo, suscita no homem precisamente a mais alta necessidade científica” A velha lorota de requerer-se uma prova daquilo que (supostamente) não é captado pela apercepção (o belo)…

Não resta mais nada, portanto, a não ser aceitar o conceito da arte, por assim dizer, lematicamente.¹ Isto é o que ocorre com todas as ciências filosóficas particulares, quando são tratadas de modo isolado.” Segundas filosofias…

¹ Derivado de lemático, lema. Mas não vejo no que diferiria de tematicamente, então ainda suspeito que possa ser erro ortográfico.

No momento, não é nossa finalidade demonstrar a Idéia do belo, que é nosso ponto de partida, i.e., deduzi-la segundo a necessidade dos pressupostos que antecedem as ciências, de cujo seio ela nasce. Tal trabalho é próprio de um desenvolvimento enciclopédico de toda a filosofia e de suas disciplinas particulares.” A.k.a.: agora vamos sem pensar, depois vamos parar no mesmo lugar! (going full circle ‘round the object)

À página 47 de minha edição, últimas linhas, começa a CONCLUSÃO DA INTRODUÇÃO (sim, com H. é sempre complicado neste nível!).

período do gênio, período que foi instituído pelas primeiras produções poéticas de Goethe e, então, pelas de Schiller. [Inauguração do Tempestade e Ímpeto] Em suas primeiras obras estes poetas partiram do zero ao pôr de lado todas as regras que na época eram fabricadas e ao agir intencionalmente contra elas, no que também ultrapassaram amplamente outras. Não pretendo, contudo, esmiuçar as confusões que imperaram sobre o conceito de entusiasmo e de gênio, e sobre a confusão que ainda hoje impera acerca do que o entusiasmo por si mesmo é capaz de gerar.”

a obra de arte tem um lado puramente técnico, que se estende até o artesanal, especialmente na arquitetura e na escultura, menos na pintura e na música e menos ainda na poesia.”

é por sua vez pelo estudo que o artista toma consciência deste Conteúdo¹ e conquista a matéria e o conteúdo de suas concepções.”

¹ Por ser altamente brega, esta será a única vez em que respeito a grafia da tradução, com “c” maiúsculo.

A música, p.ex., que somente se ocupa com o movimento totalmente indeterminado do interior espiritual, com o ressoar por assim dizer do sentimento destituído de pensamento, tem pouca ou nenhuma necessidade de matéria espiritual na consciência. O talento musical se anuncia, por isso, geralmente na juventude muito precoce, em cabeças ainda vazias e em ânimos pouco exercitados, sendo que pode muito cedo já ter chegado a uma altura bastante significativa, antes mesmo de ter experimento espírito e vida.”

Bem diverso é o caso da poesia. Nela se trata da exposição cheia de conteúdo e pensamentos feita pelo homem, de seus interesses profundos e das potências que o movem.”

Os primeiros produtos de Goethe e de Schiller são de uma tal imaturidade, até mesmo de uma crueza e barbaridade, que chegam a assustar.”

H. contrapõe aqui o entusiasmo barato, fogo-de-palha, ao verdadeiro entusiasmo do poeta formado e completo.

Deles [na maturidade] podemos dizer que foram os primeiros que souberam dar à nossa nação obras poéticas e são nossos poetas nacionais, assim como apenas o velho Homero buscou inspiração para seus cantos imortais e eternos e os produziu.”

tudo o que é espiritual é melhor do que qualquer produto natural. Aliás, nenhum ser natural expõe ideais divinos, como a arte o faz.”

D. é tão ativo na produção artística quanto nos fenômenos da natureza. O divino, porém, adquiriu um ponto de passagem correspondente a sua existência [Existenz] [existência do Espírito] no modo como se deixa conhecer na obra de arte, ao ser esta gerada pelo espírito, ao passo que a existência [Dasein] [fenomenológica] na sensibilidade sem consciência da natureza não é um modo de aparecer adequado ao divino.”

capricho & necessidade

com capricho necessário arrematei minha obra

Não podemos ainda responder completamente a esta questão acerca da necessidade não-casual, mas absoluta da arte, uma vez que ela é mais concreta do que a resposta que poderia ser dada neste momento. [dentro da metafísica ocidental!]”

O homem não é, mas é ao quadrado. é²

Penso, logo atuo.

Só o homem pensa.

As ações dos outros animais não são ações, se se quer que haja apenas uma palavra para o que ação é no seu mais íntimo profundo.

E tudo se torna ainda mais complicado quando pensamos que nem toda cultura antropologiza! Poderíamos considerar o auge do Romantismo como uma arte de cachorro!

Temor, angústia, preocupação, susto, p.ex., são decerto algumas modificações de um e mesmo modo de sentir, embora em parte sejam apenas gradações quantitativas, em parte formas que não têm nada a ver com seu conteúdo, pois lhe são indiferentes.”

Descrição do temor como uma mescla de [+] e [-] batalhando no sujeito.

expectância da prevalência de uma presença ou de sua destruição

O que resta é minha afecção meramente subjetiva na qual desaparece a coisa concreta ao ser comprimida na esfera mais abstrata. Por isso, a investigação sobre os sentimentos que a arte suscita ou deve suscitar permanece totalmente numa indeterminação e é uma consideração que abstrai justamente do autêntico conteúdo

No sentimento, no entanto, esta subjetividade destituída de conteúdo não só se mantém, mas é a coisa principal, e por isso os homens gostam tanto de sentir.” Os imbecis cinematográficos de hoje em dia. Como andar de montanha-russa ou usar uma droga.

A profundidade da coisa permaneceu inacessível para o gosto” “É por isso que o assim chamado bom gosto se amedronta diante de todos os efeitos mais profundos, silencia onde a própria coisa vem à tona e desaparecem os aspectos exteriores e secundários.” O limite do gosto são os meios de produção da sociedade burguesa.

o conhecimento de arte, e este é seu ponto fraco, pode prender-se ao estudo dos aspectos puramente exteriores, do que é técnico, histórico e assim por diante, e não perceber muita coisa ou mesmo ignorar por completo a verdadeira natureza da obra de arte. (…) No entanto, se sua natureza for autêntica, o conhecimento de arte se volta ao menos para princípios e conhecimentos determinados e para um juízo com base no entendimento, ao que se junta também a apreciação da obra de arte e as mais precisas distinções de seus diversos aspectos”

Por isso, a obra de arte, embora possua existência sensível, [Existenz] não necessita de uma existência sensível-concreta [Dasein] e de uma vitalidade natural.” desejo da carne x desejo do espírito “Pois a inteligência racional não pertence, como os desejos, [em H. desejo é apenas desejo da carne, que se entenda bem] ao sujeito particular enquanto tal, mas somente ao particular como imediatamente universal em si mesmo. (…) Por meio disso, o homem busca restabelecer a essência interior das coisas que a existência sensível não pode imediatamente mostrar, embora esta constitua seu fundamento. Assim como não tem nada em comum com os impulsos dos desejos apenas práticos, a arte também não compartilha do interesse teórico na forma científica, cuja satisfação é tarefa da ciência.” Nem pura sensação nem pura abstração. A arte não é uma equação ou heroína injetada nas veias.

Como a obra de arte é um objeto exterior que se manifesta numa determinidade imediata e singularidade sensível, segundo a cor, a forma, o som ou a intuição particular e assim por diante, a reflexão sobre arte não pode transcender a objetividade imediata que lhe é oferecida e querer captar o conceito desta objetividade como conceito universal, como faz a ciência.”

O interesse artístico se distingue do interesse prático do desejo pelo fato de deixar seu objeto subsistir livremente em si mesmo (…) Em contrapartida, a consideração artística se distingue de modo inverso da consideração teórica da inteligência científica, dado que se interessa pelo objeto em sua existência particular e não age para transformá-lo em seu pensamento e conceito” Nem o sexo nem o conhecimento biológico das enzimas secretadas durante o ato sexual: apenas o que significa simbolicamente o sexo para o homem, i.e., eu, talvez apenas este sexo, nesta circunstância, com esta mulher. No fundo, o sexo com o Ser. O sexo com o meu duplo. A retroalimentação desta experiência passada, presente, futura na minha existência.

a obra de arte se situa no meio, entre a sensibilidade imediata e o pensamento ideal.”

o olfato, o paladar e o tato ficam excluídos da obra de arte.”

a arte produz intencionalmente a partir do sensível apenas um mundo de sombras de formas, sons e visões e não se deve pensar que é por mera impotência ou limitação que o homem sabe apenas apresentar uma superfície do sensível e esquemas quando cria obras de arte.” “ressonância e eco”

Podemos comparar [a atividade artística] com o modo de agir de um homem experiente, espirituoso e inteligente que, embora conheça profundamente a vida, a substância comum a todos os homens, aquilo que os move e os domina, no entanto, nem submete estes conhecimentos, para si próprios, a regras gerais, nem sabe explicitá-los aos outros por meio de reflexões universais” “Tal tipo de imaginação se baseia antes na memória (…) [que na] criatividade em si.” Essa seria a fantasia artística média, em H..

A fantasia artística produtiva, porém, é a fantasia de um grande espírito e de um grande ânimo, é o conceber e criar representações e figurações, mais precisamente, figurações dos mais profundos e universais interesses humanos numa exposição imagética totalmente determinada e sensível.”

Assim, pode-se dizer com mais razão que não há um talento científico específico, no sentido de um mero dom natural. A fantasia, pelo contrário, possui um modo de produção ao mesmo tempo instintivo, na medida em que o imagético e a sensibilidade essenciais da obra de arte devem estar subjetivamente presentes no artista como dom e impulso naturais; como agir inconsciente devem também pertencer ao lado natural do homem.” “É por isso que todos podem, em maior ou menor grau, fazer arte, mas para alcançar o ponto em que a arte verdadeiramente começa é necessário talento artístico inato.”

Na maior parte das vezes tal talento enquanto disposição natural já se anuncia na precoce juventude e se revela numa ansiedade turbulenta – viva e ativamente – para dar forma de modo imediato a um material sensível determinado, e em considerar esse tipo de expressão e comunicação como o único ou como o principal e o mais adequado.”

Quando James Bruce, em sua viagem à Abissínia, mostrou pinturas de peixes a um turco, deixou-o imediatamente perplexo, mas logo em seguida recebeu a resposta: <Se este peixe no dia do Juízo Final se levantar contra ti e disser que ganhou um corpo, mas não uma alma viva, como tu te justificarás perante tal acusação?>

HIPER-REALISMO ANTIGO: “há exemplos de reprodução perfeitamente ilusória. As uvas pintadas por Zêuxis (cf. Plínio, História Natural) foram consideradas, desde sempre, como triunfo da arte e, ao mesmo tempo, como triunfo do princípio da imitação da natureza, pois pombas vivas as teriam picado.” Hoje as pombas implumes saem do cinema convencidas da realidade de todas as imagens, e menos convencidas, em proporção, de qualquer possível metafísica comunicada pela tela.

quanto mais a reprodução for parecida com o modelo natural, tão mais rapidamente esta alegria e admiração também se tornarão por si mesmas geladas e frias ou se transformarão em tédio e antipatia. Já se falou com espírito sobre retratos que se parecem tanto com o retratado que chegam a ser repugnantes.”

Kant cita (…) que (…) tão logo descobrimos que o autor do canto do rouxinol que apreciamos era na verdade uma pessoa, imediatamente ficamos enfastiados com tal canto.”

(N. da T.) “Note-se, entretanto, que K. cita este exemplo para afirmar a superioridade do belo natural sobre a tentativa de sua mera reprodução, ao passo que para H. o acento está colocado na questão da inferioridade da mera imitação em relação à natureza enquanto tal [e mais ainda em relação à autêntica arte].” No fundo, duas formas de dizer a mesma coisa.

artifício e imitação (Kunststück) x arte efetiva (Kunstwerk)

a esta competição abstratamente imitativa devemos comparar o artifício de alguém que, sem errar, aprendeu a lançar ervilhas por um pequeno orifício. Tal homem se apresentou com esta habilidade para Alexandre e este o presenteou com um alqueire de ervilhas como recompensa por esta arte inútil e sem conteúdo.”

se entre os homens acontece que nem todo marido ache sua mulher bela, todo noivo julga bela a sua noiva – e até mesmo exclusivamente bela; e é uma sorte para as 2 partes que o gosto subjetivo não tenha nenhuma regra rigorosa para esta beleza.”

[nem] a exigência de naturalidade enquanto tal é, porém, o substancial e primordial que fundamenta a arte” Neste trecho, subentende-se que H. desaprovaria, e com acerto, a escola naturalista das artes plásticas, mas também sua manifestação literária posterior, que lhe são póstumas.

A arte deve efetivar em nós aquele conhecido enunciado Nihil humani a me alienum puto

ensinar a conhecer intimamente tudo o que é horrível e horripilante assim como o que é prazeroso e beato” linha de um contínuo K. H. N.

para que as experiências da vida não nos deixem insensíveis”

apriorisionamento dos imediatistas

Teria H. ido além de Aristóteles-Schopenhauer na teoria da catarse? “Pois a determinação de que a arte deve refrear a brutalidade, formar as paixões, permaneceu totalmente formal e universal, de modo que se tratava novamente de uma espécie determinada e do objetivo essencial desta formação. § A perspectiva da purificação das paixões, na verdade, sofre da mesma deficiência encontrada anteriormente na suavização dos desejos, embora ressalte pelo menos mais vivamente a necessidade de uma medida para as representações [Darstellungen] artísticas, por meio da qual possa ser averiguada a dignidade ou não da arte. Esta medida é justamente a eficiência na separação do puro e do impuro nas paixões. Por isso, ela precisa de um conteúdo que seja capaz de manifestar esta força purificadora; e na medida em que a finalidade substancial da arte deve ser a produção de tal efeito, o conteúdo purificador deve tornar-se consciente segundo sua universalidade e essencialidade.” Ainda não escapa do imperativo categórico! Mas sigamos, pois aqui H. está analisando a validade do argumento, ainda…

Enfim, queremos criar um novo mundo ou apenas estudar as belas-artes do atual valor dos valores? Pois Platão está justificado em “romper com Homero (e, portanto, a poesia até sua época em conjunto)” apenas diante do niilismo que grassava a polis (o mal maior).

fabula docet

A degradação ocidental da Ars poetica de Horácio

a arte foi o primeiro mestre dos povos.” Poderá ser o último, numa civilização decadente?

Não se pode, é óbvio, querer politizar Shakespeare – porque ele já está politizado!

E assim chegamos ao limite em que a arte precisa deixar de ser arte, deixar de ser finalidade para si mesma, já que foi rebaixada a um mero jogo de entretenimento ou a um mero meio de instrução.” Já antecipa a própria crítica da arte pela arte e da arte como meio de uma só vez. A arte sempre está no meio… de dois extremos empíricos impróprios. O precário equilíbrio da existência…

[OUTRA HIPÓTESE:] a arte, por meio do conhecimento do bem verdadeiramente moral e, assim, por meio da instrução, deve ao mesmo tempo incitar à purificação e somente então deve realizar o aperfeiçoamento do ser humano enquanto sua utilidade e finalidade suprema.”

O “ARGUMENTO MORTAL KOMBAT”: “É fácil aceitar que em seu princípio a arte não pode ter como intenção a imoralidade e sua promoção. Contudo, há uma diferença entre ter como finalidade explícita da exposição a imoralidade e não ter como finalidade explícita da exposição o que é moral. De toda obra de arte autêntica podemos tirar uma boa moral, embora isso dependa de uma explicação e, desse modo, de quem extrai a moral. Assim, alguém pode defender descrições as mais contrárias à ética baseado no fato de que é preciso conhecer o mal e o pecado para que se possa agir moralmente. Em contrapartida, falou-se que a representação [Darstellung] de Maria Madalena, a bela pecadora que depois fez penitência, já levou muita gente ao pecado, já que a arte faz parecer belo praticar penitência, e para isso é preciso antes pecar. – Mas a doutrina do melhoramento moral, apresentada de modo conseqüente, não se contentará em também poder extrair uma moral da arte; pelo contrário, ela irá querer que a doutrina moral brilhe claramente como finalidade substancial da obra de arte e, inclusive, querer expressamente apenas permitir que sejam expostos objetos, caracteres, ações e acontecimentos morais. Pois a arte pode escolher seus objetos, ao contrário da historiografia ou das ciências, para as quais a matéria é dada.”

Um homem eticamente virtuoso não é já por si mesmo moral.” “o homem (…) somente faz o bem porque adquiriu a certeza de que isso é o bem. (…) a universalidade abstrata da vontade, que possui sua contraposição direta na natureza” A ponto de chegarmos a civilizações em que o estado natural é a norma, ou seja, onde o homem é um HOBBES DE PONTA-CABEÇA!

Diagnóstico: faltava ao século XIX (parte I!) a consideração de um ângulo extra-moral…

No espírito [esta luta interior] se mostra no que é sensível e espiritual no homem, como a luta do espírito contra a carne; do dever pelo dever, da lei fria com o interesse particular, o ânimo caloroso, as inclinações e propensões sensíveis e o individual em geral; como a dura contraposição entre a liberdade interior e a necessidade da natureza exterior; além disso, como a contradição entre o conceito morto, em si mesmo vazio, e a vitalidade completa e concreta, entre a teoria, o pensamento subjetivo e a existência objetiva e a experiência.”

JOGUETE DA CONSCIÊNCIA INFELIZ: “A formação espiritual, o entendimento moderno, produzem no homem esta contraposição que o torna anfíbio, pois ele precisa viver em 2 mundos que se contradizem” “a consciência permanece, por isso, num mero dever [Sollen] e o presente e a efetividade se movimentam apenas na inquieta oscilação entre 2 alternativas, na busca de uma reconciliação sem encontrá-la.”

O IDEALISMO COMO FALSA CHAVE: “Se a formação universal incorreu em tal contradição, torna-se tarefa da filosofia superar estas contraposições, i.e., mostrar que nem um em sua abstração nem outro em idêntica unilateralidade possuem a verdade, mas ambos se solucionam por si”

AUTO-ILUSÃO: “Este conhecimento coincide imediatamente com a crença e volição espontâneos, que justamente tem constantemente esta contraposição solucionada na representação e a estabelecem e realizam para si como finalidade na ação.”

Na medida em que o derradeiro fim último, o aperfeiçoamento moral, apontou para um ponto de vista superior, necessitamos também reclamá-lo para a arte.” A arte é ser-no-mundo, não objeto utilitário. Espelha o sistema filosófico do pensador. Prefigura-se aqui a completa autonomia da arte, ainda que obviamente inscrita no campo ético. Mas, enfim, arte & niilismo são duas faces da mesma moeda… Não é possível venerar um sem querer o outro. Eu sou um niilista. Eu não acredito em nada, só acredito na arte!

Este reconhecimento do caráter absoluto da razão em si mesma, que nos tempos modernos provocou a virada da filosofia, este ponto de partida absoluto deve ser reconhecido e não deve ser refutado na filosofia kantiana, mesmo que se a tome como insatisfatória.”

CONFUNDINDO O PONTO DE CHEGADA COM O DE PARTIDA: “A crítica kantiana constitui o ponto de partida para a verdadeira apreensão [Begreifen] do belo artístico, apreensão que, todavia, somente se pôde fazer valer, por meio da superação das deficiências kantianas,¹ como a apreensão superior da verdadeira unidade da necessidade e da liberdade, do particular e do universal, do sensível e do racional.”

¹ Isso decerto não aconteceu até muito depois de Hegel morrer, muito menos nos epígonos alemães do Romantismo!

Devemos a Schiller o grande mérito de ter rompido com a subjetividade e abstração kantianas do pensamento e de ter ousado ultrapassá-las, [haha!] concebendo a unidade e a reconciliação como o verdadeiro, e de efetivá-las artisticamente.”

Neste contexto, Schiller [cujos poemas são inferiores porque tenta filosofar por meio deles] enquanto poeta apenas pagou tributo a sua época, e isso de um modo que apenas honrou esta alma sublime e ânimo profundo, e para o proveito da ciência e do conhecimento.”

Schi., Cartas sobre a educação estética: “Nesta obra, Schi. parte do ponto principal de que cada homem individual possui em si mesmo a disposição para um homem ideal. Este verdadeiro homem é representado pelo Estado”

Por causa disso, a ciência alcançou por meio de Schelling seu ponto de vista absoluto” “Friedrich von Schlegel, desejoso do novo, na busca ávida de distinção e do surpreendente, se apropriou da Idéia filosófica tanto quanto era capaz sua natureza que, aliás, não era filosófica, mas essencialmente crítica.” A dinastia dos Sch.!

Winckelmann deve ser visto como um daqueles que no campo da arte soube descobrir um novo órgão para o espírito e também modos de consideração totalmente novos.”

A partir desta direção, e especialmente do modo de pensar e das doutrinas de Schleg., desenvolveu-se em seguida sob diversas configurações a chamada ironia. A ironia encontrou seu profundo fundamento [hmm], segundo um de seus aspectos, na filosofia de Fichte, na medida em que os princípios dessa filosofia foram aplicados à arte.”

[Segundo o FICHTISMO – fictismo, pouco realista!] eu vivo como artista quando todo o meu agir e manifestar em geral, na medida em que se refere a algum conteúdo, somente permanece para mim uma aparência e assume uma forma que está totalmente em meu poder.” “Minha aparição [Erscheinung], na qual me ofereço aos outros, pode até ser algo sério para eles, na medida em que me tomam como se eu estivesse tratando mesmo de algo sério; no entanto, deste modo eles apenas se enganam, são pobres sujeitos limitados que não possuem o órgão e a capacidade de apreender a altura do meu ponto de vista.” “Essa virtuosidade de uma vida irônica e artística se concebe, pois, como genialidade divina, para a qual tudo e todos são apenas uma criação sem essência, na qual o criador livre, que se sabe desvencilhado e livre de tudo, não se prende, pois pode tanto destruí-la quanto criá-la. Aquele que se encontra em tal ponto de vista da genialidade divina observa do alto com distinção todos os outros homens, que são considerados limitados e rasos, na medida em que o direito, a eticidade, etc., ainda valem para eles como algo de sólido, de obrigatório e de essencial. É claro que tal indivíduo, que assim vive como artista, mantém relações com outras pessoas, vive com amigos e com as pessoas que gosta, mas como gênio, tal relação com sua efetividade determinada, com suas ações particulares, assim como com o em-si-e-para-si universal é para ele ao mesmo tempo algo nulo e ele se relaciona ironicamente com tudo isso.” “beatitude do gozo próprio” Mas não foi Fichte que a inventou, e sim Schlegel! E, como diz H., “muitos outros a macaquearam ou a repetirão sempre novamente.”

CRÔNICAS DE UM ADOLESCENTE QUE LEU NIETZSCHE NUM TEMPO COMPRIMIDO: “A forma mais imediata desta negatividade da ironia é a vaidadeE o que Deus mesmo faria em tal caso? Procuraria um centro! Impelido pela verdade, o autoproclamado solitário e ensimesmado morrerá asfixiado pelas paredes de seu próprio gênio inimitável e sem-precedentes… Se torna um artista nostálgico, um fichteano, em suma. Misto de asceta descontente e lasso vadio urbanoide, pálido e doentio, este deus acamado, tirano de seu quarto, prefere não sair para respirar ao ar livre, para apenas agravar o quadro. Sim, ele se tornará um desses poetas apaixonados que morrem aos 23 anos! Um Dom Quixote tão menos nobre… Sua donzela mal vale um meio moinho enguiçado… Chega-se ao cúmulo de afirmar em sua insânia: posto que não era tão elevado quanto pensava, não há elevação! Se não posso ser Deus, ninguém será! Será este rapaz engraçado (ridículo) ou digno de pena e comiseração? Herói de araque demais para pertencer ao ramo do trágico, ele não morre no final, mas pega um cruzeiro para fora da Europa!… Sim, porque tudo que é sórdido desmancha no ar fuliginoso! E assim termina a carreira do promissor poeta, antes de sequer começar…

Versão melhorada e final em: https://www.recantodasletras.com.br/prosapoetica/7412429

Tal ironia da ausência de caráter ama a ironia.”

má fé x perseverança

Ainda bem que tais naturezas nostálgicas e sem conteúdo não agradam: é um consolo saber que esta improbidade e hipocrisia não são bem-recebidas e que as pessoas, pelo contrário, anseiam tanto por interesses completos e verdadeiros quanto por caráteres que permanecem fiéis a seu conteúdo grave.”

Solger não era como os outros que se satisfaziam com uma formação filosófica superficial, pois uma necessidade interna autenticamente especulativa [como esse binômio envelheceu mal!] o impelia a descer na profundidade da Idéia filosófica. E assim ele chegou ao momento dialético da Idéia, ao estágio que denomino de <infinita negatividade absoluta>Chegou aos céticos da Idade Clássica.

esta negatividade é (…) contudo apenas um momento.” PA DUM TSSS

E Solger não viveu como o poeta romântico-niilista de mais acima, mas apenas escreveu como tal, o que é sumamente diferente. Bem-vindo ao clube, jovem Solger (que não alcançou idades avançadas, como já posso dizer que seja a minha)! (Mentira. Solger viveu 38/9 anos. Porém é razoável dizer que, se emocionalmente ainda somos adolescentes na casa dos 30 nesta década de 2020, maturamos enquanto artistas já muito antes, graças aos meios à disposição.)

Em vez de testemunhar a dissolução irônica do Bem, eu quero poder ver a dissolução literal do Estado… Este é(seria) MEU MOMENTO!

O HOMEM QUE NÃO SEGUIA SUA PRÓPRIA FILOSOFIA:Tieck exige constantemente ironia; mas, quando ele mesmo se dedica ao julgamento de grandes obras de arte, seu reconhecimento e descrição da grandeza delas são realmente primorosos.”

Se enunciamos que Deus é o uno simples, o mais alto ser enquanto tal, apenas expressamos uma abstração morta do entendimento irracional.” “Daí os judeus e os turcos não terem podido expor pela arte seu Deus de um modo positivo como os cristãos, pois seu Deus não é nem ao menos uma tal abstração do entendimento.” “também a arte exige a mesma concreção [da Santíssima Trindade]”

Pois a arte não assume esta forma apenas porque ela se encontra à disposição e porque não há outra, [!!!] mas porque no conteúdo concreto reside também propriamente o momento do fenômeno exterior e efetivo e, igualmente, sensível. (…) o exterior da forma, através do qual o conteúdo torna-se intuível e representável, tem a finalidade de somente existir para o nosso ânimo e espírito.”

No entanto, [face às ocorrências da natureza] a obra de arte não é tão despreocupada por si, mas é essencialmente uma pergunta, uma interpelação ao coração que ressoa, um chamado aos ânimos e aos espíritos.”

O deus grego não é abstrato, mas individual, e está próximo da forma natural; o Deus cristão também é uma personalidade concreta e isso enquanto pura espiritualidade, e deve ser sabido no espírito como espírito. Seu elemento de existência é, assim, essencialmente o saber interior e não a forma exterior natural, por meio da qual ele apenas de modo incompleto é passível de exposição, mas não segundo toda a profundidade de seu conceito.”

P. 89 (edição impressa): difícil de justificar mais essa divisão tripartida hegeliana: a- ciência da arte geral/ideal; b- ciência da arte particular (em progressão gradual de formas!); c- ciência da arte particular (em progressão gradual de conteúdos!).

Por exemplo, os chineses, os indianos e os egípcios permaneceram em suas configurações artísticas (sic – conservaram) figuras de deuses e ídolos desprovidos de Forma ou com uma determinidade ruim ou não-verdadeira da Forma e não souberam dominar a verdadeira beleza porque suas representações mitológicas, o conteúdo e o pensamento de suas obras de arte ainda eram em si mesmos indeterminados ou de uma determinidade ruim, e não eram ainda o conteúdo em si mesmo absoluto.”

A determinidade é como que a ponte para o fenômeno.”

princípio do modo de aparição particular”

Deste modo, é somente a Idéia verdadeiramente concreta que produz a verdadeira forma, e esta correspondência de ambos é o ideal.”

b- “a doutrina das Formas da arte”

Por isso, as Formas da arte nada mais são do que as diferentes relações de conteúdo e forma, relações que nascem da própria Idéia e, assim, fornecem o verdadeiro fundamento de divisão desta esfera. Pois a divisão deve sempre residir no conceito, do qual é a particularização e a divisão.” A divisão é a divisão do conceito! Imagina ser ouvinte nesta aula…

forma de arte simbólica” como estágio primitivo da obra de arte. “determinidade abstrata” Ex: leão=força

Segue-se ao puro símbolo, conforme Hegel, uma fase de jactância, sublimidade ou exuberância, caricata ou estilística. “a Idéia é aqui ainda o mais ou menos indeterminado” – insatisfação ou inadequação da Idéia consigo mesma.

Estes aspectos constituem, em termos gerais, o caráter do 1º panteísmo artístico do oriente”

bizarro, grotesco e destituído de gosto”

Na segunda Forma de arte, que gostaríamos de designar como sendo a clássica, a dupla deficiência da Forma de arte simbólica está eliminada.” “a concordância entre o significado e a forma deve sempre permanecer deficiente e apenas abstrata.” “é a Forma clássica que pela 1ª vez oferece a produção e intuição do ideal completo e o apresenta como efetivado.” “a espiritualidade concreta; pois somente a espiritualidade é a verdadeira interioridade.”

O último esteta “de respeito” a rebaixar o mundo clássico ao próprio mundo moderno na Arte?

Há de ser o próprio conceito originário que inventou [erfunden] a forma para a espiritualidade concreta, de tal modo que agora o conceito subjetivo apenas a encontrou [gefunden] e, enquanto existência natural figurada, a tornou adequada à livre espiritualidade individual.” Seria brilhante se não fosse uma hipóstase.

Esta (…) é a forma humana

É certo que freqüentemente a personificação e a antropomorfização foram denegridas como se fossem uma degradação do espírito” Apenas pelos monoteístas!

PARADOXO DE PROTEU (TUDO É HUMANO, OU APENAS O BOM É HUMANO, ENQUANTO O MAL É LENTAMENTE ALOJADO NA CATEGORIA RESIDUAL DOS ANIMAIS!): “Neste contexto, a migração da alma é uma representação abstrata, sendo que a fisiologia deve ter tido como um de seus princípios que a vitalidade em seu desenvolvimento necessariamente precisa progredir para a forma do homem como sendo este o único fenômeno sensível adequado ao espírito.”

Para H., apenas um anúncio que “exige a passagem para uma 3ª Forma de arte mais elevada, a saber, a romântica

A Forma de arte clássica, de fato, alcançou o ponto mais alto que a sensibilização da arte foi capaz de alcançar”

O Romantismo é o falseamento da realidade outorgando-se ser mais-do-que-o-real-NECESSARIAMENTE-simplificado-do-clássico. (JUÍZO MEU, obviamente ausente em H.)

a Forma romântica (…) adquiriu um conteúdo que transcende esta Forma [clássica] e seu modo de expressão. Este conteúdo – para lembrar representações já conhecidas – coincide com o que o cristianismo afirma acerca de Deus como espírito, à diferença da crença nos deuses dos gregos que constitui o conteúdo essencial e o mais adequado para a arte clássica.”

O deus grego se destina à intuição espontânea e à representação sensível e, por isso, sua forma é o corpo do homem, o círculo de sua potência e de sua essência é individual e particular, é uma substância e poder perante o sujeito, com os quais a interioridade subjetiva apenas em si está em unidade, mas não tem esta unidade como saber subjetivo interior e próprio.” E quem liga para este saber! Só porque não durou eternamente e foi sucedido por outras formas de culto, não significa que o Olimpo seja inferior!

pelo fato de saber que é animal, deixa de sê-lo e se dá o saber de si como espírito.”

Eu poderia acrescentar: pelo fato de se saber isento da desmesura, o modelo grego deixa de ser humano (falível) e se torna de facto divino!

H. não compreendeu a completude grega, que projeta no dogma cristão: “Do mesmo modo, a unidade da natureza humana e divina é algo sabido e apenas por meio do saber espiritual e no espírito é uma unidade realizada. O novo conteúdo assim conquistado [a posteriori, com lendas, no papel] não está, portanto, atado à exposição sensível, como a que lhe corresponde, mas está livre desta existência imediata que deve ser estabelecida, superada e refletida negativamente na unidade espiritual. Deste modo, a arte romântica é a arte se ultrapassando [Hinausgehen] a si própria, mas no interior de seu próprio âmbito e na própria Forma artística.”

3. O indivíduo e seu “ânimo” como a grande 3ª Forma hegeliana!

A interioridade comemora seu triunfo sobre a exterioridade e faz com que esta vitória apareça no próprio exterior e por intermédio dele, fazendo com que o fenômeno sensível desapareça na falta de valor.” Hegel

A exterioridade comemora seu triunfo sobre a interioridade e faz com que esta vitória apareça no próprio interior e por intermédio dele, fazendo com que o metafísico e espiritual desapareçam na falta de valor.” Eu!

O lado da existência exterior é entregue à contingência e abandonado à aventura da fantasia, cuja arbitrariedade pode tanto espelhar o que está presente, tal como está presente, como também embaralhar e distorcer grotescamente as configurações do mundo exterior. (…) e é capaz de conservar ou reconquistar esta reconciliação consigo mesmo em todo tipo de contingência e acidentalidade que por si mesmo se configura, em todo infortúnio e dor e até mesmo no próprio crime. Por meio disso surge novamente a indiferença, inadequação e separação entre a Idéia e a forma – como no simbólico –, mas com a diferença essencial de que no romântico a Idéia deve aparecer em si mesma completa como espírito e ânimo. Por esta razão, esta perfeição superior se priva da correspondente união com a exterioridade, sendo que somente pode buscar e completar sua verdadeira realidade e aparição [Erscheinung] em si mesma.”

Em termos gerais (…) As 3 Formas consistem na aspiração, na conquista e na ultrapassagem do ideal como a verdadeira Idéia da beleza.”

as Formas de arte universais devem nesta terceira parte se mostrar também como determinação fundamental para a divisão e identificação das artes particulares

por um lado, as artes particulares pertencem especificamente a uma das Formas de arte universais e constituem sua adequada efetividade artística exterior; por outro lado, apresentam a totalidade das Formas de arte 2º seu modo de configuração exterior.”

A primeira das artes particulares (…) é a bela arquitetura.” “o tipo fundamental da arquitetura é a Forma de arte simbólica.”

Ela permite que uma envoltura se erga para o alto para a reunião dos fiéis – enquanto proteção contra a ameaça da tempestade, contra a chuva, o mau tempo e animais selvagens”

é por meio da arquitetura que o mundo exterior inorgânico é purificado, ordenado simetricamente”

Em segundo lugar, neste templo entra então o próprio Deus, na medida em que o raio da individualidade bate na massa inerte, a penetra, e a própria Forma infinita do espírito, não mais meramente simétrica, concentra e configura a corporeidade. Esta é a tarefa da escultura.” “assume a Forma de arte clássica como seu tipo fundamental.”

Nesse esquema ridículo de Hegel, a terceira manifestação não é a terceira arte, como se poderia imaginar, mas praticamente a soma de todas as artes tipicamente modernas.

temos a pintura, a música e a poesia.”

A primeira arte, que ainda se encontra próxima da escultura, é a pintura.” Não diga, Einstein.

A segunda arte (…) é a música.” Todo poeta se põe em último (e com isso quero dizer 1º) lugar.

o som, o sensível estabelecido negativamente”

ARQUITETURA HEGELIANA (COF, COF!): “a música constitui novamente o ponto central das artes românticas e o ponto de transição entre a sensibilidade espacial abstrata da pintura e a espiritualidade abstrata da poesia.”

A aparição do cinema refuta toda a Estética hegeliana.

música poesia

sensação signo

E nessa teimosia, H. pensa ganhar alguma coisa…

o audível e o visível se rebaixaram à mera alusão do espírito.”

Mas, exatamente neste estágio supremo, a arte também ultrapassa a si mesma, na medida em que abandona o elemento da sensibilização reconciliada do espírito, e da poesia da representação passa para a prosa do pensamento.”

Na verdade, tentaram-se muitas vezes outros tipos de divisões, pois a obra de arte oferece tal riqueza de aspectos que, como muitas vezes ocorreu, podemos estabelecer ora este, ora aquele como fundamento de divisão” Não pode ser deus dos filósofos aquele que sequer sabe dançar.

Último parágrafo da introdução: “Portanto, o que as artes particulares realizam em obras de arte singulares, segundo o conceito, são apenas as Formas universais da Idéia de beleza que a si se desenvolve; enquanto que na sua efetivação exterior ergue-se o amplo panteão da arte, cujo construtor e mestre de obras é o espírito do belo que se apreende a si mesmo, mas que a história mundial irá consumar apenas em seu desenvolvimento de milênios.”

PARTE I. A IDÉIA DO BELO ARTÍSTICO OU O IDEAL

POSIÇÃO DA ARTE EM RELAÇÃO À EFETIVIDADE FINITA E À RELIGIÃO E À FILOSOFIA

Mas, como subjetividade, o espírito é primeiramente apenas em si a verdade da natureza, na medida em que ainda não tornou seu verdadeiro conceito para si mesmo. A natureza não lhe está contraposta como o outro posto por meio dele, no qual ele retorna a si mesmo, mas como ser-outro [Andersseins] insuperado e limitado, ao qual, como se o outro fosse um objeto encontrado à frente, o espírito permanece relacionado enquanto o subjetivo em sua existência de saber e de vontade e apenas pode figurar em natureza o outro lado.” grifos do autor, como nas próximas citações.

Este é o ponto de vista do espírito apenas finito, temporal, contraditório e, por isso, passageiro, insatisfeito e não-beato.”

O espírito apreende a própria finitude como o negativo de si mesmo e conquista a partir disso sua infinitude. (…) por meio disso ele se torna para-si-mesmo (…) O próprio absoluto se torna objeto do espírito, na medida em que o espírito entra no estágio da consciência e se diferencia em si mesmo como aquele que sabe [Wissendes] e, em face desse saber, como objeto absoluto do saber.” “Mas na consideração especulativa superior, é o próprio espírito absoluto, para ser para-si o saber-de-si-mesmo, diferencia-se (sic) em-si-mesmo e, assim, põe a finitude do espírito, no seio da qual ele se torna objeto absoluto do saber-de-si-mesmo. Assim, ele é espírito absoluto em sua comunidade, o absoluto efetivo como espírito e saber-de-si-mesmo. § Este é o ponto pelo qual devemos começar na filosofia da arte.”

O fato de as coisas serem assim, podemos aqui apenas indicar; a demonstração científica compete às disciplinas filosóficas precedentes; à lógica, cujo conteúdo é a Idéia absoluta enquanto tal, à filosofia natural como à filosofia das esferas finitas do espírito.” Nunca é função da filosofia demonstrar nada empiricamente.

a partir das relações contingentes de sua mundanidade e do conteúdo finito de seus fins e interesses, se abre para a consideração e execução de seu ser-em-si-e-para-si.”

Em primeiro lugar, temos o amplo sistema das necessidades físicas, para as quais trabalham os grandes círculos da indústria em sua larga produção e conexão, o comércio, a navegação e as artes técnicas; mais acima está o mundo do direito, das leis, da vida em família, a divisão em classes, todo o âmbito abrangente do Estado; a seguir, a necessidade da religião que se encontra em cada ânimo e se satisfaz na vida religiosa; por fim, a atividade multiplamente dividida e intrincada na ciência, o conjunto dos dados e conhecimentos, que tudo abarca em si mesmo. No seio destes círculos também se apresenta a atividade na arte, o interesse pela beleza e a satisfação espiritual com as suas configurações. Aqui surge então a questão acerca da necessidade interna de uma tal necessidade no contexto dos restantes âmbitos da vida e do mundo.”

O conteúdo de um livro, p.ex., pode ser indicado em algumas palavras ou períodos e nele não deve aparecer outra coisa a não ser o universal já indicado no índice. [E vai fazer o quê se eu incluir outra coisa? Matar minha mãe? Brincadeiras à parte, é realmente uma péssima idéia hegeliana, não digo tradução, pois não é o caso, faz-se o que se consegue fazer: índice e conteúdo são a mesma palavra em alemão, Inhalt. Ok, um livro não possui mais que seu conteúdo, não a representação de seu conteúdo, mas seu conteúdo em si.] O abstrato é este elemento simples, que corresponde ao tema e constitui o fundamento para a execução; o concreto, em contrapartida, é a execução.”

Passar por este processo de contraposição, de contradição e de solução da contradição é o privilégio superior das naturezas vivas. O que por si é e permanece apenas afirmativo, é e permanece sem vida. A vida caminha para a negação e para a dor que acompanha a negação e é somente afirmativa por si mesma por meio da eliminação da contraposição e da contradição.”

Os animais vivem em satisfação consigo e com as coisas que estão à sua volta, mas a natureza espiritual do homem impulsiona a dualidade e o dilaceramento, em cuja contradição ele se debate.”

Podemos designar de modo universal a vida desta esfera, este gozo da verdade que, enquanto sentimento, é beatitude e, enquanto pensamento, é conhecimento, como a vida na religião.”

A arte, por meio da ocupação com o verdadeiro enquanto objeto absoluto da consciência, também pertence à esfera absoluta do espírito e, por isso, segundo seu conteúdo, encontra-se no mesmo terreno da religião, no sentido mais específico do termo, e da filosofia.”

a filosofia não possui outro objeto a não ser Deus, sendo assim essencialmente teologia racional e, por estar a serviço da verdade, é culto divino continuado.”

os poetas e os artistas foram para os gregos os criadores de seus deuses, i.e., os artistas deram à nação a representação determinada do fazer, da vida e da atuação dos deuses, portanto o conteúdo determinado da religião. E certamente não no sentido de que estas representações e ensinamentos já estavam presentes antes da poesia num modo abstrato da consciência, enquanto proposições universais religiosas e determinações do pensamento que a seguir foram por artistas revestidas em imagens e envoltas externamente com o enfeite da poesia. Antes, pelo contrário, o modo da produção artística era tal que aqueles poetas apenas podiam destacar o que neles fermentava nesta forma da arte e da poesia.” “Esta seria a posição original, verdadeira, da arte enquanto primeira auto-satisfação imediata do espírito absoluto.” “no caso de Platão, que já se opôs com veemência aos deuses de Homero e Hesíodo. No progresso da formação cultural, surge em geral em cada povo uma época em que a arte aponta para além de si mesma.”

Podemos bem ter a esperança de que a arte vá sempre progredir mais e se consumar, mas sua forma deixou de ser a mais alta necessidade do espírito.” “Podemos descrever este progresso da arte para a religião dizendo que a arte é apenas um aspecto para a consciência religiosa.” “a devoção não pertence à arte enquanto tal.” “A devoção é este culto da comunidade em sua forma mais pura, interior e subjetiva”

PRIMEIRO CAPÍTULO. CONCEITO DO BELO EM GERAL

A Idéia é um todo segundo os 2 lados do conceito subjetivo e objetivo, mas ao mesmo tempo a concordância e unidade mediadas, que eternamente se realizam e se realizaram, dessas totalidades. Apenas assim a Idéia é a verdade e toda verdade.” “O fenômeno não é ainda verdadeiro apenas porque tem existência [Dasein] interior ou exterior e é em geral realidade, mas somente porque esta realidade corresponde ao conceito. (…) E, de fato, verdade não em sentido subjetivo, quando uma existência se mostra adequada às minhas representações, mas na significação objetiva, quando o eu ou um objeto exterior, a ação, o acontecimento e o estado, realizam em sua efetividade o próprio conceito. Se esta identidade não se dá, o existente [Daseiende] é apenas um fenômeno no qual, em vez de se objetivar o conceito total, apenas se objetiva algum aspecto abstrato dele; aspecto que pode atrofiar-se até a oposição contra o verdadeiro conceito, na medida em que se autonomiza em si mesmo contra a totalidade e unidade.”

A Idéia é verdadeira tal como ela é segundo seu em-si e princípio universal e, enquanto tal, é pensada. (…) O belo se determina como aparência [Scheinen] sensível da Idéia. Pois o sensível e objetivo em geral não guardam na beleza nenhuma autonomia em si mesmos, mas têm de abdicar da imediatez de seu ser, já que este ser é apenas existência e objetividade do conceito e é posto enquanto uma realidade que expõe o conceito enquanto em unidade com sua objetividade e, por isso, nesta existência objetiva, que apenas vale como aparência do conceito, expõe a própria Idéia.”

o entendimento sempre permanece preso ao finito, unilateral e não-verdadeiro.”

o conceito não permite à existência [Existenz] exterior seguir por si mesma leis próprias no belo, mas determina a partir de si sua articulação e forma fenomênicas que, enquanto concordância do conceito consigo mesmo, constituem igualmente em sua existência [Dasein] a essência do belo.”

Enquanto inteligência finita, sentimos os objetos interiores e exteriores, os observamos e percebemos de modo sensível, deixamos que venham à nossa intuição e representação e inclusive às abstrações de nosso entendimento pensante, que lhes dá a forma abstrata da universalidade. Neste caso, a finitude e a não-liberdade residem no fato de as coisas serem pressupostas como autônomas. Por isso, nos orientamos pelas coisas, deixamos que elas atuem e mantemos nossa representação, etc., presa à crença nas coisas, já que estamos convencidos de apenas apreender corretamente os objetos quando nos portamos de modo passivo e limitamos toda a nossa atividade à formalidade da atenção e ao impedimento negativo de nossas imaginações [Einbildungen], opiniões prévias e preconceitos. Mediante esta liberdade unilateral dos objetos está imediatamente posta a não-liberdade da apreensão subjetiva. Pois, para a apreensão subjetiva, o conteúdo está dado [gegeben] e, no lugar da autodeterminação subjetiva, surge a mera recepção e o acolhimento do existente, tal como se encontra à nossa frente enquanto objetividade. A verdade só deve ser alcançada pela submissão da subjetividade.

A mesma coisa tem lugar junto à volição finita, mesmo que de um modo oposto. Aqui os interesses, os fins e as intenções estão no sujeito que quer fazer valê-los contra o ser as propriedades das coisas. (…) Agora, pois, retira-se a autonomia das coisas, na medida em que o sujeito as coloca a seu serviço e as observa e manipula como úteis (…) de tal modo que sua relação, na verdade sua relação utilitária com fins subjetivos, constitua sua autêntica essência.”

O sujeito é finito e não-livre no teorizar por meio das coisas, cuja autonomia é pressuposta; no campo prático não é livre por causa da unilateralidade, da luta e da contradição interna dos fins e dos impulsos e paixões suscitados a partir do exterior, bem como por causa da resistência nunca totalmente eliminada dos objetos.”

Idêntica finitude e não-liberdade atinge o objeto em ambas as relações. Embora pressuposta, sua autonomia no teórico é apenas uma liberdade aparente. Pois a objetividade enquanto tal apenas é, sem que seu conceito como unidade e universalidade subjetivas seja em seu seio para ela. O conceito está fora dela. (…) Na relação prática, esta dependência enquanto tal é expressamente posta [gesetzt], e a resistência das coisas diante da vontade permanece relativa, sem que possua em si mesma a potência da autonomia última.”

Um modo um tanto desajeitado de expor a ‘realidade das coisas’: “a consideração do belo é de natureza liberal, um deixar-atuar os objetos enquanto em si mesmos livres e infinitos, e não um querer-possuir-e-utilizá-los-como-úteis para necessidades e intenções finitas, de modo que o objeto como belo também não aparecerá nem oprimido e forçado por nós, nem combatido e superado pelas demais coisas externas.”

Mediante esta liberdade e infinitude, que o conceito do belo assim como a bela objetividade e sua consideração subjetiva trazem em si mesmos, o âmbito do belo é arrancado da relatividade das relações finitas e elevado ao reino absoluto da Idéia e de sua verdade.”

SEGUNDO CAPÍTULO. O BELO NATURAL

O inanimado: “Este é o 1º modo da existência do conceito.” “tais corpos isolados em si mesmos são existências abstratas defeituosas.”

A objetividade: “a separação [Auseinandertreten] autônoma das diferenças do conceito.” “P.ex. o sistema solar. O sol, os cometas, as luas e os planetas aparecem, por um lado, como corpos celestes autônomos separados uns dos outros; por outro lado, porém, eles são o que são apenas por meio de sua posição determinada no seio de um sistema total de corpos.”

O conceito, contudo, não permanece preso a esta unidade meramente existente-em-si [an sich seienden] dos corpos particulares autonomamente. Além da diferença, a unidade tem de tornar-se real.”

A unidade ideal: “estágio da existência real, corporal e autônoma contra a própria separação recíproca. No sistema solar, podemos falar do sol. – Mas esta unidade ideal ainda é insuficiente. Se o sol for a alma do sistema, tem ele mesmo ainda uma subsistência autônoma fora dos membros que são a explicação desta alma. Ele mesmo é apenas um momento do conceito, uma unidade incompleta”

A unidade concreta: “a luz do sol é ainda uma luz qualquer, abstrata” Também assim não se avança (um momento do real não é o real).

A negação da negação da unidade: “as diferenças retornaram à unidade subjetiva.” “O conceito não permanece mais mergulhado na realidade, mas vem à existência nela, enquanto a própria identidade e universalidade interiores constituem sua essência.”

Somente este terceiro modo do fenômeno natural [da unidade conforme exposto aqui] é uma existência da Idéia e a Idéia, enquanto natural, é a vida. A natureza morta inorgânica não é adequada à Idéia e apenas a natureza viva orgânica é uma efetividade dela.”

não devemos conceber a identidade da alma e do corpo como mera conexão, mas de um modo mais profundo.”

doença (…) a vitalidade ruim e atrofiada”

Este pôr e solucionar a contradição da unidade ideal e da separação recíproca real dos membros constitui o constante processo e a vida apenas existe enquanto processo (Prozess).”

idealista não é apenas a filosofia, e sim já a natureza enquanto vida faz faticamente (faktisch) o mesmo que a filosofia idealista realiza em seu campo espiritual.”

A realidade, que a Idéia enquanto vitalidade natural conquista, é, por isso, realidade fenomênica. O fenômeno, a saber, não significa nada mais a não ser que uma realidade existe (existiert) e que não tem, todavia, imediatamente, seu ser-em-si-mesma, e sim é ao mesmo tempo em sua existência (Dasein) posta negativamente.”

Até o momento consideramos o real particular em sua particularidade acabada enquanto o afirmativo. Esta autonomia, entretanto, é negada no vivente e apenas a unidade ideal no seio do organismo corporal conquista a potência da relação afirmativa sobre-si-mesma. (…) Se, portanto, é a alma que aparece no corpo, [e não o corpo na alma, absurdo epistemologicamente, embora indiferente da perspectiva de quem entende a união indissolúvel corpoalma] o fenômeno é simultaneamente afirmativo.”

Alma: “potência contra a particularização autônoma dos membros; mas é também a escultora deles”

o exterior que apenas permanece exterior nada mais é do que uma abstração e unilateralidade. Entretanto, no organismo vivo temos um exterior no qual aparece o interior”

uma vez que na objetividade o conceito enquanto conceito é a subjetividade que se refere a si [uma vez que a realidade é forçosamente subjetiva], em sua realidade existente para-si, a vida existe apenas como algo vivo (Lebendiges), enquanto singularidade. (…) este ponto de união é negativo porque o ser-para-si subjetivo apenas pode surgir por meio do pôr-idealmente (Ideelsetzen) as diferenças reais enquanto apenas reais, ao que está ligada, porém, ao mesmo tempo a unidade subjetiva e afirmativa do ser-para-si.” Só podemos existir como diferença dinâmica do que não é real (objetivo) para nós.

esta totalidade não está determinada a partir de fora e é mutável, pois se configura e se processa a partir de si mesma, estando assim sempre referida a si como unidade subjetiva e finalidade própria.”

Selbstbewegung

se o movimento dos planetas e assim por diante não aparece como impulso exterior e enquanto estranho aos corpos, este movimento está, todavia, ligado a uma lei fixa e a sua necessidade abstrata.”

o animal ainda tem em seu organismo espacialidade sensível a partir dele mesmo e a vitalidade é automovimento no seio desta realidade, como circulação sanguínea, movimento dos membros e assim por diante.”

o belo natural vivo não é nem belo para-si mesmo nem produzido-a-partir-de-si-mesmo como belo e em vista da bela aparição (Erscheinung). A beleza natural é apenas bela para um outro, i.e., para nós, para a consciência que concebe a beleza.”

A música, a dança, certamente possuem movimento em si mesmas; este, porém, não é apenas casual e arbitrário como o do animal, mas em si mesmo conforme a leis, determinado, concreto e mensurável – mesmo que ainda façamos totalmente abstração do significado, de quem o movimento é a bela expressão.” “Nem a intuição sensível dos desejos singulares e casuais, dos movimentos e satisfações arbitrários nem a consideração do entendimento da conformidade a fins do organismo transformam, para nós, a vitalidade animal em belo natural”

Na sensação (Empfindung) e em sua expressão mostra-se a alma como alma.”

O hábito é apenas uma necessidade subjetiva. Segundo este critério, podemos achar os animais feios, porque mostram um organismo que se afasta de nossas intuições habituais ou as contradiz.”

designamos organismos animais de bizarros (…) por exemplo, peixes cujo corpo grande de modo desproporcional acaba num rabo curto e cujos olhos, num lado, estão um ao lado do outro. Quanto às plantas, [nós europeus] já estamos mais acostumados com os mais variados desvios, embora os cactos com seus espinhos e a formação mais retilínea de seus braços angulares possam parecer estranhos. Quem possui formação e conhecimento vastos de história natural, a este respeito irá tanto conhecer precisamente as partes singulares como também guardará na memória a maior quantidade de tipos, segundo sua coesão recíproca, de tal modo que pouca coisa incomum lhe aparecerá diante dos olhos.”

Cuvier era famoso por, pela visão de um só osso – fosse ele fóssil ou não –, poder estabelecer a qual espécie animal o indivíduo detentor deste osso pertencia.”

ex ungue leonem: da unha o leão

das garras, do fêmur, é extraída a constituição dos dentes, destes a figura do osso ilíaco [relativo à cintura], a forma da vértebra dorsal.”

Sentido:

a) órgão da apreensão imediata – ôntico, fenomenal

b) significado universal – ontológico, essencial

Qual é o sentido do ser? A visão ontológica!

Aquele que além de tudo ainda foi um mestre naturalista (polímata desgraçado!): “Goethe abordou de modo ingênuo os objetos, mediante consideração sensível, e possuía ao mesmo tempo o completo pressentimento de sua conexão de ordem conceitual. Também a história pode ser assim apreendida e narrada, de modo que por meio dos acontecimentos e indivíduos singulares transpareçam secretamente sua significação essencial e sua conexão necessária.”

a natureza em geral, como exposição sensível do conceito concreto e da Idéia, haveria de determinar-se bela, na medida em que [n]a intuição das configurações naturais de ordem conceitual é pressentida uma tal correspondência, e na consideração sensível nasce, ao mesmo tempo, para o sentido, a necessidade e a conco[r]dância da articulação total. [Mas] a intuição da natureza enquanto bela não avança para além desse pressentimento” Essa edição da tradução possui muitos erros tipográficos (complemento com meus colchetes).

Quase se pode formular: quanto mais idiota é a pessoa, mais ela tende a se maravilhar com “as belezas naturais” contingentes. Os verdadeiros grandes espíritos admiram a natureza a sua maneira: conceitualmente, com um olhar sobre o todo, não sobre o caos que predomina nas partes.

o cristal natural nos causa admiração por meio de sua forma regular que não é produzida por nenhuma influência mecânica apenas externa, mas por meio da determinação interior peculiar e força livre, livre do ponto de vista do próprio objeto.”

O bicho-preguiça, [adiciono aqui também o panda, embora atualmente sintamos muita simpatia por esse tipo de animal ‘indolente’!] pelo fato de apenas se arrastar com dificuldade e cuja totalidade do hábito apresenta a incapacidade para o movimento rápido e a atividade, desagrada por causa desta preguiça sonolenta.”

A SAPOMANIA PÓS-MODERNA: “Igualmente não podemos achar belos os anfíbios, alguns tipos de peixes, crocodilos, sapos, tantas espécies de insetos, etc. Mas em particular, seres híbridos, que constituem a passagem de uma forma determinada para outra e mesclam sua forma, poderão chamar nossa atenção, embora apareçam como feios, como o ornitorrinco, que é uma mistura de pássaro e animal quadrúpede. Também este modo de julgar pode primeiramente parecer mero hábito, na medida em que concebemos um tipo sólido dos gêneros animais.”

Disposição anímica (Gemütstimmung): simplesmente aquilo que Kant chamaria de sublime, por mexer com nossas emoções.

ORIGENS DO MITO DE YGGDRASIL? <A ÁRVORE QUE NÃO PÁRA DE CRESCER, ATÉ SE TORNAR FONTE DE TODA A VITALIDADE DA TERRA>… “O animal certamente também cresce, mas permanece estagnado num determinado ponto de grandeza e se reproduz enquanto autoconservação de um e mesmo indivíduo. Já a planta cresce sem parar; o aumento de seus galhos, folhas e assim por diante se suspende apenas com a sua morte.” “cada galho é uma nova planta e não é como no organismo animal apenas um membro singularizado.” “Falta à planta sua unidade ideal de sensação.”

NIETZSCHE NÃO ESCOLHE FIGURAS DE LINGUAGEM AO ACASO: “Este caráter do constante impulsionar-se-a-si-sobre-si-para-fora¹ (Sich-über-sich-Hinaustreibens) no exterior, transforma, pois, também a regularidade e a simetria, enquanto unidade no exterior-a-si-mesmo (Sichselberäusserlichen), em um momento principal para as configurações vegetais.”

¹ Rudimentos do contínuo superar-se-a-si-mesmo-e-transvalorar-se humano!

Também no orgânico, portanto, a regularidade tem o seu direito de ordem conceitual, mas apenas junto aos membros que fornecem os instrumentos para a relação imediata com o mundo exterior e não operam a referência do organismo a si mesmo enquanto subjetividade da vida que retorna a si mesma.” Possuímos dois olhos, dois ouvidos, um nariz bipartido, lábios simétricos, membros, etc., para nos relacionarmos com o mundo, porém o que há de mais importante, i.e., estômago, intestino, pulmões (até certo ponto, isto é, pois também se relacionam ao externo, mesmo em localidade ‘invisível’, para coletar oxigênio), coração e cérebro, já não possuem essa regularidade dual, assim como a musculatura do lado esquerdo (inverso do hemisfério nervoso das paixões – vontade) se desenvolve diferentemente da musculatura do lado direito (inverso do hemisfério nervoso do intelecto). Outrossim, a ambidestria é incomum, mesmo impossível, se não for perfeitamente forçada.

A linha oval possui liberdade superior na interior conformidade a leis. Ela é conforme a leis, todavia não se conseguiu encontrar matematicamente a sua lei. Ela não é uma elipse, e sim está curvada no alto de modo diferente do que embaixo.”

A última superação do meramente regular na conformidade a leis encontra-se nas linhas que, semelhantes às linhas ovais, porém seccionadas segundo seu eixo maior, fornecem metades desiguais, na medida em que um lado não se repete no outro, mas oscila de modo diferente. A assim chamada linha ondulante é desta espécie, tal como Hogarth(*) a designou como linha da beleza. Assim, p.ex., as linhas do braço giram num lado de modo diferente do que noutro. Há aqui conformidade a leis sem mera regularidade. Tal espécie de conformidade a leis determina em grande variedade as formas dos organismos vivos superiores.

(*) William Hogarth (1697-1764), pintor inglês, autor de uma obra de estética, A Análise da beleza (1753), onde a linha serpenteada é considerada como elemento primordial do belo, superior à linha reta (N.T.).”

A harmonia: “Assim, p.ex., o azul, o amarelo, o verde e o vermelho são diferenças de cor necessárias que residem na própria essência da cor. Nelas não temos apenas desigualdades como na simetria, que se combinam regularmente para a unidade externa, mas contraposições diretas, como a do amarelo e do azul e sua neutralização e identidade concreta.” “A exigência de tal totalidade pode ir tão longe a ponto de, como diz Goethe, o olho, mesmo tendo apenas uma cor enquanto objeto à frente, ver de modo subjetivo igualmente a outra.” “Mas também a harmonia enquanto tal ainda não é a subjetividade e a alma livres e ideais. Nestas a unidade não é mera correspondência recíproca e concordância, mas um pôr-negativo-das-diferenças, mediante as quais se realiza apenas sua unidade ideal. A harmonia não chega a tal idealidade.”

Principalmente os dialetos apresentam sons impuros, sons intermediários como ao.” “as línguas nórdicas freqüentemente deformam o som das vogais por meio de suas consoantes, ao passo que a língua italiana mantém esta pureza e por isso é tão cantante.”

Chama cores primárias de “cores cardinais”. Cores derivadas são “abafadas”.

Até o momento consideramos o belo natural como a 1ª existência do belo; é preciso agora perguntar como o belo natural se distingue do belo artístico.” “por que a natureza é necessariamente imperfeita em sua beleza e de onde brota esta imperfeição?”

A idéia platônica ainda não é o verdadeiramente concreto, pois, apreendida em seu conceito e em sua universalidade, ela já vale como o verdadeiro. Tomada nesta universalidade, porém, ela ainda não se efetivou e não é em sua efetividade o verdadeiro por si mesmo. Ela permanece presa ao mero em-si.”

indigência universal”

Esta é a prosa do mundo, tal como aparece à consciência tanto de um quanto de outro indivíduo, um mundo da finitude e da mutabilidade, do entrelaçamento no relativo e da pressão da necessidade à qual o indivíduo singular não é capaz de se subtrair. Pois cada vivente singular permanece preso à contradição de ser para si mesmo fechado enquanto este ser uno e igualmente depender dos outros; e a luta pela solução da contradição não consegue ultrapassar a tentativa e a continuação da constante guerra.”

#(relativo)OFFTOPIC: O que é o além-homem nietzschiano (da ótica do devir estético humano descrito por Hegel em seus Cursos de Estética)? Pensando em termos de teoria da evolução das espécies segundo Darwin, póstuma a Hegel mas com certeza prefigurada em seus contornos e bastante de seu conteúdo pelo filósofo idealista alemão, o além-homem (tradução melhor para o ambíguo super-homem do português do original “Übermensch”) seria o primeiro animal autodeterminado. Pela primeira vez a seleção do devir da espécie pode ser um adestramento, adestramento de si próprio, a construção de uma humanidade propriamente dita (ainda inexistente), ao contrário da seleção entregue às puras contingências externas. Um projeto de além-homem inclui desde o último homem ou sub-homem (o obstáculo a superar), o homem (espécie de consciência intermediária, os que não são obstáculos reativos e reacionários, mas não são ativos nessa transvaloração dos valores ou conscientes da questão) e os filósofos de vanguarda, entregues à “causa”. Com o decorrer do tempo, num mundo já pós-ocidental (num nível não-concebido por nós, que de certa forma já vivemos num contexto de superação da metafísica ocidental), inclui(rá) o próprio ente que se vê nessa transição epocal (Zaratustras? enunciadores, ainda aquém do além-homem em si) e, finalmente, o próprio além-homem, que não é mais “homem”, mas que só poderá existir pelo esforço do que um dia já foi homem, e provavelmente coexistiria com ele eternamente, qualquer que seja a nova conformação social. Seria como se realmente, sem recorrer a algo transcendental, um sujeito hipostasiado que explique a evolução (em Darwin é a própria cientificidade de sua teoria, p.ex.), pudéssemos ver o peixe, o anfíbio e os (depois dos répteis, evidentemente, até chegar a nossa identidade no reino dos) mamíferos como atores e autores do seu próprio projeto de “viagem do mar à terra”, faces de um mesmo todo. Obviamente, apenas o homem é capacitado para integrar um projeto multifacetado como este (aquilo que deve ser conscientemente superado). A tríade peixe-anfíbio-animal terrestre não passa, em contraposição, de um caos tornado destino, por se localizar em nosso passado, evolução involuntária, impessoal, figuras que não dialogam entre si (precisamente por não discursarem ou dialogarem em absoluto, atributo definidor de “homem”).

A contingência das formas não encontra fim. Por isso, quanto ao conjunto, as crianças são as mais belas, porque nelas ainda estão adormecidas todas as particularidades como num embrião fechado e em silêncio, na medida em que ainda nenhuma paixão limitada revolve seu peito e nenhum dos múltiplos interesses humanos, com a expressão de sua miséria, a[s]fix[i]ou-se firmemente nos traços passageiros. Mas, embora a criança em sua vitalidade apareça como a possibilidade de tudo, faltam a esta inocência igualmente os traços profundos do espírito, que é impelido a exercer-se-a-si-em-si-mesmo e a encontrar direções e fins essenciais.”

[Nossa carência congênita] é a razão porque (sic) o espírito não pode reencontrar a visão e o gozo imediatos desta sua verdadeira liberdade na finitude da existência (…) e, por isso, [busca-se] um terreno superior (…) a arte e sua efetividade ideal.”

conquista[-se] um fenômeno exterior, no qual não mais aparece a indigência da natureza e da prosa, mas uma existência digna da verdade que, por seu lado, permanece em livre autonomia, na medida em que possui sua determinação em si mesma”

TERCEIRO CAPÍTULO. O BELO ARTÍSTICO OU O IDEAL

se perguntarmos em qual órgão particular o todo da alma enquanto alma aparece, indicaremos imediatamente o olho; pois no olho se concentra a alma e ela não apenas olha através dele, mas também é vista nele.”

como exclama Platão no célebre dístico a Aster: [onde encontrar?]

Quisera ser eu o céu, ó minha estrela, quando você olha as estrelas!

Para observá-la do alto com mil olhos!”

Segundo Hegel, a sensibilidade artística, se fosse uma pele, seria uma pele inteiramente revestida por olhos. Não é à toa que quimeras e criaturas mitológicas com um “corpo de cem ou mil olhos” são comuns em praticamente qualquer cultura, transpassando para a vida moderna (The Legend of Zelda – Jabu-Jabu’s Belly –, Hunter x Hunter – Youpi –, e mesmo na figura derivada do corpo-que-é-um-grande-olho de Lord of The Rings – Sauron –, etc.).

Utilizei os exemplos acima antes de ler o trecho seguinte: “a arte transforma cada uma de suas configurações num Argos(*) de mil olhos, para que a alma e a espiritualidade internas sejam vistas em todos os pontos.

(*) (…) filho de Arestor (…) Hera o encarregou de vigiar a vaca Io, mas Hermes, seguindo ordens de Zeus, matou o monstro. Para imortalizar o servidor, Hera tirou-lhe os olhos e os espalhou pela cauda do pavão, ave que lhe era consagrada. (N.T.)”

É algo completamente diferente se o retratista apenas em geral imita a fisionomia tal como se encontra a sua frente em sua superfície e forma exterior silenciosa ou se sabe expor os traços verdadeiros que são a expressão da mais própria alma do sujeito.”

as assim chamadas imagens vivas, que recentemente se tornaram moda, imitam conforme a fins e alegremente obras-primas famosas e reproduzem exatamente o detalhe, o drapê, etc.; mas, para a expressão espiritual das formas, vê-se muitas vezes o emprego de rostos do cotidiano e isso tem um efeito contraproducente.” “As Madonas de Rafael, em contrapartida, nos mostram formas do rosto, da face, dos olhos, do nariz, da boca que, enquanto formas em geral, já são adequadas ao amor materno beato, alegre e ao mesmo tempo piedoso e humilde.”

E se hoje a musa,

A livre deusa da dança e do canto,

Seu antigo direito alemão, o jogo da rima,

Modestamente de novo exige – não a recriminem!

Antes a agradeçam por lançar a imagem sombria

Da verdade no reino sereno da arte,

Por destruir ela mesma, com lealdade,

A ilusão que cria, e não imputar,

Enganosamente, à verdade sua aparência;

Séria é a vida, serena é a arte.”

Schiller

O homem subjugado ao destino [Geschick] pode perder sua vida, mas não a liberdade. Este repouso-sobre-si é o que permite que, ainda na própria dor, se mantenha e se deixe aparecer a serenidade do repouso.”

se não a fealdade, pelo menos a não-beleza (Unschönheit).”

MORBIDEZ QUE PARA HEGEL ERA SUBLIMIDADE: “Embora na arte romântica o sofrimento e a dor atinjam de modo mais profundo o ânimo e o interior [Innere] subjetivo do que nos antigos, nela, todavia, também pode vir à exposição uma interioridade [Innigkeit] espiritual, uma alegria na resignação, uma beatitude na dor e um encanto no sofrimento, mesmo uma voluptuosidade até no martírio. Mesmo na música religiosa-séria italiana este prazer e transfiguração da dor perpassem a expressão da lamentação. [único jeito das frígidas gozarem] No romântico, em geral, esta expressão é o sorriso através de lágrimas.”

Jakob Balde (1604-1688), Cid (em latim, traduzido para todas as línguas român(t)icas). Havia certa confusão nessa época na hora da atribuição do autor (quase todos apontavam os tradutores locais como reais autores da obra, etc.). Esse mesmo cavaleiro Cid, no entanto, parece ter sido uma figura quase tão universal ou pelo menos policultural quanto Fausto.

(*) “Carl Maria von Weber (1786-1826), compositor alemão. O Freischütz (O Franco-atirador) é uma ópera de 1821, baseada na obra de mesmo nome do escritor Johann August Apel (1771-1816). Primeiro sucesso de Weber no domínio da ópera e única de suas obras que permaneceu popular, o Freischütz ilustra bem a tendência romântica ao satanismo, pois o personagem central não é Max, o herói frágil, mas o malvado Kaspar, que vendeu sua alma ao diabo.”

O riso em geral é um desencadeamento explosivo que, contudo, não deve permanecer incontrolado, caso o ideal não deva ser percebido.”

CÂNONES VAGOS E RUINS DE HEGEL: “Sob certo aspecto, o princípio da moderna ironia também possui neste axioma a sua justificação, só que a ironia, por um lado, freqüentemente está destituída de toda seriedade verdadeira e ama principalmente o deleite com objetos ruins; por outro lado, acaba em mera nostalgia do ânimo em vez do agir e do ser efetivos; como Novalis, p.ex., um dos ânimos mais nobres que se encontrava neste terreno, que foi impulsionado ao vazio de interesses determinados, a esta timidez perante a efetividade e, se assim se pode dizer, [não, não pode!], alçado a esta tísica do espírito.” H. nunca escondeu, nessa e noutras obras e coletâneas de aulas, que não nutre lá uma opinião muito favorável de Novalis…

Assim, encontra-se sem dúvida na ironia aquela absoluta negatividade, na qual o sujeito se refere a si-mesmo na aniquilação das determinidades e unilateralidades; mas na medida em que a aniquilação não se refere como no cômico apenas ao que é em-si-mesmo nulo e que se manifesta em seu caráter vazio, mas na mesma medida também a tudo o que é excelente e consistente em-si, a ironia – assim como aquela nostalgia – mantém o aspecto da incompostura interior não-artística.” O erro aqui não está em atribuir “absoluta negatividade” à ironia, nem em qualquer suposto exagero ao atribuir ao sujeito irônico a capacidade da “aniquilação das determinidades e unilateralidades”: está em não dar a devida importância a este niilismo que Hegel sabia descrever mas não destacar ou valorar como necessidade ocidental (para o bem e para o mal).

a arte em geral, e de modo especial a pintura, já se afastaram, mediante outros estímulos, desta mania pelos assim chamados ideais [fala aqui no sentido da arte imitativa dos modernos, emulando o estilo clássico dos antigos] e, em seu caminho, tentaram ao menos alcançar coisas mais substanciais e mais vivas em formas e conteúdo, por meio da renovação do interesse pela pintura mais antiga italiana e alemã, assim como pela pintura holandesa tardia.

Do mesmo modo que ficamos fartos daqueles ideais abstratos, também o ficamos da naturalidade em voga na arte. No teatro, toda a gente está de coração cansado das histórias familiares banais e de sua exposição fiel à natureza. A lamentação dos homens com a mulher, os filhos e filhas, com o soldo, com a subsistência, com a dependência de ministros e intrigas dos camareiros e secretários, e igualmente a dificuldade da mulher com as criadas na cozinha e com os assuntos amorosos e sentimentais – todas estas preocupações e lamúrias cada um encontra de modo mais fiel e melhor em sua própria casa.”

(*) “A escola de Düsseldorf [na qual H. mete o pau inclementemente] constituiu um movimento de amplitude européia (e mesmo americana), cujos integrantes principais foram F. Lessing (1808-1880), autor de quadros históricos, e Ludwig Richter (1803-1884) de Dresden, que possuía um gosto por lendas populares. Mas o seu artista mais importante, que morreu ainda jovem, foi Alfred Rethel (1816-1859), grande ilustrador obcecado pelo tema da morte.”

O DELEITE DO VIRTUAL: “os objetos não nos deleitam porque são de tal modo naturais, mas porque são feitos [gemacht] tão naturalmente.”

o famoso Denner(*) não deve ser tomado como modelo em sua assim chamada naturalidade.

(*) Balthasar Denner (1685-1749), retratista e miniaturista alemão conhecido por sua técnica de representar a natureza de modo exageradamente fiel.”

[na pintura e na escultura moderna, dado nosso vestuário,] as jaquetas e as calças não variam, quer movimentemos os braços e as pernas desse ou daquele modo. No máximo as pregas se esticam de modo diferenciado, mas sempre segundo uma costura firme, como as calças na estátua de Scharnhorst(*).

(*) Gerhard von Scharnhorst (1755-1813), herói militar prussiano.”

falsa imitação da Forma natural“

Os holandeses escolheram o conteúdo de suas representações a partir deles mesmos, do presente [Gegenwar] de sua própria vida, e não se deve censurá-los por terem pela arte efetivado mais uma vez este presente [Präsente].” A Europa já se havia saturado de pinturas cristãs!

O holandês construiu em grande parte ele próprio o terreno onde mora e vive, e é forçado a defendê-lo e mantê-lo continuadamente contra o ataque do mar” “O conteúdo universal de suas imagens é constituído por esta cidadania e vontade de empreendimento nas coisas pequenas e grandes, no próprio país quanto no vasto mar” “Foi neste sentido de nacionalidade robusta que Rembrandt pintou sua famosa Ronda Noturna em Amsterdan, que Van Dyck pintou tantos de seus retratos, Wouwerman suas cenas de cavaleiros, e mesmo aqueles banquetes, jovialidades e festas agradáveis dos camponeses se situam neste contexto.”

Rembrandt, Ronda Noturna

Num sentido semelhante, os meninos mendigos de Murillo (na galeria central de Munique) são primorosos. Considerado segundo o exterior, o objeto aqui também é da natureza comum: a mãe cata piolhos em um dos meninos enquanto ele come seu pão em silêncio; outros dois num quadro semelhante, esfarrapados e miseráveis, comem melancias e uvas. Mas precisamente nesta pobreza e quase nudez brilha interna e externamente nada mais do que a total indiferença e despreocupação; um Dervixe [asceta hindu] não as poderia ter melhor” “Em Paris há um retrato de menino de Rafael: a cabeça está apoiada preguiçosamente sobre o braço e olha com tal beatitude de satisfação destituída de preocupação para o horizonte e para o vazio que não conseguimos parar de observar esta imagem de saúde alegre e espiritual.”

Tais quadros de gêneros, porém, devem ser pequenos e aparecer em todo o seu aspecto sensível como algo insignificante, como algo que já superamos no que diz respeito ao objeto exterior e ao conteúdo. Seria insuportável vê-los executados em tamanho natural e, assim, com a pretensão de que pudessem efetivamente nos satisfazer em sua totalidade.”

Von Rumohr (o “Anti-Winckelmann”), Investigações Italianas, vol. I: “o senhor Rumohr parece acreditar que o prolongamento do abdômen, que Winckelmann em História da Arte da Antiguidade (1764), livro 5, cap. 4, #2, designa como característica dos ideais das formas antigas, é deduzida de estátuas romanas.” “a beleza a mais importante repousa sobre aquele simbolismo das formas, dado na natureza e não-fundado sobre o arbítrio humano”

As formas naturais existentes do conteúdo espiritual devem ser tomadas como simbólicas no sentido universal, já que não valem por si imediatamente” Agora H. melhorou um pouco o tal sr. Rumor!

as esculturas gregas descobertas recentemente como de fato pertencentes a Fídias impõem-se sobretudo pela vitalidade profunda [de fisionomias universais].”

[já] Homero [- em seu meio literário -] pôde descrever o caráter de Aquiles igualmente tanto como duro e atroz quanto como suave e cordial e segundo ainda tantos outros traços d’alma.”

Em pinturas alemãs e holandesas antigas encontra-se freqüentemente reproduzido o mecenas com sua família, mulher, filhos e filhas. Eles devem todos aparecer imersos em devoção, e a religiosidade brilha efetivamente em todos os traços (…) reconhecemos nos homens bravos guerreiros (…) muito experimentados na vida e na paixão, e nas mulheres (…) esposas de semelhante qualidade (…) Se, nestas pinturas, que são famosas no que diz respeito a suas fisionomias verdadeiramente naturais, compararmos estas fisionomias com Maria ou com os santos e apóstolos que estão presentes ao lado, podemos, em contrapartida, ler nestes rostos apenas uma expressão, e todas as formas, a estrutura óssea, os músculos, os traços de repouso e de movimento estão concentrados nesta única expressão. A diferença entre o autêntico ideal e o retrato é dada pelo que apenas se ajusta ao conjunto.”

Agora vem uma chuva de teologia historicista aborrecida pra caralho:

em 1º lugar, a única substância divina se cinde e se dispersa em uma pluralidade de deuses que repousam em si mesmos de modo autônomo, tal como na intuição politeísta da arte grega; e também para a representação cristã o Deus aparece, perante sua unidade puramente espiritual, imediatamente como homem entrelaçado no âmbito do terreno.”

2º lugar: os santinhos do pau oco etc.

3º lugar: o indivíduo (o protestante!) – logo, temos Luteros também na pintura e demais artes

Começa-se a rezar para passar em medicina, etc.

OS FABULOSOS X-OLIMPIANOS: O Olimpo é um gibi da Marvel: termina, se bem que não, pois não lembramos do que aconteceu primeiro e do sucedâneo e do desfecho, i.e., lembramos particularidades, momentos isolados, mas sequer conseguimos pô-los em ordem cronológica. A lógica do pai de Zeus não existe mais!

Mesmo os deuses eternos do politeísmo não vivem em paz eterna. Eles se dividem em facções e lutas com paixões e fins opostos e devem submeter-se ao destino. Mesmo o Deus cristão não está subtraído à passagem pela humilhação do sofrimento, inclusive pelo opróbrio da morte e não é libertado da dor da alma, na qual ele deve gritar: Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?

a potência consiste apenas em manter-se no negativo de si.” “Pois é pela vontade que o espírito em geral penetra na existência”

H. adoraria o Windows e suas subpastas…

A vingança de Orestes, p.ex., foi justa, mas ele apenas a executou segundo a lei de sua virtude particular, e não segundo o juízo e o direito. – No estado que reivindicamos para a representação artística, o ético e o justo devem, portanto, conservar sem exceção forma individual

arete (heroísmo clássico) vs. virtus (reino da anti-arte)

Ser um romano apenas de modo abstrato e representar na própria subjetividade enérgica apenas o Estado romano, a pátria e sua grandeza e potência: é esta a seriedade e dignidade da virtude romana. Os heróis, em contrapartida, são indivíduos que a partir da autonomia de seu caráter e de seu arbítrio assumem a responsabilidade pelo todo de uma ação e a realizam e junto aos quais o justo e o ético aparecem como modo de pensar singular.”

(*) “Téspio possuía 50 filhas e desejava netos nascidos do herói Hércules. Este se alojava em sua casa e em cada noite encontrava uma bela mulher em seu leito. Possuía-a, pensando tratar-se sempre da mesma. E assim conceberam de sua semente as 50 filhas de Téspio.” Comprem óculos para o filho de Zeus urgente!

HOMERO & PÉRSIA: “Os heróis da antiga poesia árabe também surgem com uma autonomia idêntica, não-ligados a nenhuma ordem estabelecida desde sempre e não como meras partículas desta ordem”

(*) “Xá-namé ou Livros dos Reis, imensa epopéia de 6 mil dísticos composta no séc. X pelo poeta persa Ferdúsi.”

Desta espécie são os heróis da Távola Redonda assim como o círculo dos heróis, cujo ponto central é constituído por Carlos Magno.” “mesmo que Carlos também queira agitar-se como Júpiter no Olimpo, ainda assim eles o abandonam com seus empreendimentos e partem autonomamente para a aventura. O modelo completo para esta relação encontramos mais adiante no Cid.” “Uma imagem semelhante e admirável de autonomia independente oferecem os heróis sarracenos que se mostram para nós numa figura ainda mais áspera. – Mesmo o Reineke Fuchs(*) renova para nós a visão de um semelhante estado.

(*) (…) <epopéia animal>(*) [de Heinrich, 1180]. O gênero, fortemente carregado de crítica social, foi fixado na literatura alemã por um Volksbuch em alto-alemão, publicado em 1544. Goethe compôs um poema épico do mesmo título em 1794.

(*) O leão é decerto sr. e rei, mas o lobo e o urso etc. fazem igualmente parte do conselho.”

A consistência e a totalidade autônoma do caráter heróico não quer dividir a culpa e não sabe nada desta contraposição das intenções subjetivas e do ato objetivo com suas conseqüências, ao passo que na complicação e na ramificação do agir atual cada um recorre a todos os outros e afasta o quanto pode a culpa de si.”

toda uma linhagem sofre pelo primeiro criminoso” “Entre nós, os efeitos dos antepassados não honram os filhos e os netos; os crimes e os castigos daqueles não desonram os descendentes e muito menos podem macular seu caráter (…) mesmo o confisco dos bens familiares constitui um castigo que lesa o sujeito.”

o herói é o que seus pais eram, sofreram, fizeram.”

É preciso imaginar um Hércules kafkiano.

De modo mais preciso, uma época heróica possui então a vantagem diante de um estado mais formado e tardio” “Shakespeare, p.ex., tirou muitas matérias para as suas tragédias de crônicas ou de novelas antigas que falam de um [E]stado que ainda não se desprendeu para uma ordem completamente estabelecida, e sim na qual a vitalidade do indivíduo, em sua resolução e execução, ainda prevalece e é determinante. Seus dramas propriamente históricos possuem um ingrediente principal do histórico meramente exterior e, por isso, estão mais afastados do modo de exposição ideal, embora também aqui os estados e as ações sejam sustentados e elevados por meio da dura autonomia e teimosia dos caracteres.”

AS PASTORAIS: “o idílico vale apenas como um refúgio e diversão do ânimo”

Gessner, Idílios, 1756.

Devemos admirar o genius de Goethe, pelo fato de em Hermann e Dorotéia¹ concentrar-se num âmbito semelhante, na medida em que escolhe uma particularidade estreitamente limitada da vida do presente, mas ao mesmo tempo traz à tona, como pano de fundo e como atmosfera nos quais se move este círculo, os grandes interesses da revolução e da própria pátria, e coloca a matéria por si limitada em relação com os acontecimentos mundiais os mais potentes e abrangentes.”

¹ Peça em verso no melhor estilo Shakes., porém sem rimas brancas! “Epopéia burguesa”.

A arte preferiria narrar a vida dos reis porque neles ainda impera a a-lei do mais forte. Obviamente que hoje não se imagina um Zola escrevendo O Germinal com a família real inglesa como pano de fundo…

o Götz(*) de Goethe. A época de Götz e Franz é a interessante época na qual a cavalaria, com a autonomia nobre de seus indivíduos, encontra sua decadência por causa de uma ordem e legalidade objetivas em vias de nascer. A escolha deste contato e desta colisão entre a época heróica medieval e a vida moderna legal, enquanto primeiro tema, testemunha a grande sensibilidade de Goethe. Pois Götz e Sickingen ainda são heróis que, a partir de suas personalidades, coragem e sentido justo e reto, querem regular de modo autônomo os Estados em seus círculos mais estreitos ou mais amplos; mas a nova ordem das coisas leva o próprio Götz à injustiça e o condena a sucumbir. Pois apenas a cavalaria e o sist. feudal são na Idade Média o terreno autêntico para esta espécie de autonomia. – Mas se a ordem legal se constituiu de modo mais completo em sua forma prosaica e se tornou predominante, a autonomia aventureira dos indivíduos cavalheirescos sai de relação e, se ela ainda quer afirmar-se-a-si como o que é unicamente válido, regular a injustiça no sentido da cavalaria e proporcionar ajuda aos oprimidos, ela se torna ridícula como Dom Quixote, tal como descreve Cervantes.

(*) Primeiro drama de G., Götz von Berlichingen é do ano de 1773 e se situa no fim do séc. XV. Seu personagem principal é o cavaleiro Götz; Franz von Sickingen é o seu melhor amigo.”

poderíamos mesmo dar o nome de poesia de ocasião ao Werther.(*) Pois por meio do Werther Goethe elaborou seu próprio dilaceramento e dor interiores do coração, os acontecimentos de seu próprio peito, numa obra de arte, tal como o poeta lírico, em geral, desafoga seu coração e expressa aquilo que o afeta nele mesmo enquanto sujeito.

(*) Die Leiden des jungen Werthers é um célebre romance epistolar de Goethe do ano de 1774, escrito sob a impressão de vivências pessoais com Charlotte Buff em Wetzlar. Sua atmosfera sentimental também é determinada pelo romance sentimental de Rousseau, a Nova Heloísa (1761), e pelo aparecimento dos poemas de Ossian.”

a violação é uma modificação do Estado que, sem ela, é harmônico, modificação que ela mesma deve novamente ser modificada.”

as trilogias dos antigos são continuações no sentido da colisão [o que fundamenta uma violação] surgir do fim de uma obra dramática para uma 2ª obra, que novamente exige sua solução em uma 3ª.” Mas não diga!

a situação plena de colisão é principalmente objeto da arte dramática”

não é possível estabelecer determinações universais da fronteira até a qual a dissonância pode ser impulsionada, uma vez que cada arte segue seu caráter peculiar.” “a poesia tem o direito de prosseguir para o interior até a proximidade do tormento mais extremo do desespero e, no exterior, até a feiúra enquanto tal. Nas artes plásticas, porém, na pintura e mais ainda na escultura, a forma exterior se apresenta firme e permanente, sem novamente ser superada e, assim como os sons da música, logo novamente desaparecer de modo fugaz.”

O direito da sucessão ao trono, enquanto motivo de colisões que aqui se situam, não necessita já estar regulado e estabelecido por si mesmo, porque então o conflito logo se torna de uma espécie inteiramente diferente. Se a sucessão ainda não foi estabelecida por leis positivas e sua ordem vigente, não pode ser considerado como injusto o fato de que tanto o irmão mais velho quanto o irmão mais novo ou um outro parente da casa real devam reinar.” “A inimizade entre irmãos é uma colisão presente em todas as épocas da arte, que já começa com Caim (…) Também no Xá-namé” “Uma colisão semelhante encontra-se na base do Macbeth de Shakespeare. Duncan é rei, Macbeth seu parente próximo mais velho e, por isso, o autêntico herdeiro do trono, ainda antes dos filhos de Duncan. E assim, a 1ª ocasião para o crime de Macbeth também é a injustiça que o rei lhe fez ao nomear seu próprio filho como sucessor do trono. Esta justificação de Macbeth, que se depreende das crônicas, Shakespeare deixou totalmente de lado, porque sua finalidade era apenas salientar o elemento horrendo na paixão de Macbeth, para assim adular o rei Jacó, [?] que deve ter tido algum interesse em ver Macbeth representado como criminoso. Por isso, segundo o tratamento de Shakespeare, permanece imotivado o fato de Macbeth também não matar os filhos de Duncan, e sim permitir a sua fuga e de também nenhum dos grandes lembrar deles.”

SEM ALFA NEM ÔMEGA: “Na casa de Agamenon, Ifigênia reconcilia em Táurida a culpa e o infortúnio da casa. Aqui o início constituiria a salvação de Ifigênia por Diana que a leva a Táurida; esta circunstância, porém, é apenas a seqüência de outros acontecimentos, a saber, do sacrifício em Áulis que novamente é condicionado pela ofensa de Menelau, de quem Páris rapta Helena e assim sucessivamente até o famoso ovo de Leda. Igualmente a matéria que é manuseada na Ifigênia em Táurida contém de novo como pressuposto o assassínio de Agamenon e toda a seqüência de delitos na casa de Tântalo. Algo semelhante se passa com o ciclo mitológico tebano.” “tal execução já se tornou algo enfadonho e foi considerada como questão da prosa, em vista de cuja minúcia se estabeleceu como lei da poesia a exigência de conduzir o ouvinte imediatamente in media res [ao meio das coisas].” “Homero começa na Ilíada imediatamente, de modo determinado, com a questão que lhe importa, a raiva de Aquiles, e não relata antes os acontecimentos precedentes ou a história da vida de Aquiles, e sim nos oferece imediatamente o conflito específico e, na verdade, de um modo que um grande interesse constitui o pano de fundo de seu quadro.”

P. 214: O erro sobre Antígona apontado por Jaeger.

Shakespeare nos apresenta em Lear o mal em toda a sua atrocidade. O velho Lear divide o reino entre suas filhas e é tão insensato a ponto de confiar nas palavras falsas e aduladoras delas e ignorar a muda e fiel Cordélia. Tal coisa já é por si insensata e demente, e assim a ignominiosa ingratidão e indignidade das filhas mais velhas e de seus maridos o levam à loucura efetiva.”

tanto a livre autonomia dos deuses quanto a liberdade dos indivíduos agentes encontram-se colocadas em perigo.” “o espírito de Deus conduz a Deus. Mas então o interior humano pode aparecer como o terreno meramente passivo sobre o qual atua o espírito de Deus” “Mesmo grandes poetas não conseguiram manter-se livres da exterioridade recíproca entre os deuses e os homens.” Deus ex machina: Freeza tem de perder, e o show tem de continuar…

Quando ouvimos nos antigos que Vênus ou Amor forçaram o coração, Vênus e Amor são inicialmente sem dúvida forças externas ao ser humano, mas o amor é do mesmo modo um movimento e uma paixão que pertence ao peito humano enquanto tal e constitui seu próprio interior.” “Esta interrupção interior da ira, este freio que é um poder estranho à ira, o poeta épico tem aqui o pleno direito de expor como um acontecimento externo, porque Aquiles aparece de início inteiramente apenas tomado pela ira.”

Goethe realizou em sua Ifigênia em Táurida o que há de mais admirável e belo a este respeito.” (*) “…indicamos a tradução de Carlos Alberto Nunes

Senhora Atena, quem ouvindo os deuses não os obedece não tem juízo. Pois como poderia ser bela a luta com os deuses poderosos?” O personagem Toas de Eurípides

Que Goethe seja superior a Eurípides, não se depreende que seja o suficiente para a modernidade se arrogar a coroa, Hegel! De fato não é tão meritório “ser superior a Eurípides”, como que um coadjuvante esforçado no seu contexto!

Hat denn zur unerhörten Tat der Mann „Apenas o homem tem, pois, direito

Allein das Recht? drückt denn Unmögliches ao ato inaudito? Apenas ele imprime

Nur er an die gewaltge Heldenbrust?“ a impossibilidade no valente peito heróico?”

Du glaubst, es höre

Der rohe Skythe, der Barbar, die Stimme

Der Wahrheit und der Mesnchlichkeit, die Atreus,

Der Grieche, nicht vernahm?“

Bringst du die Schwester, die auf Tauris‘ Ufer

Im Heilligtume wider Willen bleibt,

Nach Griechenland, so löset sich der Fluch“

Gleich einem heilgen Bilde,

Daran der Stadt unwandelbar Geschick

Durch ein geheimes Götterwort gebannt ist,

Nahm sie dich weg, dich Schützerin des Hauses;

Bewahrte dich einer heilgen Stille

Zum Segen deines Bruders und der Deinen.

Da alle Rettung auf der weiten Erde

Verloren schien, gibst du uns alles wieder.“

In deinen Armen fasste

Das Übel mich mit allen seinen Klauen

Zum letztenmal und schüttelte das Mark

Entsetzlich mir zusammen; dann entfloh’s

Wie eine Schlange zu der Höhle. Neu

Geniess ich num durch dich das weite Licht

Des Tages.“

Pior do que nas matérias antigas se encontra a situação nas matérias cristãs.” Nisso sim há um mérito gigantesco da Era Goethe: mais, mais claridade solar do Pagão!

Objetou-se a Shakespeare por causa desta ausência de atividade, e se o recriminou porque a peça do Hamlet parecia em parte não querer sair do lugar. Hamlet é, porém, uma natureza fraca em termos práticos, um belo ânimo retraído-em-si-mesmo, que dificilmente consegue decidir-se a sair desta harmonia interna; é melancólico, pensativo, hipocondríaco e meditativo, e, por isso, não-inclinado a um ato rápido; tal como também Goethe insistiu na representação que S. teria querido descrever: [Wilhelm Meister] impôs um grande ato sobre uma alma que não estava à altura do ato. E neste sentido ele encontra a peça completamente elaborada.” “Hamlet vacila porque não acredita às cegas no espírito.” “Vemos aqui que a aparição [duplo sentido: a idéia da vingança e o ectoplasma de seu pai] enquanto tal não dispõe de Hamlet sem resistência, mas ele duvida e quer alcançar a certeza pelos próprios meios, antes de empreender o agir.”

As potências universais, por fim, que não se apresentam apenas por si em sua autonomia, mas estão igualmente vivas no peito humano e movem o ânimo humano no seu ser mais íntimo, podemos designar, segundo os antigos, com a expressão pathos. Esta palavra é de difícil tradução, pois <paixão> (Leidenschaft) sempre subentende aquilo que é mesquinho, baixo, ao passo que exigimos do ser humano que ele não permaneça preso às paixões (Leidenschaftlichkeit). (…) [o] pathos [não é] repreensível nem teimoso.”

o sagrado amor fraterno de Antígona é um pathos

Orestes, p.ex., mata sua mãe não baseado numa paixão, e sim o pathos o impulsiona”

Quanto a isso, também não podemos dizer que os deuses possuem pathos.” Pois os deuses são estóicos involuntários! Cada deus olímpico é na verdade uma das emoções autônomas do pathos que necessitam do veículo humano.

O pathos constitui, pois, o verdadeiro ponto central, o autêntico domínio da arte; a exposição dele é o que principalmente atua e produz efeito na obra de arte assim como no espectador. Pois o pathos toca numa corda que ressoa em cada peito humano” “O pathos move porque é a potência-em-si-e-para-si na existência humana.”

A comoção (Rührung), em termos gerais, é com-moção [Mitbewegung] enquanto sentimento, e os seres humanos, principalmente hoje em dia, são em parte fáceis de comover.”

O Timon shakespeariano é um misantropo inteiramente exterior; os amigos comeram às custas dele, dilapidaram sua fortuna e quando ele mesmo precisou de dinheiro o abandonaram. A partir disso, torna-se um inimigo apaixonado dos homens. Tal coisa é concebível e natural, mas não é nenhum pathos legítimo. Na obra juvenil de Schiller, O Misantropo, o ódio semelhante é ainda uma mania (Grille) moderna. Pois aqui o inimigo da humanidade é um homem de reflexão, pleno de conhecimentos e sumamente nobre, generoso com seus camponeses, os quais libertou da servidão, e cheio de amor para com sua filha tanto bela quanto digna de ser amada. De modo semelhante é que Quinctius Heymeran von Flaming se atormenta no romance de August Lafontaine com o capricho das raças humanas.”

Os antigos estavam acostumados a explicitar em sua profundidade o pathos que anima os indivíduos, sem por meio disso cair em reflexões frias ou em palavrório. Também os franceses são a este respeito patéticos (pathetisch) e sua eloquência da paixão não é sempre apenas um mero revolvimento de palavras, tal como muitas vezes nós alemães, no retraimento de nosso ânimo, o consideramos, na medida em que a vasta expressão do sentimento aparece para nós como uma injustiça imputada ao sentimento. Houve neste sentido, na Alemanha, uma época da poesia, na qual principalmente os ânimos jovens, saturados da retórica agu[a]da [aguada no original!] francesa e exigindo naturalidade, chegaram, pois, a uma força que principalmente se expressava apenas em interjeições. A questão não se resolve, todavia, com o mero ah! e oh! ou com a maldição da ira, com o arremessar-se e com o exceder-se. A força de meras interjeições é uma má força e o modo de manifestação de uma alma ainda rude. O espírito individual, no qual o pathos se expõe, deve ser um espírito pleno em si mesmo, capaz de se expandir.”

Goethe é menos patético do que Schiller” “seus cantos deixam perceber o que pretendem, sem se explicitarem completamente.”

De modo semelhante, Claudius (1740-1815), no Mensageiro de Wandsbecker (vol. I), contrapôs Voltaire e Shakespeare, de modo que um é o que o outro parece: <Mestre Arouet diz: eu choro; e Shakespeare chora>. Mas é justamente em torno do dizer e do parecer que se trata na arte. Se Shakespeare literalmente apenas chorasse, seria um mau poeta.”

o pathos na atividade concreta é o caráter humano.”

A um ser humano verdadeiro pertencem muitos deuses, e ele guarda em seu coração todas as potências que estão dispersas no círculo dos deuses” Mal posso acreditar que este é H.!

Com efeito, quanto mais cultos eram os gregos, tanto mais deuses eles possuíam, e seus deuses mais antigos eram embotados, não-configurados (herausgestaltet) para a individualidade e determinidades.”

Em Homero, cada herói é todo um âmbito total e vital de propriedades e traços de caráter.”

Com Aquiles podemos dizer: isto é um homem!”

Em contrapartida, que individualidades rasas, pálidas, mesmo se também vigorosas, são o córneo Siegfried, o Hagen de Tronje e mesmo Volker, o menestrel!”

Um outro modo da falta de postura do caráter constituiu-se, principalmente em produções alemãs recentes, na fraqueza interior do sentimentalismo, que na Alemanha reinou por tempo suficiente. Como primeiro exemplo famoso deve ser mencionado o Werther” “A bela alma (Schönseelichkeit) de Jacobi, em seu Woldemar, [também] se insere neste caso.”

A pedantice e a impertinência de não ser capaz de suportar pequenas circunstâncias e inépcias – que, porém, um grande e forte caráter supera incólume –, ultrapassa qualquer representação, e justamente a coisa mais insignificante leva tal ânimo ao supremo desespero.”

De uma outra maneira, esta deficiência na solidez substancial interior do caráter também foi desenvolvida de modo que tais magnificências superiores esquisitas do ânimo fossem inversamente hipostasiadas e apreendidas como potências autônomas. Aqui se situam a magia, o magnetismo, o demoníaco, a fantasmagoria-elefante do visionário, a doença do sonâmbulo, etc.” “as potências escuras devem justamente ser banidas do âmbito da arte, pois nela não há nada de escuro, e sim tudo é claro e transparente, e com estes presbitismos [hipermetropia] apenas é dada a palavra à doença do espírito e a poesia é lançada no nebuloso, no vaidoso e no vazio, do qual nos fornecem exemplos Hoffmann e Heinrich von Kleist, este em seu Príncipe de Homburg. O caráter verdadeiramente ideal não tem nada vindo do além e de fantasmagórico, e sim tem por seu conteúdo e pathos interesses efetivos, nos quais ele está consigo mesmo. Principalmente a clarividência tornou-se trivial e comum na poesia recente. No Wilhelm Tell de Schiller, em contrapartida, quando o velho Attinghausen, no momento da morte, proclama o destino da sua pátria, tal profecia é empregada em lugar oportuno.”

Hamlet é em si mesmo certamente indeciso, mas não tem dúvida pelo que tem de realizar e sim pelo como tem de realizar algo. Agora, contudo, há quem também transforme os caracteres de Shakespeare em fantasmas e pense que a nulidade e a insuficiência na oscilação e na mudança de posição, que este disparate, deve justamente interessar por si mesmo. Mas o ideal consiste no fato de que a Idéia é efetiva, e a esta efetividade pertence o ser humano enquanto sujeito e, desse modo, como ser uno firme-em-si-mesmo.”

À existência efetiva do ser humano pertence um mundo circundante, assim como à estátua do deus pertence um templo.”

A arte deve nos liberar (…) da espirituosidade (Witz) [esperteza] que o ser humano está acostumado a esbanjar no campo social.” “Esta aparência de idealidade, contudo, é em parte apenas uma abstração nobre da subjetividade moderna [COVARDIA], à qual falta a coragem de travar relações com a exterioridade; em parte é também uma espécie de violência que o sujeito se impõe para colocar-se fora deste círculo por-meio-de-si-mesmo, se já não está em-si-e-para-si alçado acima desse círculo por meio do nascimento, estamento e situação.”

não é o conteúdo espiritual, a alma concreta do sentimento, que nos fala pelos sons; muito menos é o som enquanto som que nos move no mais íntimo; e sim é esta unidade abstrata introduzida pelo sujeito no tempo que ressoa na mesma unidade do sujeito.”

os pintores antigos destinavam as cores fundamentais, em sua pureza, às vestimentas das pessoas principais, e as cores misturadas às figuras secundárias (Nebengestalten). Maria geralmente usa um manto azul, pelo fato do repouso suavizante do azul corresponder à quietude e suavidade interiores; mais raramente ela usa um vestido em vermelho vivo.”

Na pintura as cores não devem ser impuras e cinzentas, e sim claras, determinadas e em si mesmas simples.”

QUE SACO A ARTE MODERNA! “Igualmente o som da voz humana deve desenvolver-se pura e livremente a partir da garganta e do peito, sem deixar o órgão vibrar junto ou, como é o caso em sons mais roucos, sem deixar notar de modo perturbador qualquer impedimento não-superado.”

Homero, embora não forneça descrições da natureza, é, em suas designações e referências, tão fiel e nos fornece uma intuição tão exata de Scamandro, do Simois, das costas, das baías, que ainda hoje pôde ser situada geograficamente a mesma paisagem concordando com a sua descrição.”

Também os mestres cantores, quando colocam em verso antigas histórias bíblicas e têm Jerusalém como local, nada oferecem a não ser o nome. No Livros dos Heróis algo parecido acontece; Ortnit cavalga entre os pinheiros, luta com o dragão, sem ambiente humano, lugares definidos, etc., de modo que nesta relação não é oferecido praticamente nada à intuição. Mesmo na canção dos Nibelungos não é diferente; ouvimos certamente algo sobre Worms, o Reno e o Danúbio; mas também aqui fica-se preso ao indeterminado e árido.”

Na direção oposta, a lírica expõe de modo predominante apenas o ânimo interior, e não necessita, desse modo, quando acolhe o exterior, mostrá-lo para uma visão tão determinada.”

a pintura, segundo sua natureza, penetra a este respeito mais do que qualquer outra arte, principalmente no particular.” O problema do cinema foi potencializar isso 10 vezes.

O árabe é uno com sua natureza e apenas pode ser compreendido com seu céu, suas estrelas, seus desertos quentes, suas tendas e cavalos.”

Na estátua de Palas em Atenas e de Zeus em Olímpia não foi economizado ouro e marfim; em quase todos os povos os templos dos deuses, as igrejas, as imagens dos santos, os palácios dos reis dão um exemplo de esplendor e luxo, e desde sempre as nações se alegraram por ter, em suas divindades, sua própria riqueza diante dos olhos, assim como se alegraram com o luxo dos príncipes, pelo fato de tal coisa existir e decorrer de seu meio. [MORAL DE ESCRAVOS] Podemos sem dúvida perturbar um tal gozo por meio dos assim chamados pensamentos morais, se estabelecermos a reflexão de quantos atenienses pobres poderiam ter sido saciados com o manto de Palas, de quantos escravos poderiam ter sido resgatados; e em momentos de grandes necessidades do Estado tais riquezas também nos antigos foram empregadas para fins úteis, tal como hoje entre nós são empregados os tesouros de mosteiros e igrejas.” “rememoramos a necessidade e a carência, cuja eliminação é justamente exigida pela arte, de modo que para cada povo apenas pode redundar em fama e honra suprema a doação de seus tesouros a uma esfera que se eleva prodigamente sobre todas as necessidades comezinhas.”

O primeiro modo segundo o qual a arte procurou remover todas estas esferas constitui a representação de uma assim chamada época de ouro ou também de um estado idílico.” “[Mas] Os escritos de Gessner, p.ex., são hoje pouco lidos, e se os lemos não podemos neles nos sentir em casa.” “O ser humano não deve viver em tal pobreza espiritual idílica, ele deve trabalhar.”

Dante nos apresenta de modo comovedor apenas em poucos traços a morte por inanição de Ugolino. Quando Gerstenberg(*) em sua tragédia de mesmo nome descreve amplamente, passando por todos os graus do horror, como primeiramente os 3 filhos e por fim o próprio Ugolino morrem de fome, trata-se de uma matéria que repugna completamente à exposição artística.

(*) Heinrich Wilhelm von Gerstenberg. Foi este autor dinamarquês, de grande influência sobre Klopstock, que <lançou> Shakespeare e Homero na Alemanha em torno de 1760. (N.T.)”

Surge, em meio a esta formação industrial e exploração recíproca de um pelo outro a utilização dos demais indivíduos, em parte a mais dura crueldade da pobreza, em parte, se a necessidade deve ser afastada, os indivíduos devem aparecer como ricos, de tal como que ficam livres do trabalho para suas necessidades e podem entregar-se a interesses superiores.”

Ou somos artesãos angustiados ou não vivemos em casa, embora tranquilos e apáticos.

[N.T. #73] “Johan Heinrich Voss (1751-1826), tradutor de Homero, autor de epopéias idílicas em hexâmetros, ricas em descrições quase realistas da vida cotidiana. A Luise é de 1783.”

Ora, café e açúcar são produtos que não poderiam ter saído de um tal círculo e imediatamente apontam para uma conexão totalmente diferente, para um mundo estranho e suas múltiplas mediações do comércio, das fábricas, em geral, da moderna indústria.” Ora, está dizendo que a arte se subordina ao comércio! Linhas depois justifica o mesmo procedimento quando empregado por Goethe. Assaz previsível.

Os poemas homéricos, tenha Homero efetivamente vivido ou não como o único poeta da Ilíada e da Odisséia, estão pelo menos 4 séculos separados da época da guerra de Tróia e um espaço de tempo 2x maior ainda separa os grandes trágicos gregos dos dias dos antigos heróis, dos quais transportam o conteúdo de sua poesia ao seu presente.”

as obras de arte autênticas, imortais, permanecem desfrutáveis para todas as épocas e nações, mas mesmo então é preciso, para a sua completa compreensão por povos e séculos estranhos, um vasto aparato de notícias, de conhecimentos e de informações geográficas, históricas e até mesmo filosóficas.”

Encontramos de modo mais forte esta espécie de ingenuidade puramente nostálgica e hermética em Hans Sachs que, certamente com um frescor da intuição e um ânimo alegre, <nüremberguizou>, no sentido mais próprio, Nosso Senhor Deus Pai, Adão, Eva e os patriarcas. Deus Pai, em certo momento, instrui e dá uma aula para Abel, Caim e os outros filhos de Adão, assumindo completamente a maneira e o tom de um mestre de escola daquela época; ele os catequiza sobre os 10 mandamentos e o pai-nosso; Abel sabe tudo muito bem e mostra-se piedoso; Caim, porém, se comporta mal e responde como um rapaz perverso e ateu (…) Pilatos aparece como um magistrado malcriado, rude e soberbo; os soldados, totalmente segundo a vulgaridade de nosso tempo, oferecem tabaco para Cristo na cruz; ele despreza e então eles enfiam o rapé com violência pelas narinas e todo o povo encontra nisso sua diversão, por ser totalmente piedoso e devoto; inclusive, tanto mais devoto quanto mais o interior da representação religiosa se torna para eles vivo nesta presencialidade imediata” “nada mais se mostra a não ser uma contradição burlesca.”

#IDÉIA: Escrever uma fan fiction – livre transposição moderna – do episódio do homicídio fraterno de Caim, em que ele não logra êxito. Pois Abel é um desconfiado hipocondríaco dos nossos tempos, enquanto que Caim, um assassino hesitante, um Raskholnikov. Desta feita, não só Caim, se lograsse êxito, não suportaria a culpa, como na realidade Abel consegue antever os passos de seu algoz de berço e ou foge ou mata o ainda-não-assassino em legítima defesa, e pela legítima defesa ser um argumento jurídico válido em nossa época é que Deus o perdoa.

Voltaire foi injusto ao dizer que os franceses melhoraram as obras dos antigos; eles apenas as nacionalizaram, e nesta transformação procederam com tanto mais antipatia infinita com tudo o que era estrangeiro e individual à medida que seu gosto exigia uma formação social perfeitamente cortês, uma regularidade e universalidade convencional do sentido e da representação. A mesma abstração de uma formação delicada eles também transferiram para a dicção. Nenhum poeta podia dizer cochon ou mencionar colher e garfo e milhares de outras coisas. Em vez de colher ou garfo, dizia-se um instrumento com o qual se leva alimentos líquidos ou sólidos à boca e outras coisas do gênero. Mas justamente por isso seu gosto permaneceu sumamente limitado.

Por isso foram os franceses os que menos puderam se dar bem com Shakespeare e, quando se dedicavam a ele, sempre eliminavam justamente o que para nós alemães teria sido nele o mais agradável.”

E assim, em suas obras de arte também os chineses, americanos ou heróis gregos e romanos deviam falar e se portar totalmente como cortesãos franceses. O Aquiles da Ifigênia em Áulida é um príncipe francês completo, e se não fosse pelo nome ninguém encontraria nele um Aquiles. No teatro, ele certamente estava vestido como grego e guarnecido com o escudo e a couraça, mas ao mesmo tempo com os cabelos penteados e polvilhados, as ancas alargadas por almofadas e com saltos vermelhos nos sapatos amarrados com fitas coloridas.”

De acordo com um princípio semelhante, na França freqüentemente não se pratica a historiografia em vista dela mesma e de seu objeto, mas por causa dos interesses de época, para poder fornecer boas doutrinas ao governo ou para torná-las odiosas.”

(*) “August Kotzebue (1761-1819), autor de peças de divertimentos particularmente insípidas: foi assassinado em 23/03/1819 por um estudante seguidor de Hegel, cujo assassinato ocasionou a publicação dos <decretos de Karlsbad> e uma onda de repressão antiliberal que ameaçou o próprio Hegel.”

ao contrário dos franceses, somos em geral os arquivadores os mais cuidadosos de todas as particularidades estrangeiras e, por isso, também na arte requeremos fidelidade à época, ao lugar, aos usos, às vestimentas, às armas. Tampouco nos falta a paciência para estudar, mediante esforço árduo e erudição, o modo de pensar e intuir das nações estrangeiras e de séculos longínquos”

cachorros e gatos, e até mesmo objetos repugnantes, nos são agradáveis”

síndrome de Schlegel

não há nada de mais vazio e frio do que quando nas óperas se diz: Ó deuses!, Ó Júpiter! ou mesmo Ó Ísis e Osíris! – e ainda mais quando se acrescenta a miséria dos oráculos – e raramente eles não aparecem nas óperas –, em cujo lugar apenas agora surgem na tragédia a loucura e a clarividência.”

Na canção dos Nibelungos, estamos certamente, em termos geográficos, sob terreno familiar, mas os burgúndios e o rei Átila estão tão distantes de todas as relações de nossa formação atual e seus interesses pátrios que mesmo sem erudição podemos nos sentir muito mais familiarizados com os poemas homéricos. Assim, Klopstock certamente foi motivado por meio do impulso como que pátrio a colocar os deuses escandinavos no lugar da mitologia grega, mas Wodan, Walhalla e Freia permaneceram meros nomes, que pertencem ainda menos do que Júpiter e Olimpo à nossa representação ou falam ainda menos do que eles ao nosso ânimo.”

Sófocles não deixava que Filoctetes, Antígona, Ájax, Orestes, Édipo e seus corifeus e coros falassem tal como falariam em sua época. De modo idêntico os espanhóis possuem os seus romances do Cid; Tasso canta em sua Jerusalém Libertada a questão universal da cristandade católica; Camões descreve a descoberta do caminho para as Índias Orientais em torno do Cabo da Boa Esperança e os feitos em si mesmos infinitamente importantes dos heróis marítimos, e estes feitos eram os de sua nação; Shakespeare dramatizou a história trágica de seu país e o próprio Voltaire a sua Henriade.”

A Noachida de Bodmer (1698-1783) e o Messias de Klopstock estão fora de modo, como também não vale mais a opinião de que pertence à honra de uma nação possuir também seu Homero e, além disso, seu Píndaro, Sófocles e Anacreonte.”

A ninguém ocorreria hoje fazer um poema a Vênus, Júpiter ou Palas.”

Nas peças históricas de Shakespeare há muita coisa que permanece para nós estranha e pouco pode nos interessar. Na leitura ficamos certamente satisfeitos com isso, no teatro não.”

Quando Falstaff fala de pistolas, isto é indiferente. Mais sério, porém, é quando Orfeu se mostra com um violino na mão, na medida em que aqui a contradição entre os dias míticos e um tal instrumento moderno, do qual cada um sabe que em épocas tão antigas ainda não havia sido inventado, se apresenta de modo muito forte.”

muitos procuram, em vão, mesmo nas mais belas canções de amor, seus próprios sentimentos e, por isso, declaram a exposição como igualmente falsa, ao passo que outros, que apenas conhecem o amor pelos romances, acreditam não serem amados na efetividade até que reencontram em-si-mesmos, em-torno-de-si, os sentimentos e situações completamente iguais àqueles dos romances.”

fantasia criadora X imaginação passiva

Ele deve ter visto muito, ouvido muito e conservado muito em si mesmo, como em geral os grandes indivíduos quase sempre se distinguem por uma grande memória.”

(*) “Begeisterung na tradição latina também é traduzida por ‘inspiração’. Preferimos entusiasmo apoiando-nos, neste caso, no sentido grego do enthousiasmos enquanto <exaltação criadora> (N.T.).”

A primeira exigência constitui este dom e interesse de uma apreensão determinada do que é efetivo em sua forma real bem como a retenção do que foi intuído. Inversamente, é preciso unir ao conhecimento da forma exterior a familiaridade com o interior do ser humano, com todos os fins do peito humano” “ele deve ter refletido sobre o essencial e verdadeiro, segundo toda a sua amplitude e toda a sua profundidade. (…) em toda grande obra de arte também se percebe que a matéria foi por muito tempo e profundamente ponderada e meditada segundo todas as direções.”

seu coração já deve ter sido golpeado e movido em profundidade (…) o genius certamente efervesce na juventude, como foi o caso com Goethe e Schiller, mas somente a idade madura e avançada pode levar a uma completude a autêntica maturidade da obra de arte.”

genius X talento; ou genius & talento

o talento sem o gênio não consegue ir muito além da habilidade exterior.”

Os absolutos primeiros poemas de Goethe: Canto de Maio, Boas-Vindas e Adeus.

Fauriel (filólogo, 1772-1844) publicou uma coletânea de cantos dos gregos modernos, em parte tomado da boca das mulheres, amas e criadas, as quais não conseguiam parar de se admirar pelo assombro que ele demonstrava por seus cantos.”

Um italiano ainda hoje improvisa dramas de 5 atos e isso sem ter decorado nada, mas tudo nasce do conhecimento das paixões e situações humanas e do entusiasmo profundamente atual.”

Aquele que apenas se propõe a ser entusiasmado para fazer um poema ou pintar um quadro e inventar uma melodia, sem trazer já em-si-mesmo algum conteúdo como estímulo vivo, e necessita primeiramente procurar aqui e ali por uma matéria, ele ainda não produzirá (fassen), a partir desta mera intenção, não obstante todo o talento, nenhuma bela concepção ou não será capaz de produzir uma obra de arte consistente.”

Inspiração como diferente, mais que a soma de vontade, determinação, sensibilidade.

Porém a inspiração retém, quando quer que ela se manifeste. Não é como se a janela de oportunidade do bom artista fosse tão estreita.

As odes encomiásticas de Píndaro nasceram muitas delas por encomenda. Igualmente por infinitas vezes a finalidade e o objeto para os edifícios e os quadros foram propostos aos artistas” “Inclusive ouvimos freqüentemente entre os artistas a queixa de que lhes faltam as matérias [os gatilhos] que poderiam trabalhar.”

Shakespeare se inspirava por lendas, antigas baladas, novelas e crônicas”

Se questionarmos a seguir em que consiste o entusiasmo artístico, veremos que ele nada mais é do que ser preenchido completamente pela coisa, estar totalmente presente na coisa e não descansar até o momento em que a forma artística estiver exprimida e em-si-mesma acabada.”

mau entusiasmo”

(*) “Jean Paul Friedrich Richter (1763-1825), denominado Jean-Paul, uma das mais importantes figuras do romantismo alemão, autor de sátiras, idílios humorísticos e grandes romances (Hesperus, Flegeljahre, Titan) bem como de uma obra de estética, Vorschule der Ästhetik (Curso Elementar de Estética), 1804, na qual desenvolve uma teoria do humor como <inversão sublime>. (N.T.)”

Não possuir nenhuma maneira foi desde sempre a única grande maneira, e somente neste sentido Homero, Sófocles, Rafael e Shakespeare hão de ser chamados originais.”

FIM DO PRIMEIRO VOLUME

GLOSSÁRIO ALEMÃO (& FRANCÊS) RESIDUAL:

Anschaubarkeit: intuitibilidade

Beschlossenheit: fechamento :: closure

Entzweiung: cisão

être en negligé: interessante faceta do idioma francês – literalidade que passa ao simbólico – para se dizer “estar em roupão”, i.e., em negação!

Geistererscheinung: aparição de espíritos

Hinaussetzen: situar-se fora

seinsollende: dever-ser

Spaltung: discórdia

Tüchtigen: consistência

verleiblichte: encarnado

Verwicklung: trama

METAFÍSICA DA ARTE: AUTO-OBJETIFICAÇÃO DO ARTISTA & SUBJETIVIDADE DO RECEPTOR

“For we only apprehend the world in a purely objective manner when we no longer know that we belong to it; and all things appear the more beautiful the more we are conscious merely of them and the less we are conscious of ourselves.”

Schopenhauer

Está correto dizê-lo se se refere puramente ao processo da crítica da arte, com alguns ajustes – Sinal trocado: in a purely SUBJECTIVE manner – the less we are conscious of ourselves (o crítico apreende a obra como algo estranho, sujeito x objeto, esqueceu que a criação do artista, sua objetividade, está em ser o objeto enquanto o objeto é consciência, na fusão dos pólos). Propriamente falando, o artista não julga o que é ou não é o belo, pois se torna provisoriamente o próprio belo. Como pode a beleza argumentar intelectualmente sobre a beleza? Ela apenas é. Narciso não se reconhece ao espelho, está menos consciente de si, pode julgar seu reflexo (o outro) como belo. Narciso é o crítico – quem está desinteressado de si está interessado no outro (a obra). Nele, sujeito e objeto estão divorciados, Narciso não é a imagem de Narciso. O artista é todo consciência-de-si, ele e a obra são cegos à outridade, entendem apenas os reflexos (o espelho que reflete a si próprios), estão fechados em si numa subjetividade infinita – mas como não há outro, apenas mesmidade, identidade, trata-se da OBJETIVIDADE PERFEITA E AUTO-SUFICIENTE DO QUE É IGUAL A SI MESMO. Narciso, o crítico, se afoga porque carece, busca o complemento, a beleza (Narciso não é a beleza, ele é inconsciente de si, seu corpo não está em consideração a não ser como outro, infinitamente separado por um abismo). O reflexo (a obra) não quer nada. Sujeito e objeto aqui são um, o mundo. O exterior e o interior simultâneo. O Ser. Não há logos, só recursividade tautológica. Vênus é. O amor é cego e no entanto não deseja enxergar (interagir com o exterior). O amor é o processo de criação. O amor está na boca do mundo, é discursado pelos loucos da subjetividade irrestrita. Neste sentido, o amor é a Poesia e a crítica é a Verdade. Homero descreve o mundo; a verdade desmistifica-o. A verdade é a verdade dos homens, discurso, sempre carentes da serena objetividade muda e inacessível da beleza.

Goethe compreendeu esta antítese, e por isso sua autobiografia se chama Poesia & Verdade. Poesia é a sua obra, verdade o indivíduo biografado. Por ser uma obra, versando sobre a obra e a crítica, é Poesia, como foram antes seus poemas que não falavam de poemas, mas uma poesia sem objeto, inacabada. Por ser uma crítica, prosando sobre a crítica e a obra, é Verdade, verdade clínica e impessoal de sua vida. Beleza deficitária, crítica consumada. Tentativa de uma síntese impossível a não ser dentro da obra de arte que é o artista enquanto indivíduo. O jeito do belo ver, elogiar, participar – a possibilidade da crítica ser bela e definitiva.

ACERCA DA AUTO-IMAGEM

Texto recuperado de sábado, 18 de julho de 2009 – com supressões para preservar identidades de terceiros

Sobre o incômodo de ser filmado, fotografado, gravado e exibido por aí. Essa “Síndrome de Glauber Rocha” (que declarou que quem se sentia à vontade à frente de uma câmera segurando um microfone deveria ter sérios distúrbios mentais) sentida na carne por quem, após o momento de aperto, pergunta ao amigo mais próximo: “Como me saí?”.

“Esse constante mal-estar, que é a captação da alienação de meu corpo como irremediável, pode determinar psicoses como a ereutofobia; tais psicoses nada mais são que a captação metafísica e horrorizada da existência de meu corpo para outro.” SARTRE, Jean-Paul, O Ser e o Nada, p. 443 [negrito meu]

Quanto mais amor-próprio, mais náusea (a nomenclatura é sartriana) diante dessas representações “objetivas”. A prova de que eu não estou equivocado é que me gosto ao espelho. Talvez já não me goste no espelho do elevador, acompanhado. Talvez deteste essas minhas extremidades anti-Popeye. Gostava de ser tão maior que minhas namoradas – estilo protetor. Outrossim, o beijo é sempre belo. Não cheguei à louvação do sexo-espelhado de D., no entanto!

Deve ser a natureza da lente viscosa do equipamento, que tira meu brilho e minha luz. O sol é meu amigo! Os lixos se sentem coesos entre si. Mas basta ver uma mulher para saber que ela se detesta quando acorda.

“Diz-se comumente que o tímido se sente ‘embaraçado pelo próprio corpo’. Na verdade, esta expressão é imprópria: eu não poderia ficar embaraçado pelo meu corpo tal como o existo. Meu corpo tal como é para o outro é que poderia me embaraçar.” Ibid.

Ninguém tem vergonha de sua voz idiossincrática. Minha neurose platônica: quem sabe os outros me percebam como eu realmente sou! Desses trastes, quem é que consegue se ler imaginando um ser brônzeo como eu detratando aquilo tudo, aquele castelinho de areia? De pavão a verme num segundo.

Narcisista? Eu diria que esse mundo da super-exposição é o contrário! Álbuns do Orkut: como alguém gostaria de ser visto. L., a magra. T., o sério. Eu, o melhor. Ma., a mulher. B., a sedutora. Me., a misteriosa, psicodélica, elegante. Tai, a audaz. Iza, a mínima. Tc.: ainda mais bela e irresistível. Dh.: suprema e centro do universo. S.: o eterno boêmio. F.: a despojada. Mas eu… eu matei meu alter ego, me tornei o alter ego dos outros. “Que foto horrível!” “Obrigado pelo elogio, sem tonsilas!”. E aí vem a tendência das fotos de banheiro, das fotos de chupeta…

Concluindo: não se trata de uma lei “quão menos satisfeito consigo, mais o sujeito se apreciará em terceira pessoa”; o artista é a refutação disso e é o meu ideal. Ele se exprime bem. Um texto meu é o ápice da beleza. Devo maximizar isso corporalmente. Creio que vim tendo o êxito que é possível. E, aliás, quanto à lei, pelo contrário, eu até exagero nesse desagrado. Uma gorda horrorosa seria realista. São “sem conserto”: a vantagem da graciosa. O fraco: desenvoltura que parece maior na foro (“sou ela!”).

Outra coisa: por que sempre me decepcionava com as fotos dela? Se já a via assim! Fusão de essências?

Explicação do meu ideal e síntese do meu dilema amoroso:

O que se sucede é que meu tipo de arte vai CONTRA toda a estética. Só mulheres esquisitas podem vir a gostar de mim. Mas minha carga já é forte demais para eu ter o mesmo tipo de preferência… Eis o impasse! É como se houvesse dois Rafaéis: o jovem hedonista de 21 e o mestre trágico par excellence. Eu quero a bela, harmônica, simétrica, sensível a minha assimetria.

“jamais encontro meu corpo-Para-outro como obstáculo; ao contrário, é porque nunca está aí, porque permanece inapreensível, que tal corpo pode ser importuno (…) Eis por que o empenho do tímido, após constatar a inutilidade de suas tentativas, consistirá em suprimir seu corpo-Para-outro.” [sublinhado meu]

KANTLESVANIA III: A CRÍTICA DA ÚLTIMA CRÍTICA (IMMANUEL & RAFAEL)

KANT’S CRITIQUE OF JUDGEMENT – A CRÍTICA DA FACULDADE DE JULGAR de KANT (tradução do Inglês de trechos selecionados)

27/06/2017 – 03/11/2017

DICIONÁRIO DE TERMOS RECORRENTES DO KANTISMO NO ALEMÃO:(*)

Anschauung: intuição (imediata)

Begehr: desejo

Bestimmen: determinação (no sentido da determinabilidade, a possibilidade de definir e precisar, fazer a abstração ou conceituação -mediação- de algo, etc.)

darstellen: apresentar

Gebiet: reino

Gegenstand: coisa, objeto = ZEUG, DING, SACHE

Geniessen: prazer

Geschmack: gosto

Gesetzmässigkeit: conformidade à regra (ou à média)

Gewalt: autoridade

Glaube: fé

Grundratz: princípio fundamental, tópico frasal

Hang: inclinação = NEIGUNG

Leidenschaft: paixão

Lust: prazer, vontade

Reiz: charme

Rührung: emoção

Schein: ilusão

Schranke: limite (Schrank é armário – Em que guarda-roupa guarda seus limites, sr. guarda? – Aguardo uma resposta que (a)guarde na memória.)

Schwärmerei: fanatismo (Schwärm: de massa | Erei: artifício)

Seele: alma (//Neon Genesis Evangelion)

überreden: persuadir (Da raiz über, sobre + reden, conversar, i.e., sobrepassar na/pela conversa.)

überzeugen: convencer

Unlust: dor, desprazer

Verbindung: combinação

Vernünftelei: sofismaria, sofistaria, sutileza ilusória, chicana (Da raiz Vernunft, bom senso)

Zufriedenheit: contentamento, felicidade

Zweck|mässig|keit: propositividade (literalmente: a propriedade daquilo que é um meio, mässig, para um fim, Zweck)

(*) Sobre o nome próprio do autor, uma curiosidade: Immanuel: Emanuel, Deus-conosco


DICIONÁRIO DO LATIM

parerga: ornamento


PREFÁCIO DE J.H. BERNARD (tradutor inglês) (1892)

<Acima de tudo,> dizia Schopenhauer, <meus caros jovens perseguidores da verdade, não deixem que nossos professores lhes digam o que está contido na Crítica da Razão Pura>”

Possivelmente a razão de seu negligenciamento comparativo repousa em seu estilo repulsivo. Kant nunca cuidou do estilo, e em seus anos finais foi se vendo seduzido mais e mais por essas tecnicalidades e distinções refinadas que afastam tantos da Filosofia Crítica mesmo em suas seções primárias.” “O pegajoso pecado da supra-tecnicalidade de Kant é especialmente conspícuo nesse tratado.” “Argumentos são repetidos de novo e de novo até o cansaço; e quando a atenção do leitor já sucumbiu, e ele passa os olhos contrariado até o fim da página, algum ponto importante é introduzido sem ênfase alguma, como se o autor estivesse realmente ansioso para reter o significado apenas para si, custasse o que custasse. Um livro escrito assim raramente atrai a atenção de um círculo abrangente de leitores. Ainda assim, não só Goethe o enaltecia, como ele recebeu atenção em grande medida na França e na Alemanha logo na primeira edição. Publicado originalmente em Berlim em 1790, uma segunda edição foi lançada em 1793; e uma tradução francesa foi providenciada por Imhoff em 1796. Outras versões francesas são a de Keratry & Weyland em 1823 e a de Barni em 1846. (…) A existência dessas versões francesas, quando contrastada com a ausência até há bem pouco tempo de qualquer esforço sistemático para trazer a Crítica do Juízo para o Inglês, talvez seja explicada pelo vivo interesse presente no continente em Filosofia da Arte, no começo do século XIX; paralelamente, o estudo científico da questão recebeu pouca atenção na Inglaterra durante o mesmo período.”

Conhecimento [Knowledge], sentimento, desejo, são estes os três modos definitivos da consciência, dos quais o segundo não foi ainda descrito. E quando os comparamos com a divisão tríplice e ancestral da lógica aristotélica, notamos um paralelismo significativo. O Entendimento [Understanding] é a faculdade par excellence do conhecimento, e a Razão a faculdade do desejo (esse tema é desenvolvido nas duas primeiras Críticas kantianas).” “É um curioso paralelo literário que Santo Agostinho insinue (Confissões iv. 15) que ele escrevera um livro, De Pulchro et Apto [Do Belo e de sua Adequação], no qual combinava essas categorias aparentemente distintas.” “Ele cita o Tratado sobre o Sublime e o Belo, de Burke, favoravelmente; livro acessível a ele em tradução alemã; mas toma o cuidado de assinalar que é como psicologia, e não filosofia, que o trabalho de Burke tem valor. Ele provavelmente leu, em acréscimo, a Investigação de Hutcheson, que também ganhou tradução para o alemão; este autor dominava as opiniões de Hume. De outros escritores no Belo, ele só nomeia Batteux e Lessing.” “Ao que parece, não obstante, ele não chegou a conhecer o livro-texto na matéria, a Poética de Aristóteles, cujos princípios Lessing declarou tão exatos como os de Euclides.”

A análise do Sublime que segue à do Belo é interessante e profunda; com efeito, Schopenhauer a via como a melhor parte da Crítica do Juízo Estético.” Viagens [Voyages dans les Alpes] de De Saussure, o poema Os Alpes [Die Alpen] de Haller e esse trabalho de Kant demarcam o começo de uma nova época na forma de entender o sublime e o terrível na natureza.” “De fato, quando Kant fala em Pintura ou Música não é muito proveitoso” “A Arte difere da Ciência pela ausência de conceitos definidos na cabeça do artista. O grande artista raramente pode comunicar seus métodos; não pode nem mesmo formulá-los para si mesmo. Poeta nascitur, non fit [os poetas nascem, não se fazem]; e o mesmo é verdadeiro para todas as formas de belas-artes. O gênio, em síntese, a faculdade de apresentar Idéias estéticas; uma Idéia estética sendo uma intuição da Imaginação, à qual não se adéqua qualquer conceito.” Este parágrafo poderia ter poupado Kant de escrever cerca de 150 páginas…

A distinção entre a <Técnica> da natureza ou a operação propositiva, e o Mecanismo da natureza é fundamental para a explicação da lei natural. A linguagem da biologia mostra eloqüentemente a impossibilidade de eliminar pelo menos a idéia de propósito de nossas investigações acerca dos fenômenos da vida, crescimento e reprodução.” “Uma doutrina, como a de Epicuro, em que todo fenômeno natural é tratado como o resultado de um deslizar cego de átomos segundo leis puramente mecânicas, não explica mesmo nada” Super-estilização de Epicuro.

SOLIPSISMUS NEVER ENDS: “a forma mais razoável de explicar o comportamento dos outros homens ser tão similar ao nosso mesmo é supor que eles têm mentes como as nossas, que eles são dotados de uma faculdade ativa e espontaneamente energizante, que é o assento de sua personalidade. Porém, é instrutivo observar que nem por princípios kantianos nem por quaisquer outros podemos demonstrar essa explicação” “Ora, é aparente que, como foi demarcado, até mesmo quando inferimos a existência de outra mente finita a partir de determinadas operações, estamos fazendo uma inferência sobre algo que é tão misterioso e incógnito (um x) quanto algo pode ser. A mente não é algo que esteja sob o império das leis e das condições do mundo dos sentidos; ela está <no mundo mas não é do mundo.>¹ Logo, inferir a existência da mente de qualquer indivíduo exceto eu mesmo é um tipo de inferência bem diferente de, por exemplo, assumir a presença de eletromagnetismo num determinado campo.” “Kant, entretanto, na Crítica do Juízo, está, tristemente, agrilhoado pelas correntes que ele mesmo forjara, e resvala freqüentemente nessas mesmas restrições auto-impostas. Ele expõe, várias vezes, pontos de vista mais elevados que os da Crítica da Razão Pura, da qual pode-se perfeitamente contemplar os fenômenos da vida e da mente, sem contradição.” <K. me parece,> diz Goethe, <ter costurado um certo elemento de ironia em seu método. Isso porque, enquanto em alguns momentos ele parecia inclinado a limitar nossas faculdades do entendimento aos limites mais estreitos, noutros ele apontava, como que num aceno disfarçado, para além dos limites que ele mesmo havia configurado.>”²

¹ Heidegger in a nutshell.

² O “erro” (muito forçadamente assim denomino: em verdade, característica) de todo grande filósofo (vd. Platão &al.)

Wer Gott nich fühlt in sich und allen Lebenskreisen,

Dem werdet Ihr Ihn nicht beweisen mit Beweisen

RASCUNHO DO PROCESSO DE TRADUÇÃO DOS VERSOS GOETHIANOS NO ORIGINAL:

I

Aquilo que Deus não sente em Si e em todo o ciclo vital,

Não Lhe será provado com Provas.

II

Aquilo que Deus não sente em Si e em todo o ciclo vital, ser-Lhe-á impossível provar.

III

O que Deus não pode provar nem em si nem no ciclo da vida como um todo, ninguém o pode.


IV (2022)

O que se sente é impassível de conceituar.


Doktor Schmerz

Padre Pain

Pe. Sar

What would you understand by “[square brackets]”?


LIVRO P.D.

A Filosofia é corretamente dividida em 2 partes, bem distintas em seus princípios; a parte teorética ou Filosofia Natural, e a parte prática ou Filosofia Moral (pois este é o nome concedido à legislação prática da Razão em consonância com o conceito de liberdade).”

a descoberta de que duas ou mais leis da natureza heterogêneas podem ser combinadas sob um princípio compreendendo a ambas, é terreno do mais marcado prazer, mesmo de uma admiração, que não cessa, muito embora nos familiarizemos com seus objetos. Não mais encontramos este prazer, é verdade, na compreensibilidade da natureza e na unidade de suas divisões em gêneros e espécies, mediante as quais são possíveis todos os conceitos empíricos, que [por sua vez] nos permitem conhecer as leis particulares [dos gêneros e espécies]. Mas este prazer decerto esteve aí há um tempo, e é somente porque a experiência mais comum seria impossível sem ele que ele passa a ser gradualmente confundido com a mera cognição e não chama mais a atenção para si.” Síndrome de Hawking (não saber a hora de parar)

Na outra mão, uma representação da natureza que nos dissesse de antemão que na menor investigação para além da experiência mais comum deparar-nos-íamos com uma heterogeneidade em suas leis, desagradaria de todo. [Essa heterogeneidade] faria a união de suas leis particulares sob leis empíricas universais coisa impossível para nosso Entendimento. Tal possibilidade contradiria o princípio da especificação subjetivo-propositiva da natureza em seus gêneros, e também [contradiria o princípio d]o nosso Juízo Reflexivo com respeito a semelhante princípio.” Assinado: o homem partícula-e-luz onda-e-matéria relação-e-Ding-an-sich

se nos dissessem que um conhecimento mais abrangente e profundo da natureza derivado da observação necessariamente conduz, por fim, a uma variedade de leis, que nenhum Entendimento humano poderia reduzir a um princípio, devíamos aquiescer de uma vez por todas.” Foi de fato o que aconteceu na história das idéias. Lide com isso!

aquiescer? aqui é ser! e aí?!

dizem que a fome é o melhor tempero”

o modelo mais elevado, o arquétipo do gosto, é uma mera Idéia, que cada um deve produzir dentro de si mesmo” “O único ser que possui o propósito de sua existência em si mesmo é o homem, que pode determinar seus propósitos pela Razão” Não, nem mesmo ele! “é só a humanidade em pessoa, como uma inteligência, que é suscetível do Ideal da perfeição.”

Todo mundo já viu mil homens totalmente crescidos. Agora caso se deseje ajuizar do seu tamanho típico, estimando-o por meio de comparações, a Imaginação (como eu penso) permite que um grande número de imagens (talvez mesmo todas as mil) recaia numa só. Se me é permitido aqui aderir à analogia da apresentação ótica, é no espaço onde a maioria dessas imagens de homens é combinada e dentro dos contornos, onde o lugar é iluminado com as cores mais vívidas, que o tamanho médio é cognoscível.” “(Podemos chegar à mesma coisa mecanicamente, ao somar todas as mil magnitudes, alturas, larguras, e grossuras, e dividir a soma por mil. Mas a Imaginação o faz via um efeito dinâmico, que advém das várias impressões de tais figuras no órgão do sentido interno.) Se, da mesma forma, procuramos para o homem médio a cabeça média, para essa cabeça o nariz médio, etc., essa imagem está na base da Idéia normal do país onde a comparação é instituída. Logo, necessariamente, sob estas condições empíricas, um negro deve ter uma Idéia normal da beleza da figura humana diferente da de um homem branco, um mandarim uma Idéia diferente de um europeu, etc. E o mesmo se aplica ao modelo de beleza de um cavalo ou cachorro (de tal raça).” “É a imagem de toda a raça, que flutua entre as mais variadas e díspares intuições dos indivíduos, que a natureza toma como arquétipo em suas produções congêneres, [imagem] que nunca dá a impressão de ser consumada por inteiro em qualquer caso particular.”

doriforo

o celebrado Doryphorus de Policleto”

[Nota do tradutor inglês] Policleto de Argos tornou-se conhecido por volta de 430 a.C. Sua estátua do Spearbearer [Doríforo] foi consagrada posteriormente como o Cânon; a razão é que nela o artista teria encorpado a representação perfeita do ideal da figura humana.”

A expressão visível das Idéias morais que governam os homens desde dentro só pode, de fato, ser retirada da experiência; mas para estabelecer sua conexão com tudo que nossa Razão congrega ao moralmente bom na Idéia da mais elevada propositividade, – bondade de coração, pureza, força, paz, etc., – visível como se estivesse corporalmente manifestado (como o efeito daquilo que é interior), requer-se uma união de Idéias da Razão puras com um grande poder imaginativo, também naquele que deseja ajuizá-la, mas principalmente naquele que deseja apresentá-la.”

sensus communis”

Cognições e juízos devem, juntos com a convicção que os acompanha, admitir a comunicabilidade universal; pois do contrário não haveria harmonia entre ambos e o Objeto, e eles seriam, coletivamente, mero jogo subjetivo dos poderes representativos, exatamente como o ceticismo interpretaria.” Bingo

se no juízo do gosto a Imaginação deve ser considerada em sua liberdade, ela não é, primeiramente, entendida como reprodutora, enquanto objeto das leis de associação, mas como produtora e espontânea (enquanto autora de formas arbitrárias de intuições possíveis).”

Toda regularidade rígida (como a que se aproxima ao máximo da regularidade matemática) tem algo de repugnante ao gosto; nosso entretenimento em sua contemplação quase não dura, aliás, pelo contrário, desde que ele não aspira explicitamente à cognição ou a um propósito prático definido, se converte em cansaço.”

o cantar dos pássaros, que não subscrevemos a nenhuma regra, aparenta mais liberdade, e conseqüentemente mais gosto, que uma composição de um ser humano produzida de acordo com todas as regras da Música; nos cansamos muito rapidamente dessas últimas, no caso de repetição freqüente e extensiva. Aqui, entretanto, nós provavelmente confundimos nossa participação na alegria de uma criaturinha que amamos com a beleza de sua canção; porque se ela fosse repetida ipsis literis pelo homem (como se consegue fazer, efetivamente, com as notas do rouxinol) soaria um tanto despida de gosto para nossos ouvidos.”

O Belo na natureza está conectado à forma do objeto, que consiste em ter limites. O Sublime, na contra-mão, é achado num objeto sem forma, contanto que nele ou em virtude dele a ilimitabilidade esteja representada, e ainda assim sua totalidade esteja presente ao pensamento.” “percebemos então que exprimimo-nos incorretamente se chamamos sublime qualquer objeto da natureza, não obstante possamos, com acerto, designar belos muitos objetos da natureza.” “o imenso oceano, agitado pela tempestade, não pode ser chamado de sublime.” “Pelo princípio da propositividade o nosso conceito da natureza é estendido, e se o passa a ver não mais como mero mecanismo, mas como arte.” “a natureza excita as Idéias do sublime em seu caos ou em suas desordem e desolação mais irregulares e selvagens, desde que tamanho e grandeza sejam percebidos.” “o sublime é aquilo em comparação com o quê tudo o mais é pequeno.” “Dado que existe em nossa Imaginação um anseio pelo progresso infinito, e em nossa Razão uma exigência pela totalidade absoluta, enxergada como uma Idéia real, essa inadequação para essa Idéia em nossa faculdade para estimar a magnitude das coisas dos sentidos excita em nós o sentimento de uma faculdade suprassensível.” “Podemos chegar, via conceitos definidos, à grandeza de alguma coisa somente recorrendo a números, dos quais a unidade é a medida (em todos os eventos descritos por séries de números que progridem ao infinito); toda estimação lógica de magnitude que conhecemos é matemática.” “Sobre a estimativa matemática da magnitude, não há, com efeito, um máximo (uma vez que o poder dos números se estende ao infinito); porém, para sua estimativa estética sempre há um máximo, e dele posso dizer que se ele é ajuizado como a medida absoluta diante da qual não é possível subjetivamente outra maior (para o objeto ajuizado), esse máximo traz consigo a Idéia do sublime e produz aquela emoção que nenhuma estimação de sua magnitude através de números pode produzir”

[para apreciá-las corretamente] devemos nos guardar de chegar perto demais das Pirâmides assim como devemos nos guardar de nos afastar demais delas” “Não devemos exibir o sublime em produtos de arte (p.ex., prédios, pilares, etc.) em que o propósito humano determina a forma bem como o tamanho.” “Um objeto é monstruoso se pelo seu tamanho ele destrói o propósito que constitui seu conceito. Mas a mera apresentação de um conceito grande demais para qualquer apresentação é chamada colossal (tangendo ao relativamente monstruoso)”

na estimativa da magnitude pelo Entendimento (Aritmética) só chegamos a algum lugar caso levemos a compreensão das unidades no máximo até o número 10 (em se falando da escala decimal) ou até o 4 (em se falando da escala quaternária); a produção de magnitude que vai além procede por combinação ou, se o quantum é dado na intuição, por apreensão

a capacidade crua de pensar esse infinito sem contradição requer, na mente humana, uma faculdade suprassensível em si. É só através dessa faculdade e sua Idéia de um noumenon, – que não admite intuição, mas que ainda assim serve de substrato à intuição do mundo, como mero fenômeno, – que o infinito do mundo dos sentidos, na estimativa intelectual pura da magnitude, pode ser completamente compreendido sob um conceito, embora na estimativa matemática da magnitude mediante conceitos de números ele jamais possa ser completamente pensado.”

O transcendente (rumo ao qual a Imaginação é impelida em sua apreensão da intuição) é para a Imaginação como que um abismo em que ela teme se perder; mas para a Idéia racional do suprassensível não se trata do transcendente, mas de um esforço da Imaginação conforme a lei; logo, há aqui tanta atração quanto havia de repulsa pela mera Sensibilidade.”

A mensuração de um espaço (visto como apreensão) é ao mesmo tempo sua descrição, e portanto um movimento objetivo no ato da Imaginação e um progresso. Na outra mão, a compreensão do múltiplo na unidade, – não do pensamento mas da intuição, – e conseqüentemente do sucessivamente apreendido numa só olhada, é um regresso, que aniquila a condição do tempo nesse progresso da Imaginação e torna a coexistência intuível. Por conseguinte (já que a série temporal é uma condição da coerência interna de uma intuição), ela é um movimento subjetivo da Imaginação, mediante o qual faz-se uma violência à coerência interna; quão maior for o quantum do que a Imaginação compreende numa só intuição, mais noticiável ela deve ser [O HOMEM INTUITIVO OU ESPAÇO ZERO]. Assim, o esforço para receber, numa única intuição, medidas para magnitudes que requeiram um tempo apreciável de apreensão é um tipo de representação que, considerada subjetivamente, é contrária ao propósito [operação sintética – pensar nos números abstrusos de eras e de dimensões no Budismo]

a natureza pode ser encarada pelo Juízo estético como força, e conseqüentemente como dinamicamente sublime, somente enquanto for considerada um objeto de temor.” “Aquele que teme não pode formar um juízo sobre o Sublime na natureza; igualmente, quem é seduzido pela inclinação e apetite não pode formar um juízo do Belo.”

O que é, inclusive para o selvagem, objeto da maior admiração? Um homem que nada teme, não treme diante de nada, não recua perante o perigo, preferindo enfrentá-lo vigorosamente, com a máxima deliberação. Mesmo no estado civilizado mais alto essa veneração peculiar pelo soldado permanece, embora apenas sob a condição de que ele exiba todas as virtudes da paz, gentileza, compaixão, e mesmo uma saudável precaução consigo próprio; porque mesmo através desta reconhece-se a mente de alguém que não se curva aos perigos.” “A própria guerra possui algo de sublime em si, e dá à disposição das pessoas que a conduzem um aspecto especialmente sublime” “uma paz prolongada traz à tona um espírito de comércio predominante, e junto consigo o egoísmo vil, a covardia, a efeminação, além de minar a disposição das pessoas.”

Geralmente, na religião, a prostração, a adoração de cabeça baixa, com voz e modos contritos e ansiosos, são os únicos comportamentos aceitáveis em presença da divindade” “Assim, a religião se distingue essencialmente da superstição. A última empresta à mente não a reverência pelo Sublime, mas o temor e a apreensão do Ser todo-poderoso a quem o homem amedrontado sente-se sujeito, sem por isso O dotar de grande estima. Disso nada pode resultar além da busca por obsequiar e bajular”

Quanto ao sentimento de prazer, um objeto pode ser classificado como prazeroso, ou belo, ou sublime, ou bom (absolutamente), (jucundum, pulchrum, sublime, honestum).”

solidões na penumbra profunda que dispõem a meditações melancólicas – tal, na segurança em que sabemos nos encontrar, não é medo de fato, mas só um ensaio de sentir medo com o auxílio da Imaginação”

Se chamamos a vista do firmamento reluzente de sublime, não devemos situar na base de nosso juízo conceitos de mundos habitados por seres racionais, e olhar os pontos brilhantes, com os quais vemos preenchido o espaço acima de nós, como seus sóis que se movem em círculos propositivamente fixados com referência a eles; devemos, do contrário, olhar tal espaço apenas como o vemos, como um umbral distante que tudo envolve. Só sob essa representação podemos alcançar essa sublimidade que um juízo estético puro delimita a esse objeto.”

Mas (o que parece estranho) a ausência de afecção (apatheia, phlegma in significatu bono) numa mente que segue vigorosamente seus princípios inalteráveis é sublime” “Toda afecção do tipo ESTRÊNUO (p.ex. que excita a consciência de nossos poderes a superar todo obstáculo – animi strenui) é esteticamente sublime, e.g. ira, mesmo desespero (i.e. o desespero da indignação, não o da fraqueza de espírito).”

essa falsa modéstia que fixa a única maneira de agradar ao Ser Supremo em auto-depreciações, em lastimosos queixumes hipócritas e em estados mentais meramente passivos – tudo isso em nada é compatível com qualquer quadro mental passível de ser contado como belo, muito menos como sublime.”

Muitos homens acreditam-se edificados após um sermão, quando na verdade não há edificação alguma (nenhum sistema de boas máximas); ou aperfeiçoados por uma tragédia, quando na realidade estão apenas agradecidos com o fim de seu ennui.”

Indignação na forma de fúria é uma afecção, porém sob a forma de ódio (vingança) é uma paixão. A última não pode jamais ser chamada de sublime; porque enquanto na afecção a liberdade da mente é prejudicada, na paixão ela é abolida. Para um desenvolvimento completo, ver Metaphysical Elements of Ethics [Metafísica dos Costumes, aparentemente, o que vem a ser uma péssima tradução oficial!], §XVI” Ver se Fundamentação da Metafísica dos Costumes é um prelúdio (outro livro completamente distinto) ou apenas uma tradução alternativa – R: Fundamentação/Introdução e a Metafísica dos C. em si são realmente dois livros diferentes, assim como no caso dos Prolegômenos e da Crítica da Razão Prática p.d..

Quiçá não haja passagem mais sublime na Lei Judaica que o comando, Tu não deves forjar para ti imagens de ídolos, seja à semelhança de qualquer coisa que exista no céu ou sobre a terra ou debaixo da terra, etc. Esse comando sozinho pode explicar o entusiasmo que os judeus sentiam pela sua religião em seu período moral, quando se comparavam a outros povos; ou explicar o orgulho que o Maometismo inspira.” “onde os sentidos não vêem mais nada diante de si, e a inegável e indelével Idéia de moralidade permanece, seria preferível moderar o ímpeto de uma Imaginação sem-limites, a fim de refrear seu entusiasmo, por medo da impotência dessas Idéias, a caçar fomento para elas em imagens e rituais infantis.”

o fanatismo, que é uma ilusão de que podemos nos condicionar a ver algo além de todos os limites da sensibilidade “o entusiasmo é comparável à loucura, o fanatismo é comparável à monomania [monovânia]” “No entusiasmo, visto como uma afecção, a Imaginação não tem rédeas; no fanatismo, visto como uma paixão inveterada e arraigada, não tem regras.”

a separação de toda a sociedade é olhada como sublime, se repousa em Idéias que ultrapassem todo o interesse sensível. Ser auto-suficiente, e conseqüentemente não necessitar da sociedade, sem ao mesmo tempo ser insociável, i.e. sem estar fugindo dela, é algo que tange o sublime; como é qualquer dispensa de necessidades. Porém, fugir dos homens por misantropia, porque pensamos mal deles, ou por antropofobia (timidez), porque tememo-los tais quais inimigos, é em parte odioso, em parte desprezível. Há com efeito uma misantropia (impropriamente assim chamada), para a qual a tendência aparece com a idade em muitos homens corretos; homens filantrópicos o bastante enquanto dotados de boa-fé, mas que através da longa e triste experiência perderam a satisfação para com os outros homens. Evidência disso é fornecida pela propensão à solidão, o desejo fantástico por uma habitação campestre remota, ou (no caso dos jovens) pelo sonho bucólico de passar a vida inteira com uma pequena família nalguma ilha desconhecida do resto do mundo; [haha!] um sonho do qual muitos contadores de estórias ou escritores de Robinsonadas sabem se utilizar bem. A falsidade, a ingratidão, a injustiça, a criancice dos propósitos considerados por nós mesmos como importantes e grandiosos, na busca pelas quais os homens se infligem mutuamente todos os males imagináveis, são tão contraditórias à Idéia do que o homem seria se pudesse escolher, e conflitam de tal forma com nosso intenso desejo de ver a raça em melhor estado, que, a fim de que evitemos odiar a espécie (pois é o que resta ao não podermos de forma alguma amá-la), a renúncia de todos os prazeres sociais parece até um sacrifício pequeno a se fazer.”

até a depressão (não a tristeza do desânimo) pode ser considerada uma afecção robusta, se está ancorada em Idéias morais. Mas se se escora na simpatia e, como tal, é amigável, ela pertence meramente às afecções lânguidas.”

Epicuro defendia que toda gratificação ou pesar poderiam ser, em última instância, corporais, fossem advindos de representações da Imaginação ou do Entendimento; a vida sem a sensação de órgãos físicos seria meramente uma consciência da existência, sem qualquer sentimento de bem-estar ou seu contrário”

Um cheiro que um homem aprecia dá dores de cabeça a um outro.”

Um jovem poeta não se permite ser dissuadido em sua convicção de que seu poema é belo, de acordo com o julgamento do público ou de seus amigos; e se ele dá ouvido a eles, ele o faz não porque agora ele pense diferente, mas porque, embora (com referência a si mesmo) todo o público tenha falso gosto, em sua ânsia por aplauso ele vê razões para se acomodar ao erro comum (ainda que contra o seu juízo). É só mais tarde, quando seu juízo já foi afiado pela experiência, que ele voluntariamente abdica de seus primeiros ajuizamentos (…) O gosto exercitado ao máximo exige autonomia. Fazer dos juízos alheios os parâmetros sólidos de seu próprio juízo seria heteronomia.

Que nós, e acertadamente, recomendemos as obras dos antigos como modelos e chamemos seus autores <clássicos>, constituindo assim dentre os escritores uma casta de privilegiados que fornecem as leis e constituem exemplos <vivos>, isso parece indicar fontes a posteriori do gosto, e contradizer a autonomia do gosto em toda matéria. Mas ainda estamos autorizados a dizer que os velhos matemáticos, – que são considerados até o dia de hoje como modelos satisfatórios impassíveis de ser descartados dadas a profundidade e a elegância supremas de seus métodos sintéticos, – provam que nossa Razão é somente imitativa, e que não temos a faculdade de produzir, a partir dela em combinação com a intuição, provas rígidas mediante a construção de conceitos”

“Não há portanto nenhum fundamento empírico que poderia forçar um juízo do gosto para quem quer que seja.”

É fácil ver que juízos do gosto são sintéticos, porque eles vão além do conceito e mesmo além da intuição do Objeto, e acrescem a essa intuição como predicado algo que não é uma cognição, ex. um sentimento de prazer (ou dor).”

como são possíveis os juízos sintéticos a priori?”

É um juízo empírico dizer que percebo e ajuízo um objeto com prazer. Mas é um juízo a priori dizer que eu o considero belo”

o maior preconceito de todos é representar a natureza como insujeitável às regras que o Entendimento situa em sua base por meio de sua própria lei essencial, i.e., [o maior preconceito] é a superstição. A libertação da superstição é chamada iluminação

sem dúvida, no começo, só aquelas coisas que atraíam os sentidos, e.g. as cores para tingir a pele (roucou [urucum] entre os caribenhos e cinnabar [cinabre] entre os iroqueses), flores, conchas de mexilhão, lindas penas, etc., – porém, com o tempo, as mais belas formas também (e.g. nas suas canoas, nas roupas, etc.), que não trazem consigo nenhuma gratificação, ou satisfação de usufruto – eram importantes na sociedade, e eram combinadas com grande interesse. Até que, por fim, a civilização, tendo atingido seu ápice, praticamente faz disso o principal em termos de inclinações refinadas; e as sensações são entendidas como valorosas enquanto universalmente comunicáveis.”

Se um homem que tem gosto o suficiente para ajuizar sobre os produtos das Belas-Artes com máximos refinamento e acurácia deixa de bom grado os aposentos onde estão sendo expostas belezas que excitam a vaidade ou qualquer frivolidade social, e se dirige, ao invés, para o belo na Natureza a fim de encontrar, como se deve, contentamento para seu espírito numa linha de raciocínio que ele jamais poderá levar a seu término, encararemos sua escolha com veneração, e atribuir-lhe-emos uma bela alma, o que aliás nenhum connoisseur ou diletante em Arte poderá reivindicar baseado em seu interesse por objetos artísticos.” “Desta feita, se a beleza na Natureza interessa a um homem imediatamente, temos razões para atribuir-lhe, no mínimo, os pressupostos para uma boa disposição moral.”

A canção dos pássaros transporta satisfação e contentamento com a existência.”

na poesia deve haver exatidão e riqueza de linguagem, e ainda prosódia e métrica.”

Não há Ciência do Belo, só uma Crítica; e não há algo como uma Ciência bela, só bela Arte.”

[Nota do tradutor inglês – ref. p. 39 de Wallace’s Kant] Kant costumava dizer que a conversação na mesa de jantar deveria sempre atravessar esses 3 estágios – narrativa, discussão, e pilhéria; e, um tanto formal, como em tudo o mais, diz-se que ele sempre coordenava de maneira análoga e à risca os seus jantares.”

…(…e, em grandes festins, a administração da música é algo magnífico. Refere-se que o objetivo deve ser dispor à alegria o espírito dos convivas, o som tomado como mero <barulho agradável>, sem a menor atenção para a composição; e que favoreça a conversação de cada qual com seu vizinho.) A essa classe pertencem todos os divertimentos que não trazem consigo qualquer interesse além do de fazer o tempo passar imperceptivelmente.” Péssimo uso da música. Mas belo uso da música ruim, se me permitem a contemporização!

O gênio é a disposição mental inata (ingenium) mediante a qual a Natureza dá a regra da Arte.” “(1) (…) originalidade deve ser sua primeira propriedade. (2) Mas, desde o momento em que ela pode também produzir nonsense original, seus produtos devem ainda ser modelos, i.e. exemplares (…) (É provável que a palavra gênio seja derivada de genius, aquele peculiar anjo-da-guarda dado a um homem ao nascer, de cuja sugestão essas Idéias originais procedem.)

Já que o aprendizado não é mais do que imitação, significa que a maior habilidade e educabilidade (capacidade) enquanto educabilidade, não podem ser de nenhum proveito para o gênio. Ainda que um homem pense ou invente por si mesmo, e não tire apenas do que outros lhe ensinaram, mesmo que ele descubra muitas coisas em arte e em ciência, esse não é o terreno adequado para se chamar um tal (talvez grande) cérebro de gênio” “Podemos aprender prontamente tudo o que Newton estabeleceu em seu trabalho imortal sobre os Princípios da Filosofia Natural, por maior que fosse a mentalidade necessária para descobrir tudo isso; o que não podemos aprender é a escrever poesia espirituosa, não importa quão manifestos se apresentem os preceitos da arte e quão excelsos e supremos sejam seus modelos.” “Um Homero ou um Wieland [1733-1813] não podem mostrar como suas Idéias, tão ricas em imaginação e, sem detrimento nenhum disso, igualmente repletas de pensamento e lógica, aparecem concatenadas em seu pensamento, simplesmente porque eles mesmos não sabem e portanto não podem ensinar.” “A arte pára num determinado ponto; um limite é estabelecido para ela além do qual não pode ir, que aliás foi atingido presumivelmente muito tempo atrás e não pode mais ser estendido. Nunca é demais lembrar que talento artístico não pode ser comunicado; é compartilhado a cada artista imediatamente pela mão da natureza; e então morre com ele, até a natureza beneficiar alguém da mesma maneira”

As Idéias do artista excitam como as Idéias em seus pupilos se a natureza os tiver dotado com uma proporção correlata de poderes mentais. Daí que modelos de belas-artes sejam o único meio de transmitir essas Idéias à posteridade. Isso não pode ser feito via meras descrições, menos ainda no caso das artes da fala, e nesta última modelos clássicos só podem ser fornecidos em línguas antigas e mortas, preservadas hoje somente enquanto <linguagens cultivadas>.” Uma música ou um retrato podem ser descritos ainda muito melhor (embora parcamente, em relação à música ou ao retrato propriamente ditos, de uma outra ordem ou patamar) que um escritor e seus escritos. A crítica literária de um gênio que não é realizada por outro gênio é apenas detrito, posto que nenhum proveito se tira de uma análise metalingüística mirrada (o verbo ruim ou medíocre não dá conta do verbo excelente).

mentalidades estreitas acreditam que não podem se mostrar melhor como gênios inteiramente desenvolvidos do que quando se libertam das restrições de todas as regras; acreditam, com efeito, que alguém poderia proporcionar um espetáculo mais grandioso nas costas de um cavalo selvagem do que nas costas de um animal treinado.”

é bem ridículo a um homem falar e decidir como um gênio em coisas que requerem a mais cuidadosa investigação por parte da Razão. Não se sabe, aliás, de quem rir mais, se do impostor que espalha essa fumaça em torno de si a ponto de não podermos fazer dele um claro juízo e conseqüentemente usar de nossa imaginação mais adequadamente, ou do público que ingenuamente imagina que sua inabilidade para aperceber-se claramente e compreender a obra diante de si emana de novas verdades concorrendo de forma tão abundante que detalhes (definições propriamente calculadas e a examinação acurada de proposições fundamentais) não pareçam mais que insignificâncias.”

se dizemos <essa é uma mulher bonita>, não pensamos nada além disso: a natureza representa em sua figura os propósitos visados na forma de uma silhueta feminina.”

As Fúrias, doenças, as devastações da guerra, etc., podem, mesmo contempladas como calamidades, ser descritas como muito belas, e mesmo representadas numa imagem. Só há um tipo de feiúra que não pode ser representada de acordo com a natureza, sem destruir toda satisfação estética e em conseqüência a beleza artificial; i.e. aquela que excita o desgosto.”

A arte da escultura, dado que em seus produtos a arte é praticamente intercambiável com a natureza, exclui de suas criações a representação imediata de objetos feios; e.g. ela representa a morte por um gênio bonito, o espírito bélico por Marte, e permite que todas essas coisas sejam representadas somente por uma alegoria ou atributo que contenha um efeito agradável

desejamos que apontamentos formais, um tratado moral, mesmo um sermão, tenham também essa forma da bela-arte, sem que a isso o autor tenha almejado: mas nem por isso chamamos essas coisas de obras das belas-artes. (…) e em alguns trabalhos pretendentes do título de arte achamos o gênio sem o gosto, enquanto em outros achamos o gosto sem o gênio.”

Um poema pode ser muito ordenado e elegante, mas sem espírito. Uma história pode ser exata e bem-arranjada, sem espírito. (…) até de uma mulher dizemos que ela é bonita, que tem uma conversa agradável, é cortês, mas sem espírito. O que, então, queremos dizer com espírito?”

por uma Idéia estética entendo aquela representação da Imaginação que ocasiona bastantes pensamentos, sem, entretanto, qualquer pensamento definido, i.e. qualquer conceito“Devemos chamar tais representações da Imaginação Idéias, em parte porque ao menos se esforçam atrás de algo que reside além das fronteiras da experiência, e procuram, portanto, se aproximar de uma apresentação de conceitos da Razão (Idéias intelectuais), dando assim à última uma aparência de realidade objetiva

ir além dos limites da experiência (…) é, propriamente falando, na arte do poeta, que a faculdade das Idéias estéticas pode manifestar-se em toda sua dimensão. Mas essa faculdade, considerada em si mesma, é propriamente apenas um talento (da Imaginação).” “um movimento, ocasionado por uma representação, que ruma a mais pensamento do que pode ser captado pela representação ou traduzido.” “A águia de Júpiter com o relâmpago nas garras é um atributo do poderoso rei dos céus, bem como o pavão o é da magnânima rainha. Eles não representam, como atributos lógicos, o que reside em nossos conceitos da sublimidade e majestade da criação, mas algo diferente, que dá ocasião para a Imaginação se espraiar por sobre um número de representações afiliadas, que despertam mais pensamento do que pode ser exprimido num conceito determinado por palavras.”

Eu sou tudo que é, e tudo que foi e tudo que será, e nenhum mortal descobriu meu véu.”

Famosa inscrição no Templo de Ísis (Mãe-Natureza)

O que chamamos espírito: expressar o elemento inefável no estado mental implicado por uma determinada representação e fazer dele universalmente comunicável – não importa se a expressão for falada ou pintada ou esculpida – isso requer uma faculdade de agarrar a Imaginação em seu rápido e transitório jogo e de unificá-la num conceito (que é por isso mesmo original e revela uma nova regra que não teria podido ser inferida por quaisquer princípios ou exemplos precedentes)”

Uma certa audácia na expressão – e em geral um abandono e tanto das regras comuns – é-lhe bem-vinda, mas não deve ser imitada (…) [caso contrário] a carreira inimitável do seu espírito sofreria de uma precaução super-ansiosa. O Maneirismo é outro tipo de macaqueamento, viz. da mera peculiaridade (originalidade) em geral; pela qual um homem se separa tanto quanto possível de imitadores, sem no entanto possuir o talento para ser ao mesmo tempo exemplar

Abundância e originalidade de Idéias são menos necessárias à beleza que o acordo entre a Imaginação em sua liberdade e a conformidade à lei do Entendimento. Porque toda a abundância do mundo só produz, mergulhada na liberdade sem-lei, o puro nonsense.”

O gosto, como o Juízo no geral, é a disciplina (ou treinamento) do Gênio; ele prende suas asas firmemente, e o torna cultivado e polido; mas, ao mesmo tempo, dá-lhe um norte sobre aonde e quão longe poderá chegar, se é que pretende permanecer propositivo. E ao passo que o gosto traz clareza e ordem à multitude dos seus pensamentos, faz também das Idéias mais suscetíveis de ser permanente e universalmente ratificadas, passíveis de ser seguidas por outros, e cabíveis em uma cultura que visa ao progresso constante.”

Para as belas-artes, portanto, Imaginação, Entendimento, Espírito e Gosto são requisitos. [Nota (do próprio K.):] As três primeiras faculdades são reunidas em primeira instância pela quarta. Hume nos dá a entender, em sua História da Inglaterra, que embora os ingleses não sejam inferiores em suas produções a nenhum povo da Terra muito patentemente pelo que demonstram em imaginação, entendimento e espírito, enquanto considerados em separado, são, sim, inferiores aos vizinhos franceses no que se refere à união harmônica dessas propriedades. [Nota do tradutor inglês] Nas suas Observações sobre o Belo e o Sublime, §iv, Kant diz que os ingleses têm o mais agudo sentido do sublime, já os franceses do belo.”

Existem, assim, apenas três tipos de belas-artes; as da fala, as artes formativas, e a arte do jogo das sensações (como impressões sensíveis externas).” “(1) As artes da FALA são a retórica e a poesia. A Retórica é a arte de conduzir um assunto sério do Entendimento como se ele fosse mera brincadeira da Imaginação; a poesia, a arte de conduzir um livre jogo da Imaginação como se se tratara de um negócio sério do Entendimento.”

o orador, em geral, dá menos, o poeta mais, do que promete. § (2) As artes FORMATIVAS, ou aquelas mediante as quais expressão é achada para as Idéias na intuição sensível (não por representações da mera Imaginação despertadas por palavras), são ou artes da verdade sensível ou da ilusão sensível. A primeira é chamada Plástica, a última Pintura. Ambas expressam Idéias por figuras no espaço; a primeira faz figuras cognoscíveis por dois sentidos, a vista e o toque (embora pelo último não tão amplamente quando refere o belo); a última só por um, o primeiro dos dois.” “À Plástica, o primeiro tipo de bela-arte formativa, pertencem a Escultura e a Arquitetura.”

[Nota] Que a jardinagem de paisagem possa ser considerada como uma espécie de arte da pintura, em que pese apresente suas formas corporalmente, soa estranho. Mas como essa arte toma suas formas da própria natureza (árvores, arbustos, gramíneas, e flores da floresta e do campo – pelo menos à primeira instância), ela não pode ser Plástica; além do mais, como ela não possui conceito do objeto e seu propósito (como na Arquitetura) condicionando seus arranjos, mas só envolve o livre jogo da Imaginação na contemplação, ela concorda com a pintura meramente estética, já que esta última não possui temática definida (harmoniza o céu, a terra, e a água, entretendo-nos com auxílio da luz e da sombra somente). – Em geral o leitor deve encarar essa classificação como uma mera tentativa de combinar as belas-artes sob um mesmo princípio, viz. aquele da expressão das Idéias estéticas (de acordo com a analogia da fala), e não como uma análise definitiva.” Jardinagem, pfff!

evocamos casos (embora raros) de homens que com a melhor vista do mundo não conseguem distinguir as cores, e que com a audição mais afinada não conseguem distinguir tons”

A retórica pode ser combinada com uma representação pictórica de seus sujeitos e objetos em uma peça de teatro; a poesia pode ser combinada com a música numa canção, e essa, mais uma vez, com uma representação pictórica (teatral) no que vem a ser uma ópera; o jogo de sensações na música pode ser combinado com o jogo de figuras na dança, e por aí vai. Mesmo a representação do sublime, enquanto pertença à bela-arte, pode combinar com a beleza numa tragédia em verso, num poema didático, num oratorio; e nessas combinações a bela-arte é ainda mais artística.”

O elemento essencial não é o problema da sensação (charme ou emoção), que só tem a ver com o prazer; isso não deixa nada para a Idéia, e torna o espírito tosco, o objeto gradualmente repulsivo, e a mente, no que respeita a sua consciência de uma disposição que conflita com o propósito no julgamento da Razão, descontente consigo mesma e perversa.” “distrações, das que estamos mais necessitados conforme mais delas usufruímos a fim de dispersar o descontentamento da mente consigo; isso nos torna cada vez mais inúteis e cada vez mais descontentes. As belezas naturais são geralmente de grande auxílio desse ponto de vista, se nos habituamos desde cedo a observá-las e admirá-las.”

De todas as artes a poesia (que deve sua origem quase inteiramente ao gênio e que será a menos guiada por preceitos ou exemplos) mantém o primeiro posto.” A poesia fortalece a mente ao fazê-la sentir a própria faculdade – livre, espontânea e independente de determinações naturais – de considerar e julgar a natureza como um fenômeno em acordo com aspectos que ela não representa por meio da experiência nem pelos Sentidos nem o Entendimento, e por conseguinte, [a poesia também faz a mente sentir, paradoxalmente, a faculdade, antitética à primeira,] de usar [a própria poesia] em proveito do, e numa espécie de esquema objetivando ao, suprassensível.”

A retórica, desde que significa justamente a arte da persuasão, i.e. enganar por meio de uma bela apresentação (ars oratoria), e não mera elegância de palavras (eloqüência e estilo), é uma Dialética, que toma emprestado da poesia apenas o suficiente para conquistar as mentes para o lado do orador antes de que formem por si sós um julgamento, e [apenas o suficiente] para privá-los de sua liberdade”

Na poesia tudo procede com honestidade e candor.”

[Nota] A arte retórica só alcançou seu ápice, tanto em Atenas como em Roma, quando o Estado galopava rumo à ruína e o verdadeiro sentimento patriótico já havia sumido. O homem que, de posse de clarividência e intuição das coisas, tem em seu poder uma riqueza cristalina da fala, e que, com uma frutífera Imaginação capaz de representar suas Idéias, une uma simpatia vivaz ao que é verdadeiramente bom, é o vir bonus discendi peritus, o orador sem arte mas muito marcante, como Cícero declama; apesar de que ele nem sempre se mantém fiel a esse ideal.”

No charme e no movimento mental produzido pela Música, a Matemática certamente não desempenha o menor dos papéis”

impressões transitórias (…) se elas são relembradas involuntariamente pela Imaginação, são mais cansativas que prazerosas. Ademais, a Música é acompanhada por certa necessidade de urbanidade, [anacrônico] provinda do fato de que, muito devido ao caráter de seus instrumentos, ela estende suas influências para além do que é desejado (na vizinhança), [haha!] e chega a ser intrusiva, violentando a liberdade de outros que não lhe são afeitos. As Artes que prazem aos olhos não são assim; neste caso, necessitaríamos apenas virar os olhos, se nossa intenção é evitar sermos impressionados. O caso da música é quase como o do prazer derivado de um cheiro que se espalha inconfundivelmente. O homem que tira seu cachecol perfumado de dentro do bolso atrai a atenção de todos ao seu redor, mesmo contra sua vontade, e ele os força a todos, se é que se pretende respirar, [!] a apreciar aquele aroma; este hábito, portanto, já caiu fora de moda. [Nota] Aqueles que preceituam o canto de canções espirituais em orações familiares não consideram que infligem um grande sofrimento ao público por meio dessas barulhentas (e, portanto, em geral farisaicas) devoções; assim eles forçam os vizinhos ou a cantar junto com eles ou a abandonar suas meditações. [Nota do tradutor inglês] Kant sofria pessoalmente desse tipo de problemas, o que deve explicar a acrimônia dessa nota. Durante um período, ele foi incomodado pelos exercícios devocionais dos prisioneiros do presídio adjacente a sua casa. Em uma carta ao burgomestre [espécie de prefeito] <ele sugeriu a vantagem de se fechar as janelas do local durante essas cantorias de hinos, e adicionou que os guardas da prisão provavelmente estariam inclinados a aceitar cânticos menos sonoros e perturbadores-da-vizinhança como evidência do espírito penitente de seus prisioneiros> (p. 42 da biografia de Kant por Wallace).”

Em tudo que excita a ponto de provocar uma vívida risada convulsiva, deve haver algo de absurdo (no qual o Entendimento, em conseqüência, não pode achar satisfação). A gargalhada é uma afecção advinda da súbita transformação de uma expectativa forçada em nada.“Suponha que se narre a seguinte estória: Um indiano, à mesa dum inglês no Surat, quando viu uma garrafa de cerveja sendo aberta e toda a cerveja virando espuma e transbordando, testificou seu grande espanto com muitas exclamações. Quando o inglês lhe perguntou, <O que tem nisso pra espantá-lo tanto?> ele respondeu, <Não me espanta a espuma sair desse jeito, só me pergunto como ela foi parar aí.>” “O herdeiro de um parente rico queria organizar um funeral imponente, mas lamentou não ter podido executá-lo: <É que quanto mais dinheiro eu dava as minhas carpideiras [mulheres pagas para chorar em enterros de desconhecidos, prática usual na Europa], mais felizes elas pareciam!>.[*] Quando ouvimos essa estória rimos alto, e a razão é que uma expectativa é subitamente transformada em coisa alguma.

[*] [Nota do Tradutor Inglês] A piada foi tirada da peça de Steele, The Funeral of Grief à la mode, pois há coincidência, palavra por palavra. Esta peça foi publicada em 1702.”

[Esse efeito de comicidade decorre de que] nós tratamos nosso próprio erro no caso de um objeto alhures indiferente para nós, ou, na verdade, [no caso de] uma Idéia cujo fio seguimos, como tratamos uma bola que rebatemos de lá para cá por um tempo, embora nossa única intenção séria [desde o início] fosse agarrá-la e segurá-la firme.” “o chiste deve conter algo que seja capaz de enganar por um curto espaço de tempo. Então, quando a ilusão é dissipada, a mente se volta para refazer o percurso, e através de uma rápida alternação entre tensão e relaxação ela ricocheteia e é posta em estado de oscilação.” “Em conexão com isso os pulmões expelem o ar em rápidos e sucessivos intervalos, movimento esse benéfico à saúde; o que por si só, e não o que o precede na mente, é a causa da satisfação num pensamento que no fundo não representa nada.Voltaire disse que os céus nos enviaram duas coisas para contrabalançar as muitas misérias da vida, a esperança e o sono. Ele poderia ter adicionado a risada, se apenas os meios de excitá-la no homem não fossem tão facilmente acessíveis [quanto aos homens imoderados], e [se] a esperteza requerida ou a originalidade de humor não fossem tão raras

a ingenuidade, que é a irrupção da sinceridade originalmente natural à humanidade em oposição à arte da dissimulação, que se tornou uma segunda natureza. Rimos da simplicidade que não entende como mascarar; [O Idiota de Dosto.] e ainda assim nos cativa a simplicidade da natureza que frustra essa arte.” “o velhaco em nós é descoberto” “Uma arte que tivesse que ser ingênua seria uma contradição; mas a representação da ingenuidade num personagem fictício é bem possível, e é uma bela, conquanto rara, arte. Naïveté não pode ser confundida com a simplicidade da franqueza, pois aquela só não estraga artificialmente a natureza porque não entende a arte da interação social.” Cristo era ingênuo?

Quem está involuntariamente sujeito a essas mutações é chamado de homem de humores [ou temperamental] (launisch); mas quem pode assumi-las voluntária e propositalmente (numa representação pública, por meio de um vívido contraste que logo exorta ao riso) – este alguém e seu jeito de se expressar são chamados cômicos (launigt). Esses modos, no entanto, pertencem mais às artes do divertimento que à bela-arte.”

O primeiro lugar-comum do gosto está contido na proposição, que toda pessoa desprovida de gosto propõe para se eximir da culpa: cada um tem o seu próprio gosto. Isso é tanto quanto dizer que o campo de determinação desse julgamento é meramente subjetivo (gratificação ou desagrado), e que o julgamento não tem direito ao necessário assentimento dos outros.” não há discussão em termos de gosto. Isso é o mesmo que dizer que o campo determinante de um julgamento do gosto pode de fato ser objetivo, mas que não pode ser reduzido a conceitos definidos, e que por conseguinte, sobre o juízo em si nada pode ser decidido mediante provas, em que pese muito poder ser corretamente contestado[, o que seria absurdo]. Porque contestar (discordar) e disputar (controvérsia) são sem dúvida o mesmo neste contexto, uma vez que por meio da mútua oposição de julgamentos o que ambos intentam é produzir um consenso” “Vemos claramente que entre esses dois lugares-comuns há uma proposição faltando, embora ela nunca tenha passado a provérbio, familiar a todo mundo, viz. pode haver uma discordância sobre o gosto (embora não possa haver uma controvérsia). (…) onde quer que discordar é permissível, deve haver uma esperança de mútua reconciliação.”

Daí emerge com respeito ao princípio do gosto a seguinte Antinomia:

  1. Tese. O julgamento do gosto não está fundado em conceitos; doutra forma, admitiria a controvérsia (seria determinável por provas).

  2. Antítese. O julgamento do gosto está fundado em conceitos; pois, doutra maneira, sem embargo sua diversidade, não poderíamos discordar sobre ele (não poderíamos exigir para nosso julgamento o necessário assentimento dos outros).

A solução da antinomia do Gosto

(…)

O julgamento do gosto deve se referir a algum conceito; doutro modo não poderia fazer absolutamente nenhuma exigência no sentido de ser necessariamente válido para todo e cada um. Mas ele não é passível de ser provado por um conceito; porque um conceito deve ser ou determinável ou indeterminado e indeterminável em si mesmo. Os conceitos do Entendimento são da primeira espécie; são determináveis mediante predicados da intuição sensível que podem corresponder a eles. Mas o conceito racional transcendental do suprassensível, que descansa na base de toda intuição sensível, é do último tipo, e portanto não pode ser teoreticamente mais bem-determinado.

(…)

Vemos então que a remoção da antinomia do Juízo estético toma uma forma similar à perseguida pela Crítica na solução das antinomias da Razão teorética pura. Destarte, e em compasso com a Crítica da Razão prática, as antinomias nos forçam contra nossa vontade a observar além do sensível e a procurar no suprassensível o ponto de união para todas as nossas faculdades a prioriVendeu muito bem o seu peixe (todas as etapas ou grandes vertentes de sua filosofia)!

VEREDICTO: Filosofia inútil. Não existe filosofia que não seja do supremo. Não existe síntese filosófica em filosofias autênticas. O Kantismo acaba a obra – é simplesmente filisteísmo. O pós-kantismo, necessário e inevitável, é um recomeço do zero para uma nova elite que ainda apalpa às escuras até os nossos dias. Novos tempos exigem novas filosofias, tão perenes quanto as antigas. Uma dica? O egoísmo é a pedra fundamental do novo estilo.

O estado fluido é, ao que indicam as aparências, mais velho que o estado sólido, e tanto os corpos das plantas quanto os dos animais são compostos de matéria nutritiva fluida, uma vez que os sólidos se formam no estado de repouso.”

somos nós que recebemos a natureza com benevolência, não a natureza que se nos é benevolente.” Ainda assim, disseste que contemplar a natureza era sempre bom.

Se os conceitos são empíricos, as intuições são chamadas de exemplos. Se eles são conceitos puros do Entendimento, as intuições são chamadas schemata.” “As palavras campo (suporte, base)[*], depender (ser suportado por algo)[*], fluir de (algo) (em vez de seguir ou derivar)[*], substância (como Locke a expressa, o suporte ou a base de acidentes)[*], e incontáveis outras, não são esquemáticas mas hipotiposes [descrições] simbólicas e expressões para conceitos, não via uma intuição direta, mas somente por analogia com ela, i.e. pela transferência da reflexão sobre um objeto da intuição para um conceito consideravelmente diferente ao qual uma intuição nunca pode corresponder diretamente.

[*] [Como as palavras aqui grifadas e entre parênteses são, respectivamente, derivadas de uma tradução direta do Alemão para o Inglês e de uma tradução indireta do Alemão para o Português, passando pelo Inglês, decidi expor os sinônimos teutônicos, a fim de evitar qualquer desvio semântico acentuado da matéria:]

campo – Hintergrund, Basis, Grundlage, Fundament

depender – sich tragen, sich stützen, sich heben, auf verlassen, auf hofen, von abhängen

fluir de algo – fliessen, strömen, folgen, hinterher gehen, nachkommen, von etwas kommen, resultieren, abstammen

substância – Substanz, Wesen

É um verdadeiro prazer ver o zelo com que os geômetras antigos investigavam as propriedades das linhas dessa classe, sem se permitir sair do tema devido a questionamentos de mentes estreitas, como para quê serviria esse conhecimento. Significa que eles descobriam as propriedades da parábola sem conhecer a lei da gravitação, que lhes teria sugerido sua aplicação à trajetória dos corpos pesados (porquanto a trajetória de um corpo pesado pode ser percebida como paralela à curva de uma parábola). De novo, eles determinavam as propriedades de uma elipse sem suspeitar do peso possuído pelos corpos celestes, e sem a compreensão da lei da força aplicada a distâncias diferentes do ponto de atração, que ajudam a descrever, juntos, a mesma curva sem restrições de movimentação. Enquanto que eles inconscientemente trabalhavam pela ciência do amanhã, compraziam-se com a propositividade no ser (essencial) das coisas que eles já eram capazes de apresentar completamente a priori em sua necessidade.” “Não à toa, Platão banira de sua escola os homens ignorantes em geometria, posto que ele pensava poder derivar da intuição pura, que radica no espírito humano, aquilo que Anaxágoras concebeu apenas através de objetos empíricos e suas combinações propositivas.” O conhecimento sintético a priori desemboca necessariamente na metempsicose (embora por razões cronológicas também possam dizer o contrário). Já se sabe o que sempre foi sabido.

As múltiplas regras cuja unidade (derivada de um princípio) excita a admiração, são todas sintéticas e não dependem do conceito do Objeto, e.g. de um círculo; mas requerem esse Objeto para serem dadas em intuição.”

a unificação da forma da intuição sensível (espaço) – com a faculdade dos conceitos (o Entendimento) – é inexplicável para nós”

o propósito da (existência da) natureza deve ser ele mesmo procurado além da natureza.”

nós não vemos por que seja necessário que o homem exista”

tudo no Mundo é de alguma forma bom para alguma coisa; nada é vão nele.”

Durante o sono a Imaginação se mostra mais ativa quando o estômago está sobrecarregado, caso em que essa excitação é mais necessária.”

Nos aventuramos a julgar as coisas como pertencendo a um sistema de propósitos, que nem por isso (seja em si mesmas ou em suas relações propositivas) necessitam que busquemos para elas qualquer princípio de sua possibilidade além do mecanismo das causas que atuam cegamente.”

Mas por que é que a Teleologia não forma parte, usualmente, da ciência natural teorética, embora seja considerada como uma propedêutica ou transição para a Teologia? Isso se dá a fim de restringir o estudo da natureza, mecanicamente considerado, àquilo que possamos submeter à observação ou [a fim de que possamos] experimentar que somos capazes de produzi-la [a Teleologia] por nossa conta assim como a natureza o faz, ou pelo menos por leis similares.”

O sistema de causalidade que é atribuído a Epicuro ou Demócrito é, tomado literalmente, tão claramente absurdo que nem deveria nos deter. Em oposição a ele se encontra o sistema de fatalidade, do qual Spinoza é considerado o autor, não obstante ser [um sistema] muito mais antigo de acordo com todas as aparências. (…) o Fatalismo da propositividade é ao mesmo tempo um Idealismo.

O Realismo da propositividade da natureza é ou físico ou hiperfísico. O primeiro baseia os propósitos na natureza, pela analogia de uma faculdade agindo com volição, sobre a vida da matéria (a própria ou a vida de um princípio inato nela, uma alma-mundo) e é chamado Hilozoísmo. O último (…) é o Teísmo.

A Teleologia encontra a consumação de suas investigações apenas na Teologia.”

Se quiséssemos estabelecer dogmaticamente, em termos teleológicos, a proposição acima estaríamos confrontados com dificuldades das quais não poderíamos nos desembaraçar.” “Se expressássemos essa proposição dogmaticamente como objetivamente válida, esta seria: <Há um Deus.> Mas para nós homens só é permissível a fórmula limitada: <Não podemos pensar e fazer compreensível a propositividade que forçosamente se situa no profundo de nossa cognição da possibilidade interna de várias coisas naturais senão representando-a – e o mundo em geral – como um produto de uma causa inteligente (, um Deus).>

Se essa proposição, baseada inevitavelmente em uma máxima necessária do nosso Juízo, é completamente satisfatória de todo ponto de vista humano tanto para o uso especulativo quanto para o uso prático da nossa Razão, então eu gostaria de saber o que perderíamos ao não poder prová-la como válida também para seres mais elevados, de um ponto de vista objetivo (o que infelizmente paira além de nossas faculdades). É de fato absolutamente certo que não somos capazes de cognoscer, quanto mais explicar, seres organizados e sua possibilidade interna, de acordo com meros princípios mecânicos da natureza; e nós podemos afirmar categoricamente que é igualmente certo que seria absurdo para os homens efetuar qualquer tentativa ou ter qualquer esperança de que um novo Newton despertaria no futuro, que lograsse tornar compreensível dentre nós a produção de uma lâmina de grama segundo leis naturais que não seguem de uma volição.” “Não podemos, sendo assim, julgar objetivamente, nem positiva nem negativamente, coisas concernindo a proposição: <Subsistiria como base do que poderíamos chamar, com razão, de ‘propósitos naturais’ um Ser capaz de agir segundo motivos, sendo Ele a causa do mundo (e conseqüentemente seu autor)?>

onde não chega o Entendimento, a Razão é transcendente, e se mostra em Idéias primordialmente estabelecidas”

podemos sempre ter uma coisa em nossos pensamentos não obstante não seja (realmente) nada, ou podemos representar uma coisa como dada não obstante não tenhamos dela conceito.”

O conceito de um Ser absolutamente necessário é sem dúvida uma Idéia indispensável da Razão, mas ainda assim ela é um conceito problemático inatingível pelo Entendimento humano.”

O ato moralmente absolutamente necessário é tido como fisicamente absolutamente contingente, já que aquilo que deve necessariamente acontecer freqüentemente não acontece.”

O particular, enquanto tal, contém algo contingente com respeito ao universal, enquanto a Razão, por outro lado, requer unidade e conformidade à lei na combinação de leis particulares da natureza. Essa conformidade do contingente à lei é denominada propositividade (…) O conceito de propositividade da natureza em seus produtos é necessário ao Juízo humano com relação à natureza, mas não tem a ver com a determinação de Objetos. É, portanto, um princípio subjetivo da Razão para o Juízo, que como regulador (não-constitutivo) é tão necessariamente válido para nosso Juízo humano como o seria um princípio objetivo.

o conceito de uma causalidade da natureza como a de um ser agindo de acordo com propósitos parece tornar a Idéia de um propósito natural em um princípio constitutivo, cuja Idéia tem algo diferente de todas as outras Idéias.”

a Idéia de um possível Entendimento diferente do humano deve ser fundamental aqui. (Assim como na Crítica da Razão Pura nós devemos ter em nossos pensamentos outra possível (espécie de) intuição, se for para a nossa ser tida como uma espécie particular para a qual objetos são válidos somente como fenômenos.) (…) Não negamos que um Entendimento, diferente do (i.e. mais elevado que o) humano, pode achar o campo da possibilidade de tais produtos da natureza no mecanismo da natureza, i.e. em uma combinação casual para a qual um Entendimento não é explicitamente assumido como causa.

Mas devemos agora nos ater à relação do nosso Entendimento para com o Juízo; viz. nós buscamos uma determinada contingência na constituição do nosso Entendimento, a qual podemos adscrever como uma peculiaridade distinguindo [o nosso Entendimento] de outros Entendimentos possíveis.” Malandrããããão!

podemos pensar um Entendimento intuitivo (negativamente, meramente como não-discursivo), que não procede do universal ao particular, e assim ao indivíduo (mediante conceitos).” A contorção salvacionista só aumenta! “De fato nosso Entendimento tem a propriedade de proceder do analítico-universal (conceitos) [em direção] ao particular (a intuição empírica dada). (…) Podemos entretanto conceber um Entendimento que, sendo, não como o nosso, [que é] discursivo, mas intuitivo, procede do sintético-universal ao particular”

Segundo a constituição de nosso Entendimento um todo real da natureza é tido apenas como o efeito dos poderes propositivos concorrentes das partes. Suponha então que nós não desejemos representar a possibilidade do todo como dependente daquela das partes (seguindo a forma do nosso Entendimento discursivo), mas sim de acordo com o padrão do Entendimento intuitivo (original) com o fito de representar a possibilidade das partes (segundo suas constituição e combinação) como dependente daquela do todo.”

Não é aqui requisito em absoluto provar que tal intellectus archetypus é possível, mas somente conceber sua Idéia, em contraste com nosso Entendimento discursivo que tem a necessidade de imagens (intellectus ectypus)”

Nenhuma Razão humana, em absoluto (de fato nenhuma Razão finita como a nossa em qualidade, não importa o quanto ela possa ultrapassá-la em grau), pode ambicionar a entender a produção de qualquer mísera lâmina de grama mediante causas meramente mecânicas.” o princípio comum às derivações mecânica e teleológica é o suprassensível, que devemos pôr na base da natureza, tida como fenômeno.”

onde propósitos são pensados como campos da possibilidade de determinadas coisas, devemos assumir ainda meios, cuja lei de funcionamento não requer para si mesmos nada que pressuponha um propósito, – uma lei mecânica – [l]e[i] [que] pode ser ainda assim uma causa subordinada de efeitos intencionais.”

Qual é o lugar próprio à Teleologia? Pertence à ciência natural (propriamente dita) ou à Teologia? Uma das duas deve ser; pois nenhuma ciência pertence à transição de uma à outra, uma vez que essa transição demarca apenas a articulação ou organização do sistema, e não um lugar nele.” A Teleologia, como ciência, não pertence a nenhuma Doutrina, apenas ao CriticismoO lado laico do determinismo. “sua Metodologia tem influência ao menos negativa sobre o procedimento em Ciência Natural teorética, e também sobre a relação que esta pode ter em Metafísica com a Teologia como a sua propedêutica.” “É portanto racional, até meritório, perseguir o mecanismo natural, atinente à explanação dos produtos naturais, tanto quanto se pode fazer com probabilidade; e se nós abdicamos desse esforço não é por ser impossível em si mesmo deparar-se nesse percurso com a propositividade da natureza, mas porque é impossível para nós enquanto homens.” Haha.

Essa analogia das formas, que com todas as suas diferenças parecem ter sido produzidas segundo um tipo original em comum, reforça nossas suspeitas de um relacionamento vigente entre elas em sua produção via um parente coincidente, através da aproximação gradual de um genus animal com outro – daqueles em que o princípio dos propósitos parece estar mais bem-autenticado, i.e. do homem, até o pólipo, e mais uma vez desse até as algas e líquens, e finalmente até os estágios mais inferiores da natureza noticiáveis por nós, viz. até a matéria crua.”

O arqueologista da natureza pode supor o seio da mãe-terra, quando ela se transmitiu de seu estado caótico (como um grande animal) para dar a luz no começo a criaturas de forma menos propositiva, que por sua vez deram a luz a outras que se formaram com maior adaptação a seus lugares de nascimento e em suas relações entre si; até que esse útero, se tornando torpe e ossificado, limitou seus partos a espécies definidas não mais modificáveis,[*] e a pluralidade permaneceu como era ao fim da operação desse poder formativo frutífero. – Apenas que ele deve, ainda, no fim, prescrever a essa mãe-universal uma organização propositiva com referência a todas essas criaturas; [mera conjetura otimista, já que estamos entre o começo e o fim] doutra forma, não seria possível pensar a possibilidade da forma propositiva dos produtos dos reinos animal e vegetal. [Porque até aqui a fauna se nutriu da flora, que veio primeiro, não quer isso dizer que a fauna serve de meio para um propósito mais alto de outra coisa (que neste caso seria o homem, arbitrariamente retirado da classificação fauna. Como, igualmente, é questionável que a flora seja realmente um meio para propósitos mais altos, embora seja um meio de sobrevivência animal, se se entende que não há acréscimo de valor absoluto entre tão-só a existência de plantas e a existência de plantas em conjunto com os animais. Posto que o homem está destruindo a Terra, poderíamos muito bem raciocinar que a pedra é o melhor estado, se seguíssemos por estas veredas, e que nosso propósito último é o retorno ao minério.] [Nota] (…) de acordo com a experiência, toda geração que conhecemos é generatio homonyma. Isso não é meramente ser [generatio] univoca em contraste com a geração que advém de material desorganizado [aqui Kant ainda faz concessões aos <crentes> da teoria da geração espontânea da vida, ou à tese dos esporos no ar, pelo menos, cfr. extensa discussão em Schopenhauer], mas na organização o produzido é análogo ao produtor; e generatio heteronyma, [pelo menos] tanto quanto nosso conhecimento empírico da natureza permite dizer, não existe.

[*] Uma explicação assaz plausível para a ausência de novas variações de espécies observáveis no tempo da cultura, ou o “congelamento evolucionário aparente”. Mas significaria que já houve tudo que devia haver, daí sua absurdidade congênita.

Mesmo no que concerne à variação a que determinados indivíduos de gêneros organizados estão acidentalmente sujeitos, se nós concluímos que o caráter de tal forma modificado é hereditário e subsumido no poder gerador, não podemos ajuizar pertinentemente a variação como sendo mais do que um desenvolvimento ocasional de capacidades propositivas originalmente presentes na espécie com o desígnio da preservação da raça.”

Que a matéria crua tem de ter originariamente se formado segundo leis mecânicas, que a vida tenha desabrochado da natureza do que é inanimado, que a matéria tenha podido se dispor sob a forma de uma propositividade auto-sustentável – isso Herr Hofr. Blumenbach[*] declara, com acerto, ser contraditório à Razão.” Do ponto de vista racional, Deus deveria estar, sem contraditório, universalmente visível, intuível e passível de prova, como o causador de tudo: uma vez que não temos essa certeza, a fenomenologia é irracional e não temos de achar falta ou defeito nisso, afinal não somos teólogos.

[*] Johann Friedrich B., naturalista alemão (1752-1840). Acreditava na existência de 5 raças antropológicas. Seu “On the natural variety of mankind” influenciou os craniologistas posteriores. Um dos primeiros a proliferar na diferenciação entre chimpanzés e orangotangos (até então, cientistas não sabiam diferenciar corretamente os primatas – gorilas foram descobertos apenas mais tarde pelos europeus). Outros trabalhos de renome: Handbook of comparative anatomy; Handbook of natural history; On the Formative Drive and the Operation of Generation.

O conceito de felicidade não é um que o homem derive por abstração de seus instintos e que deduza assim de sua natureza animal; é uma mera Idéia de um estado, que ele almeja tornar adequado à Idéia sob condições meramente empíricas (o que é impossível).” “Não é a sua natureza repousar e se contentar com a possessão e o usufruto de qualquer coisa que seja. Por outro lado, também, algo falta aí. A natureza não o selecionou [ao homem] como seu favorito e o cumulou de bens acima de todos os animais. Nas suas operações destrutivas, aliás, – pragas, fome, enchentes, nevascas, ataques de outros animais pequenos ou grandes, etc., – nisso tudo, ela o perdoou tão pouco como a qualquer outro animal. Pior ainda, a inconsistência de suas próprias disposições naturais o dirige a tormentos auto-infligidos, e ainda reduz seus congêneres à miséria, pela opressão do senhor, o barbarismo da guerra, e assim por diante; ele, em si, tanto quanto só dele depende, trabalha pela destruição de sua própria raça; a ponto de que, mesmo com a natureza externa mais beneficente, seus propósitos, se fossem dirigidos à felicidade de nossa espécie, não seriam atingidos num sistema terreno, porque nossa natureza não é suscetível disso.”

A produção da aptidão de um ser racional para propósitos arbitrários em geral (conseqüentemente em sua liberdade) é cultura. Sendo assim, somente a cultura pode ser o propósito definitivo que temos o direito de subscrever à natureza com respeito à raça humana”

um todo cosmopolitano, i.e. um sistema de todos os Estados que estão em perigo de agir injuriosamente uns para com os outros. Falhando esse propósito, e com os obstáculos que a ambição, a luxúria da dominação, a avarícia, especialmente naqueles que possuem a autoridade em suas mãos, opõem à possibilidade mesma de um esquema parelho, decorre inevitavelmente a guerra (pela qual às vezes Estados se subdividem e se apequenam e multiplicam, às vezes um Estado anexa menores e luta para formar um todo maior). Embora a guerra seja uma empresa indesejada pelos homens (instigados por suas paixões indomadas), ela vem a ser (talvez) uma empresa profundamente oculta porém desejada, de suprema sabedoria, tendo em vista que prepara, se é que não estabelece, a conformidade às leisDizem que toda essa (conhecida) visão de Direito Internacional de Kant é vista mais detidamente no ensaio Zum ewigen Frieden [À Paz Perpétua] (1795). PS 2022: Ensaio parco, fetichista. Uma decepção, tendo em vista a qualidade da (inconclusiva) exposição nesta Crítica.

[Nota do tradutor inglês] Cf. Teoria Filosófica da Religião [a tradução mais famosa para português consta como <A Religião nos Limites da Simples Razão>], Parte i., Sobre o princípio mau na Natureza Humana, III., onde Kant observa que, em que pese a guerra <não ser tão incuravelmente má como a morte de uma monarquia universal … ainda assim, como um antigo observou, ela mais envilece do que mata.>)” Se Kant ressuscitasse hoje, morreria de infarto em segundos por sua Alemanha e por sua Rússia…

Não podemos lutar contra a preponderância do mal, que nos contamina graças ao refinamento do gosto levado à idealização, e até graças à luxúria da ciência que alimenta vaidades, mediante o número insaciável de inclinações que pode despertar.”

por que as coisas do mundo (seres organizados) possuem essa ou aquela forma? por que elas são colocadas pela natureza nessa ou naquela relação umas com as outras? Mas assim que um Entendimento que deve ser tido como a causa da possibilidade de tais formas como encontramos de fato nas coisas é pensado, deve ser questionado em termos objetivos: Quem poderia ter determinado esse Entendimento produtivo a uma operação dessa categoria? Esse ser é, pois, o propósito final em referência ao qual tais coisas lá estão.”

No mundo, apenas uma categoria de seres tem causalidade teleológica, i.e. (…) o homem, mas o homem considerado como noumenon; o único ser natural em que podemos reconhecer, por parte de sua constituição peculiar, uma faculdade suprassensível (a liberdade) e também a lei da causalidade, juntas com seu Objeto, que essa faculdade se pode propor como o mais elevado propósito (o maior bem no mundo).

Porém, do homem como ser moral não mais se pode perguntar: por que (quem in finem) ele existe?”

Porque os dados, e portanto os princípios, para determinar esse conceito de uma Causa Inteligente do Mundo (como mais elevado artista) são meramente empíricos, não nos é permitido inferir qualquer de suas propriedades além daquelas que a experiência revela em seus efeitos.”

Se reduzirmos o conceito de uma Deidade ao de um ser inteligente pensado por nós, o qual pode ser um ou mais, o qual possui muitas e grandiosas propriedades, porém não todas as propriedades que são um requisito para a fundação de uma natureza em harmonia com o mais grandioso propósito possível; (…) onde tenhamos margem para assumir bastante perfeição (e o que é bastante para nós?); (…) então[, nessas condições de insuficiência da perfectibilidade para que se equiparasse a um Deus kantiano,] a Teleologia física pode exigir convincentemente a distinção de ser a base da Teologia.”

propriamente falando, uma Idéia de um Ser Supremo que repousa sobre um uso consideravelmente diferente da Razão (o uso prático), repousa em nós fundamentalmente a priori

Não se pode culpar os antigos em demasia, se eles pensavam seus deuses diferindo de tal forma um do outro tanto em suas faculdades quanto em seus desígnios e volições, e ainda assim, pensavam todos eles, não excetuando nem o Supremo Um, como seres sempre limitados, segundo o modelo humano. Porque se eles consideravam o arranjo e o curso das coisas na natureza, eles certamente encontravam margem o suficiente para assumir algo mais do que o mecani[ci]smo como sua causa, e para conjeturar, por trás do maquinário dos desígnios deste mundo, propósitos de determinadas causas mais elevadas, que eles não imaginavam mais do que superhumanos. Mas porque eles se defrontaram, no caminho, com o bem e o mal, o propositivo e o absurdo, misturados (ao menos aonde alcança nosso insight), e não podiam permitir-se assumir aqueles propósitos sábios e benevolentes que por eles não foram provados,[*] nem no mais recôndito, graças à Idéia arbitrária de um Autor original supremamente perfeito, seu juízo sobre a Causa Suprema do Mundo dificilmente poderia ser diferente do que foi, não enquanto eles prosseguissem consistentemente seguindo as máximas do uso da Razão meramente teorético.”

[*] Piadisticamente, poderia aqui dizer: se nem Cristo agradou todo mundo, se era impossível agradar gregos e troianos, quem seriam Homero, os pré-socráticos, ou mesmo os sofistas, Sócrates e o seu noumenon, Platão, Aristóteles, os estóicos e os epicuristas, para “nos provar” alguma coisa? Sendo, aliás, mais exigente, quem eram estes grandes homens para provar alguma coisa ao seu próprio povo?

Qual é a utilidade, alguém pode muito bem resmungar, de colocar na base de todos esses arranjos um grande Entendimento incomensurável para nós, e supô-lo governando o mundo de acordo com uma volição, se a natureza não revela e não pode revelar-nos nada a respeito do propósito final?”

como e com que direito eu ousaria estender a meu bel prazer meu muito limitado conceito desse Entendimento original (que eu posso fundar no meu limitado conhecimento do mundo) do Poder desse Ser original de consumar suas Idéias, [o conceito] de sua Vontade para fazê-lo, e integrá-lo [todo esse raciocínio em cadeia] na Idéia de um Ser Onisciente, Infinito? Se é que isso deve ser feito teoreticamente, isso supõe a onisciência em mim, de modo que eu pudesse visualizar os propósitos da natureza em todas as suas associações, e, em acréscimo, [de modo que eu detivesse] o poder de conceber todos os planos possíveis, em comparação com os quais o plano presente seria ajuizado em termos (suficientes) como o melhor.”

A Físico-Teologia é uma Teleologia física malcompreendida, aproveitável somente como uma preparação (propedêutica) para a Teologia”

Sem a raça humana a criação inteira seria um lixo (…) o homem não está ali meramente para que haja alguém para contemplar o mundo. Porque se a contemplação do mundo apenas possibilitasse uma representação das coisas sem qualquer propósito final, nenhum valor seria por isso acrescentado ao seu ser[-no-mundo] (pelo mero fato de que o mundo se tornara conhecido [para si]); devemos pressupor para ele um propósito final, [o nós é que não cabe ao homem europeu] em referência ao qual sua contemplação, por si própria, teria um sentido. Novamente, não é em referência ao sentimento de prazer, ou à soma dos prazeres, que nós pensamos como dado um propósito final da criação; i.e. não estimamos esse valor absoluto segundo o bem-estar ou a felicidade (quer corporal quer mental) (…) O fato de que o homem, se ele existe, assume-o [o atingimento da felicidade] como seu propósito final não nos brinda com um conceito que explique por que em geral ele deveria existir, nem qualquer conceito que justifique nosso direito de buscar uma vida prazenteira e feliz. (…) Permanece portanto apenas a faculdade do desejo; não é isso, todavia, que faz do homem dependente da natureza (mediante impulsos sensíveis), nem [é isso] que justifica seu ser com base no cômputo dos prazeres. Somente mediante o valor que o homem pode atribuir a si próprio, e que consiste no que ele faz, em como e segundo que princípios ele age, e isso tudo não enquanto mero elo na corrente da natureza, [meio para fins alheios e desconhecidos] mas enquanto ser dotado de liberdade em sua faculdade de desejar – i.e. a vontade de fazer o bem – é que o homem pode ser considerado portador de um sentido absoluto.” Se está muito difícil de PENETRAR NESTE (PÂN)TANO [SIN]TÁTICO-SE(MÂN)TICO: Somente sendo um ser auto-avaliador, temporal e de carne é que alcançamos a imortalidade e que possuímos alma.

O MORALIZADOR RAIZ: “só como ser moral o homem pode ser o propósito final da criação” se a criação não é para ser sem um propósito final sequer, ele, que como homem a ela pertence, deve, num mundo regido pela lei moral, desde que ele é um homem mau, sacrificar seu propósito subjetivo (a felicidade). Essa é a única condição sob a qual sua existência pode concordar com o propósito último.”

Assim, a Teleologia moral suplanta as deficiências da Teleologia física, e estabelece por primeira vez uma Teologia; porque a última, se não tomasse emprestado da primeira, não seria consistente, e seria no máximo uma Demonologia, incapaz de qualquer conceito definido.”

Suponha o caso de um homem no momento em que sua mente está disposta a uma sensação moral. Se, circundado pelas belezas da natureza, ele se encontra num estado sereno de contentamento com seu ser, ele sente uma carência, nomeadamente, a de agradecer a um ser ou outro pelo seu presente estado.” “É vão caçar motivos para esses sentimentos, porque eles estão imediatamente conectados com o mais puro sentido moral”

embora o medo produza deuses (demônios) em primeiro lugar, é a Razão mediante seus princípios morais que pode produzir primeiramente o conceito de Deus

(e todo mundo concorda) se o mundo consistisse apenas de seres inanimados, ou mesmo em parte viventes mas irracionais, sua existência não faria sentido porque não haveria ser algum que fizesse idéia do que sentido é.”

O subjetivo, o bem físico mais elevado possível no mundo, destinado a se consumar enquanto propósito final inerente a nós, é a felicidade” A Razão toma por propósito final o progresso da felicidade em harmonia com a moralidade.”

EXPLICAÇÃO DO FASCISMO ANTES DA LETRA: Suponha então que, parte devido à fraqueza de todos os argumentos especulativos tão laureados, e parte devido às várias irregularidades na natureza e no mundo dos sentidos que surgem diante de si, um homem seja persuadido da proposição Deus não existe; ele seria no entanto desprezível a seus próprios olhos se por causa disso ele imaginasse as leis de conduta vazias, inválidas ou facultativas, e desejasse simplesmente transgredi-las com veemência. Tal homem, ainda que pudesse ser posteriormente convencido daquilo de que duvidou lá atrás, seria eternamente desprezível por ter essa disposição de caráter, mesmo que cumpra suas obrigações no que diz respeito aos efeitos (externos) tão diligentemente quanto se possa querer, afinal (ele estaria agindo) derivado do medo ou esperando recompensas, sem sentimento ou reverência”

Podemos supor então o caso de um homem justo (e.g. Spinoza), que tem para si convictamente que Deus não existe, e inclusive (visto que com respeito ao Objeto da moralidade uma conseqüência similar resulta) nenhuma vida após a morte; como ele irá avaliar sua própria destinação propositiva inerente, mediante a lei moral, que ele reverencia na prática? Ele não deseja nenhuma vantagem para si por segui-la, nem nesse nem em outro mundo; ele quer, do contrário, estabelecer desinteressadamente o bem que essa lei sagrada almeja com toda sua força. Mas seu esforço é limitado; e da natureza, embora ele possa esperar aqui e ali harmonias contingentes, ele nunca poderá esperar uma harmonia regular concordando segundo regras constantes (tais como suas máximas internas são e devem ser), contendo o propósito que o faça se sentir obrigado a cumpri-las.” Tagarelice sabor groselha. De modo que ao cabo esse bem era muito mesquinho…

BELAS (A DESPEITO DE NÃO-INSTRUTIVAS) PALAVRAS:Seguirá assim até que um grande túmulo engula todos eles juntos (honestos ou não, não faz diferença), e os jogue de volta – aqueles que foram capazes de acreditar no propósito final da criação – no abismo do caos sem-sentido da matéria de onde eles foram criados.–”

DEMONOLOGIA (uma maneira antropológica de representar o Ser mais elevado). (…) Teurgia (uma crença fanática de que podemos sentir e interagir com outros seres suprassensíveis)” “A Psicologia, por sua vez, é uma mera antropologia dos sentidos internos, i.e. o conhecimento de nosso ser pensante na vida; e, como cognição teorética, permanece meramente empírica. [sobejamente atual] Na outra mão, a Psicologia racional, tanto quanto permanecer concentrada em questões como nossa existência eterna, não é uma ciência teorética, mas repousa sobre uma única conclusão de Teleologia moral”

Assumir (a existência de) habitantes racionais de outros planetas é coisa da opinião; uma vez que, se pudéssemos nos aproximar deles, o que em si é possível, nós deveríamos decidir com a ajuda da experiência se eles existiram ou não; mas como nunca chegaremos próximos o suficiente, isso permanecerá na região da opinião. Agora, sustentar a opinião de que no universo material haja espíritos racionais sem corpos (viz. se desconsiderarmos, como indignos de crédito, determinados fenômenos que foram publicados como verdadeiros[*]) deve ser chamado de ficção poética.”

GHOST WRITINGS

[*] [Nota do tradutor inglês] As especulações de Swedenborg parecem ter exercido uma inegável e estranha influência sobre Kant em todos os momentos de sua vida intelectual. Ele diz, a respeito de dois casos reportados de clarividência de Swedenborg, que ele não saberia como refutá-los (Rosenkranz vii. 5); mas, em sua Antropologia §§ 35, 37, ele ataca o swedenborgianismo (https://pt.wikipedia.org/wiki/Swedenborgianismo) como tolice. Num ensaio precoce, Sonhos de um Visionário explicados por Sonhos da Metafísica, ele professa seu ceticismo quanto ao valor de informações que a <pesquisa física> poderia conter sobre o mundo espiritual, embora tome cuidado para não ser dogmático no assunto <fantasmas>. Na Crítica da Razão Pura (ao discutir os Postulados do Pensamento Empírico) ele dá, como um exemplo de conceito inconsistente com os cânones da possibilidade, <um poder de estar em comunhão de pensamento com outros homens, ainda [que estes sejam] os mais distantes [fora até do plano material]>.”

Deus, liberdade, e imortalidade, são os problemas para cujas soluções todos os equipamentos da Metafísica se dirigem, como seu propósito único e supremo.”

uma Teosofia (pois disso devemos chamar a cognição teorética da natureza divina e sua existência, que bastariam de uma vez por todas para explicar a constituição do mundo e para determinar as leis morais). Da mesma forma que a Psicologia nos permitiu atingir a cognição da imortalidade da alma ela faria da Pneumatologia possível, e que seria igualmente bem-vinda à Razão especulativa.”

FURTHER READING:

Batteux, As Belas-Artes Reduzidas a um Mesmo Princípio

Blumenbach, Handbook of Comparative Anatomy

B., Handbook of Natural History

B., On The Formative Drive and the Operation of Generation

B., On The Natural Variety of Mankind

Burke, Tratado sobre o Sublime e o Belo

De Saussure, Viagens

Haller, Os Alpes

Hume, História da Inglaterra

Hutcheson, Investigação

Laplace, A Philosophical Essay on Probabilities

L., Exposition du système du monde

L., Mécanique Céleste

In 1819, L. published a popular account of his work on probability. This book bears the same relation to the Théorie des probabilités that the Système du monde does to the Méchanique [sic] céleste.”

Lessing Laocoonte, ou Sobre as Fronteiras da Pintura e da Poesia

Newton, Princípios da Filosofia Natural (título aproximado)

Agostinho, De Pulchro et Apto

Steele, The Funeral of Grief à la mode

Wallace, William, Kant