considerações preliminares (Roud. & Plon)
“a terminologia analítica dá uma impressão insólita que a língua de Freud não dá, se os recursos da língua do tradutor não (sic) forem sempre explorados; em outros casos é a simplicidade da expressão freudiana que torna imperceptível o seu tecnicismo.” “O método conveniente é antes de mais nada histórico-crítico, como o do Vocabulaire technique et critique de la philosophie, de André Lalande. Eram estas as intenções iniciais quando, por volta de 1937-39, se começou a executar o projeto de um vocabulário da psicanálise. Os dados recolhidos perderam-se”
“a oposição entre <pulsão> e <instinto>, necessária para a compreensão da teoria psicanalítica, em nenhum lugar é formulada por Freud: a oposição entre <escolha por apoio> de objeto (ou anaclítica) e <escolha narcísica de objeto>, embora retomada pela maior parte dos autores, nem sempre é relacionada com aquilo que em Freud a esclarece: o <apoio> ou <anáclise> das <pulsões sexuais> sobre as funções de <auto-conservação>; a articulação entre <narcisismo> e <auto-erotismo>, sem a qual não se pode situar estas duas noções, perdeu rapidamente a sua primitiva nitidez, e isto até no próprio Freud.”
Psicanalistas não batem cabeça.
“O primeiro dicionário de psicanálise, intitulado Handwörterbuch der Psychoanalyse, foi elaborado por Richard Sterba, entre 1931 e 1938. Foram publicados cinco fascículos, até o momento em que a ocupação da Áustria pelos nazistas pôs fim ao empreendimento. A intenção era compor um léxico geral dos termos freudianos, um vocabulário mais do que um recenseamento dos conceitos: <Não desconheço, escreveu Freud em uma carta a seu discípulo, que o caminho que parte da letra A e passa por todo o alfabeto é muito longo, e que percorrê-lo significaria para você uma enorme carga de trabalho. Assim, não o faça, a menos que se sinta internamente levado a isso. Apenas sob o efeito desse impulso, mas certamente não a partir de uma incitação externa!>” “Em sua famosa análise do caso Dora (Ida Bauer), ele frisava que um dicionário é sempre objeto de um prazer solitário e proibido, no qual a criança descobre, à revelia dos adultos, a verdade das palavras, a história do mundo ou a geografia do sexo.” “Sterba interrompeu a redação do seu Handwörterbuch na letra L, e a impressão do último volume na palavra Grössenwahn: <Não sei, declarou vinte anos depois em uma carta a Daniel Lagache, se esse termo se refere à minha megalomania ou à de Hitler.> De qualquer forma, o Handwörterbuch inacabado serviu de modelo para as obras do gênero, todas publicadas na mesma data (1967-1968), em uma época em que o movimento psicanalítico internacional, envolvido em rupturas e dúvidas, experimentava a necessidade de fazer um balanço e recompor, através de um saber comum, a sua unidade perdida. Diversas denominações foram utilizadas: GLOSSÁRIO, dicionário, enciclopédia, vocabulário.” “o Critical Dictionary of Psychoanalysis (600 verbetes) do psicanalista inglês Charles Rycroft, claro, conciso e racional, tinha a vantagem de não ser uma obra coletiva. (…) Rycroft foi também o primeiro a pensar o freudismo sem com isso deixar de considerar a terminologia pós-freudiana (especialmente a de Melanie Klein e de Donald Woods Winnicott).”
“Quanto ao célebre Vocabulário da psicanálise(417 verbetes) de Jean Laplanche e Jean-Bertrand Pontalis, foi o primeiro e único a estabelecer os conceitos da psicanálise encontrando as <palavras> para traduzi-los, segundo uma perspectiva estrutural aplicada à obra de Freud. Composto de verdadeiros artigos (de 20 linhas a 15 páginas), e não de curtas notas técnicas, como os precedentes, inaugurou um novo estilo, optando por analisar <o aparelho nocional da psicanálise>, isto é, os conceitos elaborados por esta para <explicar suas descobertas específicas>. Marcados pelo ensino de Lacan e pela tradição francesa da história das ciências, os autores conseguiram a proeza de realizar uma escrita a duas vozes, impulsionada por um vigor teórico ausente nas outras obras. É a essas qualidades que ela deve seu sucesso.
Os insucessos terapêuticos, a invasão dos jargões e das lendas hagiográficas levaram a uma fragmentação generalizada do movimento freudiano, deixando livre curso à ofensiva fin-de-siècle das técnicas corporais. Relegada entre a magia e o cientificismo, entre o irracionalismo e a farmacologia, a psicanálise logo tomou o aspecto de uma respeitável velha senhora perdida em seus devaneios acadêmicos. O universalismo freudiano teve então o seu crepúsculo, mergulhando seus adeptos na nostalgia das origens heróicas.” Ó! “apareceram monstros polimorfos [Cilas], com entradas anárquicas e profusas, nas quais a lista dos verbetes, artigos e autores estendia-se infinitamente, pretendendo esgotar o saber do mundo, sob o risco de mergulhar as boas contribuições em um terrível caos.” Ver Bouvard e Pécuchet, de Flaubert!
“Foram incluídos, enfim, os membros da família de Sigmund Freud, seus mestres diretos, os escritores e artistas com os quais ele manteve correspondência importante ou contato pessoal determinante, [PARTE DA FOFOCA E BASTIDORES] e os 23 livros por ele publicados entre 1891 e 1938, inclusive o segundo, escrito com Josef Breuer (Estudos sobre a histeria), e o último, inacabado e publicado a título póstumo (Esboço de psicanálise). Foi acrescentada uma outra obra póstuma, O presidente Thomas Woodrow Wilson, da qual Freud redigiu apenas o prefácio, mas à qual deu contribuição essencial como co-autor ao lado de William Bullitt.”
ABREVIATURAS BIBLIOGRÁFICAS
ESB Sigmund Freud, Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 24 vols., Rio de Janeiro, Imago, 1977
GW Sigmund Freud, Gesammelte Werke, 17 vols., Frankfurt, Fischer, 1960-1988
IZPInternationale ärztlische Zeitschrift für Psychoanalyse
IJP International Journal of Psycho-Analysis
OC Sigmund Freud, Oeuvres complètes, 21 vols., Paris, PUF, em preparação desde 1989
SE The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, org. James Strachey, 24 vols., Londres, Hogarth Press, 1953-1974
INÍCIO DO GLOSSÁRIO PROPRIAMENTE DITO, EM ORDEM ALFABÉTICA (ver BIBLIOGRAFIA-BASE e RECOMENDAÇÕES DE LEITURA ao final)
a posteriori ou ação diferida ou só-depois
“O termo nachträglich é de uso repetido e constante em F., que muitas vezes o emprega sublinhado. Encontramos também a forma substantivada Nachträglichkeit”
“Segundo Jung, o adulto reinterpreta o seu passado nas suas fantasias, que constituem outras tantas expressões simbólicas dos seus problemas atuais. (…) meio de fugir das <exigências da realidade> presente” Vinculação com os estratos de Reich.
“F. pergunta: por que o recalque incide preferencialmente sobre a sexualidade? (…) O primeiro acontecimento no tempo é constituído por uma cena sexual (sedução por um adulto), mas que não tem então para a criança significação sexual. O segundo apresenta certas analogias, que podem ser superficiais; mas, pelo fato de que nesse meio tempo surgiu a puberdade, a emoção sexual é possível, emoção que o sujeito ligará conscientemente a este segundo acontecimento, quando na realidade é provocada pela recordação do primeiro. (…) O ego utiliza então o recalque, modo de <defesa patológica>”
A tradução como “ação diferida”, em português e inglês, é hoje considerada anacrônica e indutora de confusão. Hoje: complemento ao verbete ab-reação.
ab-reação
#Autorreferente #facebookCasosdeFamília
Tudo menos os anos de zumbi (2009-2011)! Tudo menos o passado e o futuro remotos (o Ceará e a Soneca dos mortos)! Tudo menos o gelo do zero absoluto a que cheguei nestas incríveis zonas temporais que hoje me são estranhas, como se pertencessem a séculos enterrados pela humanidade, cujas vicissitudes ficaram sem registros. Postura que eu classificaria hoje como Anti-Ed***d****. A cura do Vanigracismo. Son of Netherrealm, aiming the Ascension. Thorns and Aborted Trees. You shouldn’t needa drink to kill or exorcize some painful devils… Foda-se a SOMAtória de suas vãs probabilidades…
“A persistência do afeto que se liga a uma recordação depende de diversos fatores, e o mais importante deles está ligado ao modo como o sujeito reagiu a um determinado acontecimento. Esta reação pode ser constituída por reflexos voluntários e involuntários, pode ir das lágrimas à vingança. Se tal reação for suficientemente importante, grande parte do afeto ligado ao acontecimento desaparecerá. Se essa reação for reprimida(unterdrückt), o afeto se conservará ligado à recordação.”
“A ab-reação é o caminho normal” “a ab-reação pode ser secundária, provocada pela psicoterapia catártica, que permite ao doente rememorar e objetivar pela palavra o acontecimento traumático, e libertar-se assim do quantum de afeto que o tornava patogênico.” TABU É O TEU CU: Verbalizar a morte do próximo. A maior burrice é ser inteligente o tempo todo. Em briga de condomínio de homens das cavernas não se usa terno e gravata nem se apara barba. Às vezes cagar nas calças é, sim, o melhor remédio. Uma ventilada brutal ou cem azias, tu escolhes – que fria! Vaso entupido, contanto que não seja o meu, é merda na cu da pimenta, ehr, quer dizer… Eu não levo desaforo pra casa: deixo debaixo da ponte mesmo…
AB-NEGADO AB-O-TO-‘ADO OR ÍGIDO FREE-GIDON (MICE MARINEER-BIKERS)
CRACK CRACK CRACK! SHRECK!
ranço
abraço
dinasTIA
Jardimdim fancyn’
Socorro!
Carolíngia
do Papado
ad-block
ab-rock
ad odd world Helenistic Hell flows like an
Hell-aclitean pseudorriver
on that party that’s over
DAD
DED
HA-DAD-É O NOVO PRES-
O? PREÇO DO SENTIMENTO SUFO
CADO
PRESIDENTE DO BRASIL
S’Il y a fascists…
we’re gonna smash them
with all your heavy solos
and boots
but
le but qui est
faire le but
ter in the br…
lay down and d,…
abread
abreact
acts
ontology
AUTOANALstesia
on the
me,ta
metatable
constance
exis’
nstância-do-querer
rot
rough
road
frog
bog
jog
mob
throat
float
at
the
flow
frown
but not
nut bot
drown’d.
into the dust
in to d dãs
in 2 they do
us
estou tenso, logo fezes muito tudo ISSO
to be or not to be oh honey
sterile
barking at the moon
As 3 histerias antigas (retenções de reação):
a) limitação psicofisiológica (pavor, estado hipnótico) HISTERIA HIPNÓIDE
b) limitação social atual HISTERIA DE RETENÇÃO (sovina de MERDA)
c) repressão consciente voluntária (conscientemente esquecer!) HISTERIA DE DEFESA (é o pior ataque?! – eu diria, antes, MÁ-FÉ)
OBS: “a” e “b” foram “extintas”.
Abraham, Karl
“nome indissociável da história da grande saga freudiana. (…) pioneiro no desenvolvimento da psicanálise em Berlim. (…) Elaborou uma teoria dos estágios inspirado em Klein, que foi sua aluna. Formou muitos analistas, entre os quais Helene Deutsch, Edward Glover, Karen Horney, Sandor Rado, Ernst Simmel.”
“Em 1906, casou-se com Hedwig Bürgner. Tiveram dois filhos. Abraham analisou sua filha Hilda (1906-1971), descrevendo o caso em um artigo de 1913, intitulado A pequena Hilda, devaneios e sintomas em uma menina de 7 anos.”
“Mais clínico do que teórico, Abraham escreveu artigos claros e breves, nos quais domina a observação concreta. Devem-se distinguir três épocas. Entre 1907 e 1910, dedicou-se a uma comparação entre a histeria e a demência precoce (que ainda não era chamada esquizofrenia) e à significação do trauma sexual na infância. Durante os dez anos seguintes, estudou a psicose maníaco-depressiva, o complexo de castração na mulher e as relações do sonho com os mitos. Em 1911, publicou um importante estudo sobre o pintor Giovanni Segantini (1859-1899), atingido por distúrbios melancólicos. Em 1912, redigiu um artigo sobre o culto monoteísta de Aton, do qual Freud se serviria em Moisés e o monoteísmo, esquecendo de citá-lo. Enfim, durante o terceiro período, descreveu os três estágios da libido: anal, oral, genital.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Karl Abraham, Oeuvres complètes, 2 vols. (1965), Paris, Payot, 1989;
Hilda Abraham, Karl Abraham, biographie inachevée, Paris, PUF, 1976.
Adler, Alfred (1870-1937)
“Adler, primeiro grande dissidente da história do movimento psicanalítico,¹ nasceu em Rudolfsheim, subúrbio de Viena, em 7 de fevereiro de 1870. Na verdade, nunca aderiu às teses de Sigmund Freud, de quem se afastou em 1911, sem ter sido, como Carl Gustav Jung, seu discípulo privilegiado. (…) Ambos eram judeus e vienenses, ambos provinham de famílias de comerciantes que nunca conheceram realmente o sucesso social. Adler freqüentou o mesmo Gymnasium que Freud e fez estudos de medicina mais ou menos idênticos aos seus. Entretanto, originário de uma comunidade de Burgenland, era húngaro, o que fazia dele cidadão de um país cuja língua não falava. Tornou-se austríaco em 1911 e nunca teve a impressão de pertencer a uma minoria ou de ser vítima do anti-semitismo.
Segundo de 6 filhos, tinha saúde frágil, era raquítico e sujeito a crises de falta de ar. Além disso, tinha ciúme do irmão mais velho, que se chamava Sigmund, e com quem teve uma relação de rivalidade permanente, como a que teria mais tarde com Freud.” Vira-se para o Marxismo.
¹ Uma estátua para o rapaz já!
“Em 1897, casou-se com Raissa Epstein, filha de um comerciante judeu originário da Rússia. A jovem pertencia aos círculos da intelligentsia e propalava opiniões de esquerda que a afastavam do modo de vida da burguesia vienense, em que a mulher devia ser antes de tudo mãe e esposa. Através dela, Adler freqüentou Léon Trotski (1879-1940) e depois, em 1908, foi terapeuta de Adolf Abramovitch Ioffe (1883-1927), futuro colaborador deste no jornal Pravda.
Em 1898, publicou sua primeira obra, Manual de higiene para a corporação dos alfaiates. Nela, traçava um quadro sombrio da situação social e econômica desse ofício no fim do século: condições de vida deploráveis, causando escolioses e doenças diversas ligadas ao uso de tinturas, salários miseráveis, etc.”
“Em 1902, depois de ficar conhecendo Freud, começou a freqüentar as reuniões da Sociedade Psicológica das Quarta-Feiras, fazendo amizade com Wilhelm Stekel.” “Foi nessa data (1909) que começaram a se manifestar divergências fundamentais entre suas posições e as de Freud e seus partidários. Elas constam das Minutas da Sociedade, transcritas por Otto Rank e editadas por Hermann Nunberg.” “Freud começou então a criticar o conjunto das posições de Adler, acusando-o de se apegar a um ponto de vista biológico, de utilizar a diferença dos sexos em um sentido estritamente social e, enfim, de valorizar excessivamente a noção de inferioridade. Hoje, encontra-se a concepção adleriana da diferença dos sexos entre os teóricos do gênero (gender).” “Adler estava edificando uma psicologia do eu, da relação social, da adaptação, sem inconsciente nem determinação pela sexualidade.” “A noção de órgão inferior já existia na história da medicina, em que muitos clínicos observaram que um órgão de menor resistência sempre podia ser o centro de uma infecção. Adler transpunha essa concepção para a psicologia, fazendo da inferioridade deste ou daquele órgão em um indivíduo a causa de uma neurose transmissível por predisposição hereditária. Segundo ele, era assim que apareciam doenças do ouvido em famílias de músicos ou doenças dos olhos em famílias de pintores, etc.” Doenças do estômago em famílias retirantes?
“A ruptura entre Freud e Adler foi de uma violência extrema, como mostram as críticas recíprocas que trocaram 35 anos depois. A um interlocutor americano que o questionava sobre Freud, Adler afirmou, em 1937, que <aquele de quem nunca fôra discípulo era um escroque astuto e intrigante>. Por sua vez, informado da morte de seu compatriota, Freud escreveu estas palavras terríveis em uma célebre carta a Arnold Zweig: <Para um rapaz judeu de um subúrbio vienense, uma morte em Aberdeen é por si só uma carreira pouco comum e uma prova de seu progresso. Realmente, o mundo o recompensou com generosidade pelo serviço que ele lhe prestou ao opor-se à psicanálise.>” “Foi preciso esperar pelos trabalhos da historiografia erudita, principalmente os de Henri F. Ellenberger e os de Paul E. Stepansky, para se formar uma idéia mais exata da realidade dessa dissidência.”
“Em 1912, publicou O temperamento nervoso, em que expôs o essencial da sua doutrina, e um ano depois fundou a Associação para uma Psicologia Individual, com ex-membros do círculo freudiano, entre os quais Carl Furtmuller (1880-1951) e David Ernst Oppenheim (1881-1943).”
“Em 1930, recebeu o título de cidadão de Viena, mas 4 anos depois, pressentindo que o nazismo dominaria a Europa inteira, pensou em emigrar para os Estados Unidos.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Alfred Adler, La Compensation psychique de l’état d’infériorité des organes (1898), Paris, Payot, 1956;
Manès Sperber, Alfred Adler et la psychologie individuelle (1970), Paris, Gallimard, 1972.
abstinência
“É em 1915, ao se interrogar sobre qual deve ser a atitude do psicanalista confrontado com as manifestações da transferência amorosa, que Sigmund Freud fala pela primeira vez da regra de abstinência. Esclarece que não pretende evocar apenas a abstinência física do analista em relação à demanda amorosa da paciente, mas o que deve ser a atitude do analista para que subsistam no analisando as necessidades e desejos insatisfeitos que constituem o motor da análise.
Para ilustrar o caráter de tapeação de que se revestiria uma análise em que o analista atendesse às demandas de seus pacientes, Freud evoca a anedota do padre que vai dar os últimos sacramentos a um corretor de seguros descrente: ao final da conversa no quarto do moribundo, o ateu não parece haver se convertido, mas o padre contratou um seguro.”
“o tratamento psicanalítico deve, <tanto quanto possível, efetuar-se num estado de frustração e abstinência>. Mas F. deixa claro que não se trata de proibir tudo ao paciente e que a abstinência deve ser articulada com a dinâmica específica de cada análise. Este último esclarecimento foi progressivamente perdido de vista, assim como se esqueceu a ênfase depositada por Freud no caráter incerto da satisfação a longo prazo. O surgimento de uma concepção pedagógica e ortopédica do tratamento psicanalítico contribuiu para a transformação da regra de abstinência em um conjunto de medidas ativas e repressivas, que visam fornecer uma imagem da posição do analista em termos de autoridade e poder.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Sigmund Freud, “Observações sobre o amor transferencial”, (1915), ESB, XII, pp. 208-21. (artigo)
afaniseou afânise
“Termo introduzido por Ernest Jones (Early Development of Female Sexuality, 1927); desaparecimento do desejo sexual. Segundo este autor, a afanise seria, nos 2 sexos, objeto de um temor mais fundamental que o temor da castração.”
afeto
“O afeto é a expressão qualitativa da quantidade de energia pulsional e das suas variações.” Mais tarde, ainda em Freud (muito confuso): “O afeto é aí definido como a tradução subjetiva da quantidade de energia pulsional. Freud distingue aqui nitidamente o aspecto subjetivo do afeto e os processos energéticos que o condicionam.”
LINK COM #Ab-reação: “Somente quando a evocação da recordação provoca a revivescência do afeto que estava ligado a ela na origem é que a rememoração encontra a sua eficácia terapêutica.”
O mundo como afeto & representação (não existe afeto inconsciente)
Sub-espécies de estados do afeto dinâmico:
a) transformação (ansiedade, depressão)
b) deslocamento (obsessão, paranóia)
c) conversão (histeria)
(Classificação tripartite provavelmente tão obsoleta quanto aquela da histeria enumerada no verbete ab-reação.)
afonia
“Perda mais ou menos considerável da força e da clareza da voz.”
“afonia”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, http://dicionario.priberam.org/afonia [consultado em 05-10-2018].
agressão
“a hipótese de uma <pulsão de agressão> autônoma, emitida por Adler logo em 1908, foi durante muito tempo recusada por Freud” Normal.
“…o doente no decorrer de outros tratamentos só evoca transferências ternas e amigáveis em favor da sua cura […]. Na psicaná., em contrapartida, todas as moções, incluindo as hostis, devem ser despertadas, utilizadas pela análise ao se tornarem conscientes.” F.
Um-dois abismo(s) entre o dever e o poder e o ser, hehe!
Os 3 tipos de chistes (e lá vamos nós de novo com esse de TRÊS TIPOS DE…):
a) o ingênuo (o chiste pelo chiste)
b) o hostil (agressivo, negro, defensivo)
c) o obsceno (???)
Alemanha
“Sem o advento do nazismo, que a esvaziou da quase totalidade de seus intelectuais e eruditos, a Alemanha teria sido o mais poderoso país de implantação da psicanálise. Se fosse necessário comprovar essa afirmação, bastariam os nomes de seus prestigiosos fundadores, que se naturalizaram americanos, quando não morreram antes de poder emigrar: Karl Abraham, Max Eitingon, Otto Fenichel, Ernst Simmel, Otto Gross, Georg Groddeck, Wilhelm Reich, Erich Fromm, Karen Horney.”
“Tratada de <psiquiatria de dona de casa> pelos meios da medicina acadêmica, a psicanálise foi mal-aceita pelos grandes nomes do saber psiquiátrico, e principalmente por Emil Kraepelin. Reprovavam o seu estilo literário e a sua metapsicologia, embora Freud tivesse assimilado em seus trabalhos uma parte importante da nosologia kraepeliniana. Entretanto, foi mesmo no campo do saber psiquiátrico que ela acabou por ser reconhecida, graças à ação de alguns pioneiros.”
“No nível universitário, a resistência se manifestou de modo mais determinado. Como sublinha Jacques Le Rider, <a psicologia alemã construíra a sua reputação sobre a pesquisa em laboratório, sobre um método científico do qual a física e a química eram o modelo ideal, e cujo espírito positivo pretendia banir qualquer especulação, reconhecendo apenas um saber sintético: a biologia>. A escola alemã de psicologia reagiu contra a Naturphilosophie do século XIX, essa ciência da alma que florescera na esteira do romantismo e de que se nutriam os trabalhos freudianos.Thomas Mann seria um dos poucos a reconhecer o valor científico desse freudismo julgado excessivamente literário pelos psicólogos universitários.
No campo da filosofia, a psicanálise passava por ser aquele <psicologismo> denunciado por Edmund Husserl desde seus primeiros trabalhos. Assim, ela foi criticada em 1913 por Karl Jaspers (1883-1969) em uma obra monumental, Psicopatologia geral, que teve um grande papel na gênese de uma psiquiatria fenomenológica, principalmente na França, em torno de Eugène Minkowski, de Daniel Lagache e do jovem Jacques Lacan. Em 1937, Alexander Mitscherlisch tentou convencer Jaspers a modificar a sua opinião, mas chocou-se com a hostilidade do filósofo, que manteve-se surdo aos seus argumentos.”
“Três congressos se realizaram em cidades alemãs: Nuremberg em 1910, onde foi criada a International Psychoanalytical Association (IPA), Weimar em 1911, do qual participaram 116 congressistas, Munique em 1913, quando se consumou a partida de Jung e seus partidários. Um ano depois, Freud pediu a Abraham que sucedesse a Jung na direção da IPA.”
“Centro da divulgação clínica, Berlim continuava sendo pioneira de um certo conservadorismo político e doutrinário. E foi Frankfurt que se tornou o lugar da reflexão intelectual, dando origem à corrente da <esquerda freudiana>, sob a influência de Otto Fenichel, e à instituição do Frankfurter Psychoanalytisches Institut.” “Institut für Sozialforschung (…) Núcleo fundador da futura Escola de Frankfurt, esse instituto de pesquisas sociais fundado em 1923 originou a elaboração da teoria crítica, doutrina sociológica e filosófica que se apoiava simultaneamente na psicanálise, na fenomenologia e no marxismo, para refletir sobre as condições de produção da cultura no seio de uma sociedade dominada pela racionalidade tecnológica.”
“Muito se disse, como sabemos, que o seu método original correspondia essencialmente à natureza da burguesia muito refinada de Viena, na época em que ele foi concebido. Claro que isso é totalmente falso em geral, mas mesmo que houvesse um grão de verdade isso em nada invalidaria a obra de Freud. Quanto maior for uma obra, mais estará enraizada em uma situação histórica concreta.”Horkheimer
“Em 1930, graças à intervenção do escritor Alfons Paquet (1881-1944), a cidade concedeu a Freud o prêmio Goethe. Em seu discurso, lido por sua filha Anna, Freud prestou homenagem à Naturphilosophie, símbolo do laço espiritual que unia a Alemanha à Áustria, e à beleza da obra de Goethe, segundo ele próxima do eros platônico encerrado no âmago da psicanálise.
Depois da ascensão de Hitler ao poder, Matthias Göring, primo do marechal, decidido a depurar a doutrina freudiana de seu <espírito judaico>, pôs em prática o programa de <arianização da psicanálise>, que previa a exclusão dos judeus e a transformação do vocabulário. Rapidamente, conquistou as boas graças de alguns freudianos, dispostos a se lançarem nessa aventura, como Felix Boehm e Carl Müller-Braunschweig, aos quais se reuniram depois Harald Schultz-Hencke e Werner Kemper. Nenhum deles estava engajado na causa do nazismo. Membros da DPG e do BPI, um freudiano ortodoxo, o segundo adleriano e o terceiro neutro, simplesmente tinham ciúme de seus colegas judeus. Assim, o advento do nacional-socialismo foi para eles uma boa oportunidade de fazer carreira.”
ambivalência
Ver também OBJETO (“BOM” E “MAU”).
#OFFTOPICFILOSOFAL É Além do Bem e do Mal a superação do princípio da não-contradição ou apenas uma solução guiada por este princípio? Pegadinha do Mallandgenstein.
anáclise ou apoio
“[Devido a divergências de traduções ou simplesmente à incompetência da teoria,] o conceito de Anlehnungnão foi nitidamente apreendido pelos leitores de Freud.” “em francês o substantivo anaclise (anáclise), que traduziria Anlehnung, não é admitido. (…) os autores deste Vocabulário propuseram como equivalente étayage (apoio)”
Trata-se do momento de escolha do primeiro objeto de amor (paixão). A famosa necessidade do supérfluo(encobridor).
“Parece que, até hoje, a noção de apoio não foi plenamente apreendida na obra de Freud; quando vemos intervir esta noção, é quase sempre na concepção de escolha de objeto, que longe de defini-la por inteiro, supõe que ela esteja no centro de uma teoria das pulsões.
O seu sentido principal é estabelecer uma [diferença entre as pulsões de autoconservação e o nascimento das pulsões sexuais e auxiliar na compreensão entre a separação entre desenvolvimento da heteronomia e autoerotismo ou narcisimo].” Apoio Exterior
anaclítica, depressão (Klein)
É um tipo de depressão passível de desenvolvimento já em bebês. Poder-se-ia chamar de “desmame traumático” que não foi satisfatoriamente reposto. É estruturalmente oposta à depressão adulta. = HOSPITALIZAÇÃO de ROUDINESCO. O verbete vem de René Spitz (The Psycho-Analytic Study of the Child; La première année de la vie de l’enfant).
análise didática
O ensino formal da psicanálise para a formação do profissional clínico, que inclui a análise propriamente dita do inconsciente do paciente-aprendiz.
Sobre o mito da autoanálise (a 1ª análise didática feita dentro da psicanálise, necessariamente, pelo Pai da disciplina): só Freud? Ou o mesmo afirmara, num congresso, que seria pré-requisito para o exercício da profissão? Respostas mais adiante, nos IMPERDÍVEIS CAPÍTULOS VERBORRÁGICOS DESTA SAGA, amigos!
“F. presta homenagem à escola de Zurique por ter <…apresentado a exigência segundo a qual quem quiser praticar análises sobre outros deve 1º submeter-se a uma análise realizada por alguém com experiência>.” Experiência é relativa, diria seu mentor na Filosofia…
“Foi em 1922, no Congresso da Associação Psicanalítica Internacional, 2 anos após a fundação do Instituto de Psicanálise de Berlim, que se apresentou a exigência da análise didática para todo e qualquer candidato a analista.”
“Para resistir firmemente a essa investida geral do paciente, é preciso que o analista também tenha sido plena e completamente analisado. (…) muitas vezes se julga suficiente que um candidato passe um ano familiarizando-se com os principais mecanismos naquilo a que se chama a sua análise didática. Quanto ao seu progresso ulterior, confia-se no que virá a aprender no decorrer da própria experiência. (…) enquanto nem todos os empreendimentos com fins terapêuticos precisam ser levados até a profundidade quando falamos de uma terminação consumada da análise, o próprio analista deve conhecer e controlar mesmo as fraquezas mais secretas do seu caráter, e isto é impossível sem uma análise plenamente acabada.” Ferenczi
Hmmm… Que torre de Babel não temos aqui!
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Balint, Sobre o sistema de formação psicanalítica
análise direta
Espécie de “análise intensiva” para casos de psicose. Inimiga, portanto, do princípio freudiano de abstinência.
“o paciente sente-se compreendido por um terapeuta ao qual atribui a compreensão todo-poderosa de uma mãe ideal; tranqüiliza-se com palavras que visam o conteúdo infantil das suas angústias mostrando a inanidade delas.” Tem-se por base que na terapia para o neurótico a postura do psicanalista tem de ser muito mais neutra. A teoria de base que sustenta essa metodologia é a de que o psicótico é necessariamente aquela criança que sofreu a influências de uma mãe perversa.
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Rosen, Direct Analysis
análise existencial (Daseinanalyse)
“Entre os adeptos franceses da análise existencial encontramos Eugène Minkowski, o Jean-Paul Sartre de O ser e o nada [Hm… muito mais na persona literária…] e o jovem Michel Foucault (até 1954). (…) Na Grã-Bretanha, é essencialmente em Ronald Laing que encontramos a temática existencial.” how LAING will this treatment take?
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Viktor Frankl, La Psychothérapie et son image de l’homme, Paris, Resma, 1970.
Andersson, Ola
“Pioneiro da historiografia erudita, Ola Andersson teve um destino curioso no movimento freudiano. O único livro que escreveu, publicado em 1962 com o título anglófono de Studies in the Pre-history of Psychoanalysis. The Etiology of Psychoneuroses (1886-1896) [ver versão francesa nas indicações de leitura], foi completamente ignorado na Suécia nos meios psicanalíticos, embora seu autor ocupasse funções acadêmicas importantes e fosse responsável pela tradução sueca das obras de Sigmund Freud. [!]”
“No seu próprio trabalho, Andersson empreendeu então a primeira grande revisão de um caso princeps dos Estudos sobre a histeria: o caso Emmy von N.. Descobriu seu nome verdadeiro, Fanny Moser, expôs a sua história no congresso da IPA de Amsterdam em 1965, e esperou 14 anos para publicar um artigo sobre esse tema na The Scandinavian Psychoanalytic Review.” “Entretanto, ao contrário de Ellenberger, continuou apegado, como membro da IPA, à ortodoxia oriunda de Ernest Jones, cujo trabalho biográfico admirava, o que o impediu de empenhar-se mais na história erudita. Sofreu muito com seu isolamento no seio da Sociedade Psicanalítica Sueca, a ponto de pedir a Ellenberger, em 1976, que o ajudasse a emigrar para os Estados Unidos.”
“Seu sobrenome Andersson, psicanalista ao mesmo tempo integrado e marginal, foi realmente apagado da história intelectual de seu país, a ponto de não figurar na Enciclopédia nacional sueca, ele que havia escrito tantos artigos em diversas enciclopédias suecas.”
Andreas-Salomé, Lou, née Lelia (Louise) von Salomé (1861-1937)
“Mais por sua vida do que por suas obras, Lou Andreas-Salomé teve um destino excepcional na história do século XX. Figura emblemática da feminilidade narcísica,¹ concebia o amor sexual como uma paixão física que se esgotava logo que o desejo fosse saciado. Só o amor intelectual, fundado na mais absoluta fidelidade, era capaz, dizia ela, de resistir ao tempo.”
¹ O que seria isso?
“Ironizava as invectivas, os boatos e os escândalos, decidida a não se dobrar às imposições sociais. Depois de Nietzsche (1844-1900) e de Rilke (1875-1926), Freud ficou deslumbrado por essa mulher, a quem amou ternamente e que revolucionou a sua existência.”
“Nascida em São Petersburgo, em uma família da aristocracia alemã, Lou Salomé era filha de um general do exército dos Romanov. Com a idade de 17 anos, recusando-se a ser confirmada pelo pastor da Igreja evangélica reformada, à qual pertencia sua família, colocou-se sob a direção de outro pastor, Hendrik Gillot, dândi brilhante e culto, que se apaixonou por ela logo que a iniciou na leitura dos grandes filósofos.”
“Graças a Malwida von Meysenburg (1816-1903), grande dama do feminismo alemão, ficou conhecendo o escritor Paul Rée (1849-1901), que lhe apresentou Nietzsche. Persuadido de que encontrara a única mulher capaz de compreendê-lo, este lhe fez um pedido solene de casamento. Lou recusou-se. A esses dois homens, profundamente apaixonados por ela, propôs então constituírem uma espécie de trindade intelectual, e em maio de 1882 [38 x 33 x 21 anos], para selar o pacto, fizeram-se fotografar juntos, diante de um cenário de papelão: Nietzsche e Rée atrelados a uma charrete, Lou segurando as rédeas.” “Foi a adesão ao narcisismo nietzschiano, e de modo mais geral o culto do ego, característico da Lebensphilosophie (filosofia da vida)¹ fin de siècle, que preparou o encontro de Lou com a psicanálise.” Blá, blá, blá…
¹ Por que afinal via de regra é a filosofia-da-morte, certo?
PICÂNCIA EDÍPICA CHULA
“Em junho de 1887, Lou casou-se com o orientalista alemão Friedrich-Carl Andreas, que ensinava na Universidade de Göttingen. O casamento não foi consumado, e Georg Ledebourg, fundador do Partido Social-Democrata alemão tornou-se seu primeiro amante, algum tempo antes de Friedrich Pineles, médico vienense. Essa segunda ligação terminou com um aborto e uma trágica renúncia à maternidade. Lou instalou-se então em Munique, onde ficou conhecendo o jovem poeta Rainer Maria Rilke: <Fui tua mulher durante anos, escreveria ela em Minha vida, porque foste a primeira realidade, em que o homem e o corpo são indiscerníveis um do outro, fato incontestável da própria vida […]. Éramos irmão e irmã, mas como naquele passado longínquo, antes que o casamento entre irmão e irmã se tornasse um sacrilégio.>” “como diria Freud em 1937, <ela foi ao mesmo tempo a musa e a mãe zelosa do grande poeta […] que era tão infeliz diante da vida.>” Mal consigo contar os clichês deste verbete…
“Em seu artigo de 1914 sobre o narcisismo, era nela que pensava quando descreveu os traços tão particulares dessas mulheres, que se assemelham a grandes animais solitários mergulhados na contemplação de si mesmos.”“Logo ela abraçou exclusivamente a causa do freudismo. Foi então que se apaixonou porViktor Tausk, o homem mais belo e mais melancólico do círculo freudiano.”“Introduzida no círculo da Berggasse, tornou-se familiar da casa e apegou-se particularmente a Anna Freud. Depois das reuniões das quartas-feiras, Freud a conduzia a seu hotel; depois de cada jantar, a cumulava de flores.”
“Fiquei sabendo com temor — e pela melhor fonte — que todos os dias você dedica até dez horas à psicanálise. Naturalmente, considero isso uma tentativa de suicídio mal-dissimulada, o que muito me surpreende, pois, que eu saiba, você tem muito poucos sentimentos de culpa neurótica. Portanto, insisto que pare e de preferência aumente o preço de suas consultas em um quarto ou na metade, segundo as flutuações da queda do marco. Parece que a arte de contar foi esquecida pela multidão de fadas que se reuniram em torno do seu berço quando você nasceu. Por favor, não jogue pela janela este meu aviso.”
“Empobrecida pela inflação que assolava a Alemanha e obrigada a manter os membros de sua família arruinados pela Revolução de Outubro, Lou não conseguia suprir suas necessidades. Embora nunca pedisse nada, Freud lhe enviava somas generosas e dividia com ela, como dizia, a sua <fortuna recentemente adquirida>.”
OEDIPUS GONNA ANTIOEDIPALIZE YOU: “Lou tornou-se confidente da filha de Freud e até sua segunda analista, quando isso se tornou necessário.”
“Para comemorar o seu 75º aniversário, Lou decidiu dedicar a Freud um livro, para expressar sua gratidão e alguns desacordos. Criticava principalmente os erros cometidos pela psicanálise a respeito da criação estética, reduzida abusivamente, dizia ela, a um caso de recalque. Freud aceitou sem reservas a argumentação, mas tentou conseguir que ela mudasse o título da obra (Minha gratidão a Freud).”
“A partir de 1933, Lou assistiu com horror à instauração do regime nazista. Conhecia o ódio que lhe consagrava Elisabeth Forster (1846-1935), irmã de Nietzsche, que se tornara adepta fervorosa do hitlerismo. Conhecia os desvios que esta impusera à filosofia do homem de quem fôra tão próxima e que tanto admirava. Não ignorava que os burgueses de Göttingen a chamavam A Feiticeira. Mas decidiu não fugir da Alemanha. Alguns dias depois de sua morte, um funcionário da Gestapo foi à sua casa para confiscar a biblioteca, que seria jogada nos porões da prefeitura:Apresentou-se como razão para esse confisco, escreveu Peters, que Lou fôra psicanalista e praticara aquilo que os nazistas chamavam de ciência judaica, que ela fôra colaboradora e amiga íntima de Sigmund Freud e que a sua biblioteca estava apinhada de autores judeus.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Lou Andreas-Salomé, Fenitschka (Stuttgart, 1898), Paris, Des Femmes, 1985;
______. Érotisme (Frankfurt, 1910, Munique, 1979), in: Eros, Paris, Minuit, 1984; (art.)
______. Rainer Maria Rilke (Leipzig, 1928), Paris, Marendell, 1989;
______. Ma gratitude envers Freud (Viena, 1931, Paris, 1983), Seuil, col. “Points”, 1987, traduzido com o título Lettre ouverte à Freud;
______. Ma vie (Zurique, 1951, Frankfurt 1977), Paris, PUF, 1977;
______. L’Amour du narcissisme, Paris, Gallimard, 1980;
______. Carnets intimes des dernières années (Frankfurt, 1982), Paris, Hachette, 1983;
______. En Russie avec Rilke, 1900. Journal inédit, Paris, Seuil, 1992;
Freud & Lou Andréas-Salomé, correspondência completa (Frankfurt, 1966), Rio de Janeiro, Imago, 1975;
Nietzsche, Rée & Salomé, Correspondance (Frankfurt, 1970), Paris, PUF, 1979;
H.F. Peters, My sister, my spouse (N. York, 1962), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1986;
Rudolph Binion, Frau Lou, Nietzsche’s Wayward Disciple, Princeton, Princeton University Press, 1968;
Angela Livingstone, Lou Andreas-Salomé: Her Life and Work (Londres, 1984), Paris, PUF, 1990.
antipsiquiatria
“Sob certos aspectos, a antipsiquiatria foi a seqüência lógica e o desfecho da psicoterapia institucional. Se esta havia tentado reformar os manicômios e transformar as relações entre os que prestavam e os que recebiam cuidados, no sentido de uma ampla abertura para o mundo da loucura, a antipsiquiatria visou a extinguir os manicômios e eliminar a própria idéia de doença mental.” “foi justamente por ter sido uma revolta que a antipsiquiatria teve, ao mesmo tempo, uma duração efêmera e um impacto considerável no mundo inteiro. Ela foi uma espécie de utopia: a da possível transformação da loucura num estilo de vida, numa viagem, num modo de ser diferente e de estar do outro lado da razão, como a haviam definido Arthur Rimbaud (1854-1891) e, depois dele, o movimento surrealista.”
“Assim como o movimento psicanalítico havia fabricado sua lenda das origens através da história de Anna O. (Bertha Pappenheim), a antipsiquiatria também reivindicou a aventura de uma mulher: Mary Barnes. Essa ex-enfermeira, reconhecida como esquizofrênica e incurável, tinha cerca de 40 anos ao ingressar no Hospital de Kingsley Hall, onde Joseph Berke a deixou regredir durante 5 anos. Através dessa descida aos infernos e de uma espécie de morte simbólica, ela pôde renascer para a vida, tornar-se pintora e, mais tarde, redigir sua <viagem>.”
GUERRA FRIA LACAN X SEU MESTRE: “Na França, não houve nenhuma verdadeira corrente antipsiquiátrica, de um lado porque a esquerda lacaniana ocupou parcialmente o terreno da revolta contra a ordem psiquiátrica, através da corrente da psicoterapia institucional, e de outro, em função de Foucault e Gilles Deleuze (1925-1995) [Batman & Robin], cujos trabalhos cristalizaram a contestação <antipsiquiátrica> a uma dupla ortodoxia, freudiana e lacaniana.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
David Cooper, Psiquiatria e antipsiquiatria (Londres, 1967);
Mary Barnes & Joseph Berke. Un voyage à travers la folie (Londres, 1971), Paris, Seuil, 1973;
Thomas Szasz, Le Mythe de la maladie mentale (N. York, 1974), Paris, Payot, 1975.
antropologia
“O debate entre os antropólogos e os psicanalistas começou após a publicação, em 1912-1913, do livro Totem e tabu e deu origem a uma nova disciplina, a etnopsicanálise, cujos dois grandes representantes foram Geza Roheim e Georges Devereux. Seu principal contexto geográfico inicial foi a Melanésia, isto é, a Austrália, onde ainda viviam aborígines que, no final do século, eram considerados o povo mais <primitivo> do planeta, e as ilhas situadas a sudoeste do oceano Pacífico (Trobriand e Normanby), habitadas pelos melanésios propriamente ditos e pelos polinésios. Posteriormente, o campo de eleição foi o dos índios da América do Norte.”
“Derivada do grego (ethnos: povo, e logos: pensamento), a palavra etnologia só veio a surgir no século XIX. Todavia, o estudo comparativo dos povos remonta a Heródoto. Se, de acordo com os antigos, o mundo estava estaticamente dividido entre a civilização e a barbárie (externa à cidade), a questão colocou-se de outra maneira na era cristã. Os missionários e conquistadores se indagaram, com efeito, se os indígenas tinham alma ou não.”
“Daí nasceu a tese de que o primitivo se assemelha à criança, que se assemelha ao neurótico. Foi nesse darwinismo que Freud se inspirou, através dos trabalhos de James George Frazer (1854-1941) sobre o totemismo e de William Robertson Smith (1846-1894) sobre o tabu.”
“Na França, a palavra ethnologie, etnologia, surgiu em 1838, para designar o estudo comparativo dos chamados costumes e instituições <primitivos>. Dezessete anos depois, foi suplantada pelo termo antropologia, ao qual o médico Paul Broca (1824-1881) associou seu nome, ao fazer dela uma disciplina física e anatômica que logo desembocou, no contexto da teoria da hereditariedade-degenerescência, no estudo das <raças> e das <etnias>, concebidas como espécies zoológicas.
No mundo anglófono, ao contrário (na Grã-Bretanha e, depois, nos Estados Unidos), a palavra ethnology cobriu o campo da antropologia física (no sentido francês), enquanto se cunhou, em 1908, o termo social anthropology, para designar a cátedra de antropologia de Frazer na Universidade de Liverpool.”
“Observe-se que Charles Seligman (1873-1940) e William Rivers (1864-1922), dois antropólogos de formação médica, foram os primeiros a tornar conhecidos no meio acadêmico da antropologia inglesa os trabalhos freudianos sobre o sonho, a hipnose e a histeria. Mais tarde, esse trabalho teve seguimento através da escola culturalista norte-americana, desde Margaret Mead até Ruth Benedict (1887-1948), passando por Abram Kardiner e pelo neofreudismo.”
“Quanto à antiga escola de antropologia, ela evoluiria para o racismo, o anti-semitismo e o colaboracionismo, em especial sob a influência de Georges Montandon, ex-médico e adepto das teses do padre Wilhelm Schmidt (1868-1954). Fundador da Escola Etnológica de Viena e diretor, em 1927, do museu etnográfico pontifical de Roma, Schmidt acusaria Freud de querer destruir a família ocidental. Quanto a Montandon, ele participaria do extermínio dos judeus durante o regime de Vichy e seria amigo do psicanalista e demógrafo Georges Mauco.
Foi preciso esperar pela segunda metade do século XX para que fosse introduzida na França, através de Claude Lévi-Strauss, a terminologia anglófona. Em 1954, ele livrou o termo <antropologia> de todas as antigas imagens da hereditariedade-degenerescência, a fim de definir uma nova disciplina que abarcasse, ao mesmo tempo, a etnografia, como primeira etapa de um trabalho de campo, e a etnologia, designada como segunda etapa e primeira reflexão sintética.”
“Se Marcel Mauss, sobrinho de Émile Durkheim, havia desvinculado a etnologia da sociologia durkheimiana, embora se inspirasse em seus modelos, Claude Lévi-Strauss passou da etnologia para a antropologia, unificando os dois campos (anglófono e francófono) em torno de três grandes eixos: o parentesco (em vez da família e do patriarcado), o universalismo relativista (em vez do culturalismo) e o incesto. Situou-se prontamente como contemporâneo da obra freudiana, à qual se referiu, como ao Curso de lingüística geral de Ferdinand de Saussure (1857-1913), sublinhando, em Tristes trópicos, o que ela lhe havia trazido: <…(essa obra) me revelou que […] são as condutas aparentemente mais afetivas, as operações menos racionais e as manifestações declaradas pré-lógicas que são, ao mesmo tempo, as mais significativas.>” “Lévi-Strauss foi, sem sombra de dúvida, o primeiro etnólogo a teorizar a viagem etnológica segundo o modelo de uma estrutura melancólica: todo etnólogo redige uma autobiografia ou escreve confissões, diria ele, em essência, porque tem que passar pelo eu para se desligar do eu.”
PREFIGURAÇÃO DE BAUDRILLARD: “Foi dentro dessa orientação que ele estabeleceu uma analogia entre a técnica de cura xamanista e o tratamento psicanalítico. Na primeira, dizia, o feiticeiro fala e provoca a ab-reação, isto é, a liberação dos afetos do enfermo, ao passo que, na segunda, esse papel cabe ao médico que escuta, no bojo de uma relação na qual é o doente quem fala. Além dessa comparação, Lévi-Strauss mostrou que, nas sociedades ocidentais, tendia a constituir-se uma <mitologia psicanalítica> que fizesse as vezes de sistema de interpretação coletivo: <Assim, vemos despontar um perigo considerável: o de que o tratamento, longe de levar à resolução de um distúrbio preciso, sempre respeitando o contexto, reduza-se à reorganização do universo do paciente em função das interpretações psicanalíticas.> Se a cura, portanto, sobrevém através da adesão a um mito, agindo este como uma organização estrutural, isso significa que esse sistema é dominado por uma eficácia simbólica. Daí a idéia, proposta já em 1947 na Introdução à obra de Marcel Mauss, de que o chamado inconsciente não seria outra coisa senão um lugar vazio onde se consumaria uma autonomia da função simbólica.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
(a eterna busca pelo ramo de ouro) Pierre Bonte & Michel Izard, Dictionnaire de l’ethnologie et de l’anthropologie, Paris, PUF, 1992;
R. Lowie, Histoire de l’ethnologie classique (N. York, 1937), Paris, Payot, 1971.
anulação
“o isolamento, uma forma de defesa característica da neurose obsessiva, processo mágico em Freud (1926)”
Anzieu, Marguerite (Aimée), paciente de Lacan
“Foi Élisabeth Roudinesco quem revelou pela primeira vez, em 1986, a verdadeira identidade dessa mulher, e depois reconstruiu, em 1993, a quase totalidade de sua biografia, a partir do testemunho de Didier Anzieu e dos membros de sua família.”
“Marguerite Pantaine provinha de uma família católica e interiorana do centro da França. Criada por uma mãe que sofria de sintomas persecutórios, sonhou desde muito cedo, à maneira de Emma Bovary, sair de sua situação e se tornar uma intelectual. Em 1910, ingressou na administração dos correios e, sete anos depois, casou-se com René Anzieu, também funcionário público. Em 1921, quando grávida de seu filho Didier, começou a ter um comportamento estranho: mania de perseguição, estados depressivos. Após o nascimento do filho, instalou-se numa vida dupla: de um lado, o universo cotidiano das atividades de funcionária dos correios, de outro, uma vida imaginária, feita de delírios. Em 1930, redigiu de enfiada dois romances que quis mandar publicar, e logo se convenceu de estar sendo vítima de uma tentativa de perseguição por parte de Hughette Duflos, uma célebre atriz do teatro parisiense dos anos 30. Em abril de 1931, tentou matá-la com uma facada, mas a atriz se esquivou do golpe e Marguerite foi internada no Hospital Sainte-Anne, onde foi confiada a Jacques Lacan, que fez dela um caso de erotomania e de paranóia de autopunição.
A continuação da história de Marguerite Anzieu é um verdadeiro romance. Em 1949, seu filho Didier, havendo concluído seus estudos de filosofia, resolveu tornar-se analista. Fez sua formação didática no divã de Lacan, enquanto preparava uma tese sobre a auto-análise de Freud sob a orientação de Daniel Lagache, sem saber que sua mãe tinha sido o famoso caso Aimée. Lacan não reconheceu nesse homem o filho de sua ex-paciente, e Anzieu soube da verdade pela boca da mãe, quando esta, por um acaso extraordinário, empregou-se como governanta na casa de Alfred Lacan (1873-1960), pai de Jacques” [!!]
Argentina
“Independente desde 1816, depois de ter-se submetido à colonização espanhola, a Argentina viveu sob o reino dos caudilhos durante todo o século XIX. A partir de 1860, a cidade de Buenos Aires, sob a influência da sua classe dominante, os portenhos, esteve na liderança da revolução industrial e da construção de um Estado moderno. Em 1880, realizou-se a unidade entre as diferentes províncias e a cidade portuária se tornou a capital federal do país. Em 50 anos (1880-1930), a Argentina acolheu 6 milhões de imigrantes, italianos ou espanhóis na maioria; três vezes o volume de sua população inicial. Fugindo dos pogroms, os judeus da Europa central e oriental se misturaram a esse movimento migratório e se instalaram em Buenos Aires, fazendo da capital o centro de um cosmopolitismo aberto a todas as idéias novas.” “Fundador do asilo argentino, Lucio Melendez repetiu no seu país o gesto de Philippe Pinel, criando uma organização de saúde mental dotada de uma rede de hospitais psiquiátricos e edificando uma nosografia inspirada em Esquirol. Domingo Cabred, seu sucessor, prosseguiu a obra, adaptando a clínica da loucura aos princípios da hereditariedade-degenerescência. Na mesma época, começaram a afirmar-se as pesquisas em criminologia e em sexologia, enquanto o ensino da psicologia, em todas as suas tendências, tomava uma extensão considerável, com a criação, em 1896, de uma primeira cátedra universitária em Buenos Aires.”
“Em 1904, José Ingenieros, psiquiatra e criminologista, publicou o primeiro artigo que mencionava o nome de Freud. Depois, durante os anos 1920, vários autores apresentaram a psicanálise ora como uma moda ou uma epidemia (Anibal Ponce), ora como uma etapa da história da psicologia (Enrique Mouchet). Em 1930, Jorge Thénon afirmou que ela era excessivamente metapsicológica, sem com isso negar o seu interesse. Curiosamente, enquanto uma notável tradução espanhola das obras de Freud estava em preparação em Madri, sob a direção de José Ortega y Gasset, os autores argentinos se referiam a versões francesas. Do mesmo modo, importavam as polêmicas parisienses, às quais acrescentavam — imposição da latinidade — as críticas italianas. Assim, os argumentos de Enrico Morselli (1852-1929) tiveram uma repercussão favorável, enquanto o temível Charles Blondel tinha um franco sucesso ao declarar, por ocasião da sua viagem de conferências em 1927, que Henri Bergson (1859-1941) era o verdadeiro descobridor do inconsciente
e Freud uma espécie de Balzac fracassado [haha!].”
“A escola argentina nunca se limitaria a uma única doutrina. Acolheria todas com um espírito de ecletismo, inscrevendo-as quase sempre em um quadro social e político: marxista, socialista ou reformista. Ao longo dos anos e através de suas diversas filiações, ela conservaria o aspecto de uma grande família e saberia organizar suas rupturas sem criar clivagens irreversíveis entre os membros de suas múltiplas instituições.” “Tendo adquirido uma tradição clínica e uma verdadeira identidade freudiana, os argentinos formaram então, pela análise didática, seja em Buenos Aires, seja em seus próprios países, a maioria dos terapeutas dos países de língua espanhola que, por sua vez, se integrariam à IPA, constituindo grupos ou sociedades: Uruguai, Colômbia, Venezuela.” “Em 1977, a América Latina estava a ponto de tornar-se o continente freudiano mais poderoso do mundo, sob a égide da COPAL (futura FEPAL) e em ligação com os grupos brasileiros, capaz de rivalizar com a American Psychoanalytic Association (APsaA) e a Federação Européia de Psicanálise (FEP).” “As duas cisões se produziram no momento em que a Argentina saía de um regime militar clássico, fundado no populismo e herdado do velho caudilhismo, para um sistema de terror estatal. Ora, se o primeiro feria as liberdades políticas, não limitava a liberdade profissional e associativa, da qual dependia o funcionamento das instituições psicanalíticas. O segundo, ao contrário, visava erradicar todas as formas de liberdade individual e coletiva. Por conseguinte, poderia destruir a psicanálise, como fizera outrora o nazismo. § Em 1973, quando Perón voltou ao poder, nomeou Isabelita, sua nova esposa, para o posto de vice-presidente e fez de seu secretário José Lopez Rega o ministro dos assuntos sociais do país. Este apressou-se a criar a Tríplice A (Aliança Argentina Anticomunista), conhecida por seus esquadrões da morte, que serviram de força suplementar para o exército, em suas operações de controle da sociedade civil.Um ano depois, Perón morreu e Isabelita assumiu a sua sucessão, sendo substituída em março de 1976 pelo general Jorge Videla, que instaurou durante 9 anos um dos regimes mais sangrentos do continente latino-americano, com o do general Pinochet no Chile: 30 mil pessoas foram assassinadas e torturadas, sob o rótulo de desaparecidos.” “E foi em nome da defesa de um <ocidente cristão> e da segurança nacional que as forças armadas decidiram erradicar o freudismo e o marxismo, julgados responsáveis pela <degeneração> da humanidade. Ao contrário dos nazistas, não erigiram um instituto como o de Matthias Heinrich Göring e não aboliram a liberdade de associação. A perseguição foi silenciosa, anônima, penetrando no coração da subjetividade.” “Marxista e veterana das Brigadas Internacionais, Marie Langer encontrou-se, desde o seu exílio no México, na vanguarda dos combates, arrastando consigo todos os psicanalistas politizados do país. Foi nessa época que os argentinos, como outrora os judeus europeus, emigraram em grande número para os quatro cantos do mundo, a fim de formar novos grupos freudianos ou integrar-se aos que já existiam na Suécia, na Austrália, na Espanha, nos Estados Unidos, na França.” “Durante todo o período de terror estatal (1976-1985), o interesse pelo pensamento de Lacan progrediu na Argentina de maneira curiosa. Recebido como uma contracultura subversiva e de aspecto esotérico, a doutrina do mestre permitia aos que a faziam frutificar mergulhar em debates sofisticados sobre o passe, o matema e a lógica, e esquecer, ou mesmo ignorar, a sangrenta ditadura instaurada pelo regime. Como seus colegas politizados da IPA, os lacanianos marxistas e militantes se exilaram ou resistiram ao terror.” “Em 1991, Horacio Etchegoyen foi eleito presidente. Técnico do tratamento de tendência kleiniana, analisado por Heinrich Racker e membro da ABdeBA, foi o primeiro presidente de língua espanhola do movimento freudiano.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Jacques Derrida, Geopsychanalyse and the rest of the world, 1981.
associação verbal, teste de
“Técnica experimental usada por Carl Gustav Jung, a partir de 1906, para detectar os complexos e isolar as síndromes específicas de cada doença mental. Consiste em pronunciar diante do sujeito uma série de palavras, cuidadosamente escolhidas, pedindo-lhe que responda com a primeira palavra que lhe vier à cabeça e medindo seu tempo de reação.”
“Historicamente, essa técnica está ligada à noção de associação de idéias, já utilizada por Aristóteles, que definira seus 3 grandes princípios: a contigüidade, a semelhança e o contraste. No século XIX, a psicologia introspectiva e a filosofia empirista conferiram-lhe tamanha importância que o associacionismo transformou-se numa verdadeira doutrina, na qual se inspirariam todas as correntes da psicologia e, em especial, Freud”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Freud/Jung: correspondência completa (Paris, 1975).
atenção (uniformemente) flutuante
É o “espelho” da associação livre: faz parte do método de conduta do analista frente ao paciente (busca de neutralidade).
“Tal como o paciente deve contar tudo o que lhe passa pelo espírito, eliminando todas as objeções lógicas e afetivas que pudessem levá-lo a fazer uma escolha, assim o médico deve estar apto a interpretar tudo o que ouve a fim de que possa descobrir aí tudo o que o insconsciente dissimula”F., 1912
“Graças a ela, o analista pode conservar na memória uma multidão de elementos aparentemente insignificantes cujas correlações só aparecerão posteriormente.”
“ouvir com o terceiro ouvido”Reik
“empatia infraverbal”
Se o isso são imagens, como escutá-las? Porque mesmo que emitissem sons, o isso também não tem ouvidos, ainda que tivesse bocas…
ato falho
“Os editores da Standard Edition observam que para designá-lo foi preciso criar em inglês um termo, parapraxis. Em francês, o tradutor de Psicopatologia da vida cotidiana utilizou a expressão acte manqué, que adquiriu fôro de cidadania, mas parece que na prática psicanalítica corrente na França ela designa principalmente uma parte do campo coberto pelo termo Fehlleistung, quer dizer, as falhas da ação stricto sensu [enquanto que, para Freud, o ato falho pode ser compreendido como um ato bem-sucedido do inconsciente, vd. verbete do livro citado].”
auto-análise
Doctor Dream
“mantenho a opinião de que esta espécie de análise [dos sonhos] pode ser suficiente para quem é um bom sonhador e não muito anormal.”O inconveniente é que esse tipo de pessoa teria de ser avisado disso (2ª característica)!
Num instante 2, em carta: “Uma verdadeira auto-análise é impossível; se não fosse isso não haveria doença.”
LOOK WHO SAYS… “Considera-se geralmente a auto-análise uma forma particular de resistência à psicanálise que embala o narcisismo e elimina a mola mestra do tratamento, que é a transferência.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Anzieu, Freud’s Self-Analysis (1986) (filho da paciente Marguerite Anzieu de Lacan!)
deb(u)t of the doubt
Nada mais risível e não-enriquecedor do que testemunhar os mútuos ataques dos psicanalistas entre si.
autismo
A PSICANÁLISE CLÁSSICA PRECISA SER SUPEREGOTIZADA APÓS SEU PAPAI: “Termo criado em 1907 por Eugen Bleuler e derivado do grego autos (o si mesmo), para designar o ensimesmamento psicótico do sujeito em seu mundo interno e a ausência de qualquer contato com o exterior, que pode chegar inclusive ao mutismo.” “É numa carta de Carl Gustav Jung a Sigmund Freud, datada de 13 de maio de 1907, que descobrimos como Bleuler cunhou o termo autismo. Ele se recusava a empregar a palavra auto-erotismo, introduzida por Havelock Ellis e retomada por Freud, por considerar seu conteúdo por demais sexual. Por isso, fazendo uma contração de auto com erotismo, adotou a palavra autismo, depois de ter pensado em ipsismo, derivada do latim. Posteriormente, Freud conservou o termo auto-erotismo para designar esse mesmo fenômeno, enquanto Jung adotou o termo introversão.” “Em 1911, em seu principal livro, Dementia praecox ou grupo das esquizofrenias, Bleuler designou por esse termo um distúrbio típico da esquizofrenia e característico dos adultos.”
“Cinco grandes sinais clínicos permitiriam, segundo Kanner, reconhecer a psicose autística: o surgimento precoce dos distúrbios (logo nos dois primeiros anos de vida), o extremo isolamento, a necessidade de imobilidade, as estereotipias gestuais e, por fim, os distúrbios da linguagem (ou a criança não fala nunca, ou emite um jargão desprovido de significação, incapaz de distinguir qualquer alteridade).”
“Além de Bettelheim, foram a corrente annafreudiana, por um lado, com os trabalhos de Margaret Mahler sobre a psicose simbiótica, e a corrente kleiniana, por outro, que melhor estudaram e trataram o autismo, amiúde com sucesso, com a ajuda dos instrumentos fornecidos pela psicanálise. Nesse contexto, Frances Tustin trouxe uma nova visão sobre essa questão na década de 1970, ao propor uma classificação do autismo em três grupos: o autismo primário anormal, resultante de uma carência afetiva primordial e caracterizado por uma indiferenciação entre o corpo da criança e o da mãe; o autismo secundário, de carapaça, que corresponde em linhas gerais à definição de Kanner; e o autismo secundário regressivo, que seria uma forma de esquizofrenia sustentada por uma identificação projetiva.”
“apesar da evolução da psiquiatria genética, nenhum trabalho de pesquisa conseguiu comprovar (como de resto não o fez em relação à esquizofrenia e à psicose maníaco-depressiva) que o autismo verdadeiro (quando não existe nenhuma lesão neurológica anterior) seja de origem puramente orgânica.”
Balint, Michael
“Como muitos judeus húngaros cujos antepassados adotaram nomes alemães, decidiu, no fim da guerra, <magiarizar-se> para afirmar assim que pertencia à nação húngara. Tomou então o sobrenome de Balint. Na universidade, ficou conhecendo Alice Szekely-Kovacs, estudante de etnologia, que despertou seu interesse pela psicanálise.”
“Foi obrigado, como todos os imigrantes, a refazer os estudos de medicina e teve que enfrentar, além do exílio, a dor de perder de uma só vez quase todos os membros da família. Alice Balint (1898-1939) (a Kovacs acima), sua mulher, e Wilma Kovacs [psicanalista e outrora paciente tratada por Groddeck!], sua sogra, a quem era muito apegado, morreram com um ano de intervalo. Depois da guerra, ficou sabendo que seus pais tinham se suicidado para escapar à deportação.”
A LINHA TÊNUE ENTRE SER WORKHALOIC E “PSICAEROTÔMANO”: “Foi lá também que ficou conhecendo Enid Albu-Eichholtz, sua terceira mulher. Analisada por Donald Woods Winnicott, Enid Balint (1904-1994) iniciou Michael em uma nova técnica, o case work. Tratava-se de comentar e trocar relatos de casos no interior de grupos compostos de médicos e de psicanalistas. Essa experiência deu origem ao que se chama de grupos Balint. Apesar de sua separação em 1953, Michael e Enid continuaram a trabalhar juntos.”
A sobrinha da falecida primeira mulher de Balint se tornou sua tradutora ao Francês!
“Grande técnico do tratamento, Balint soube aliar o espírito inovador de seu mestre Ferenczi à tradição clínica da escola inglesa. Nesse aspecto, foi realmente o <húngaro selvagem> da British Psychoanalytical Society (BPS), cujos rituais e cuja esclerose ele criticou com muito humor, prestando homenagem, na primeira ocasião, aos costumes mais liberais da antiga sociedade de Budapeste”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Balint, A falha básica (Londres, 1968), P. Alegre, Artes Médicas, 1993.
Bateson, Gregory (1904-1980)
Marido de Margaret Mead.
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
B. (ed.), Perceval le fou. Autobiographie d’un schizophrène (Londres, 1962), Paris, Payot, 1975.
Bauer, Ida, sobrenome de casada Adler (1882-1945), caso Dora
“Primeiro grande tratamento psicanalítico realizado por Freud, anterior aos do Homem dos Ratos (Ernst Lanzer)e do Homem dos Lobos (Serguei Constantinovitch Pankejeff), a história de Dora, redigida em dezembro de 1900 e janeiro de 1901 e publicada quatro anos depois, desenrolou-se entre a redação de A interpretação dos sonhos e a dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade.”
GUINESS: “trata-se do documento clínico que mais se comentou, desde sua publicação. (…) o caso dessa jovem tornou-se o objeto privilegiado dos estudos feministas.”
“Para a publicação desse 1o tratamento exclusivamente psicanalítico, conduzido com uma mocinha virgem de 18 anos de idade, Freud tomou precauções inauditas. Na época, de fato, a cruzada que se travava contra o freudismo consistia em fazer com que a psicanálise passasse por uma doutrina pansexualista, que tinha por objetivo fazer os pacientes (sobretudo as mulheres) confessarem, por meio da sugestão, <sujeiras> sexuais inventadas pelos próprios psicanalistas. Na Grã-Bretanha e no Canadá, por exemplo, Ernest Jones suportaria o peso de acusações dessa ordem. [Veja em ESCANDINÁVIA que E.J. não era nenhum ‘santinho’.]”
“A melhor maneira de falar dessas coisas é sendo seco e direto; e ela é, ao mesmo tempo, a que mais se afasta da lascívia com que esses assuntos são tratados na ‘sociedade’, lascívia esta com que as moças e mulheres estão plenamente habituadas.”
“um marido fraco e hipócrita engana sua mulher, uma dona de casa ignorante, com a esposa de um de seus amigos, conhecida numa temporada de férias em Merano. A princípio enciumado, depois indiferente, o marido enganado tenta, de início, seduzir a governanta de seus filhos. Depois, apaixona-se pela filha de seu rival e a corteja durante uma temporada em sua casa de campo, situada às margens do lago de Garda. Horrorizada, esta o rejeita, pespega-lhe uma bofetada e conta a cena a sua mãe, para que ela fale do assunto com seu pai. Este interroga o marido da amante, que nega categoricamente os fatos pelos quais é recriminado. Preocupado em proteger seu romance extraconjugal, o pai culpado faz com que a filha passe por mentirosa e a encaminha para tratamento com um médico que, alguns anos antes, prescrevera-lhe um excelente tratamento contra a sífilis.
A entrada de Freud em cena transforma essa história de família numa verdadeira tragédia do sexo, do amor e da doença. Sob esse aspecto, sua narrativa do caso Dora assemelha-se a um romance moderno: hesitamos entre Arthur Schnitzler, Marcel Proust (1871-1922) e Henrik Ibsen (1828-1906).” “Grande industrial, ele desfrutava de uma bela situação financeira e era admirado pela filha [Dora]. Em 1888, contraiu tuberculose, o que o obrigou a se instalar com toda a família longe da cidade. Assim, optou por residir em Merano, no Tirol, onde travou conhecimento com Hans Zellenka (Sr. K.), um negociante menos abastado que ele, casado com uma bela italiana, Giuseppina ou Peppina (Sra. K.), que sofria de distúrbios histéricos e era uma assídua freqüentadora de sanatórios. Peppina tornou-se amante de Phillip [Bauer] e cuidou dele em 1892, quando ele sofreu um descolamento da retina.”
“Katharina, a mãe de Ida, provinha, como o marido, de uma família judia originária da Boêmia. Pouco instruída e bastante simplória, sofria de dores abdominais permanentes, que seriam herdadas pela filha. Nunca se interessara pelos filhos e, desde a doença do marido e da desunião que se seguira a ela, exibia todos os sinais de uma <psicose doméstica>: <Sem mostrar nenhuma compreensão pelas aspirações dos filhos, ela se ocupava o dia inteiro, escreveu F., em limpar e arrumar a casa, os móveis e os utensílios domésticos, a tal ponto que usá-los e usufruir deles tinha-se tornado quase impossível […]. Fazia anos que as relações entre mãe e filha eram pouco afetuosas. A filha não dava a menor atenção à mãe, fazia-lhe duras críticas e escapara por completo de sua influência.> E era uma governanta quem cuidava de Ida. Mulher moderna e <liberada>, esta lia livros sobre a vida sexual e dava informações sobre eles à sua aluna, em segredo. Abriu-lhe os olhos para o romance do pai com Peppina. Entretanto, depois de tê-la amado e de lhe ter dado ouvidos, Dora se desentendera com ela.”
“Aos 9 anos de idade [o irmão mais velho de Dora, Otto] se tornara um menino prodígio, a ponto de escrever um drama em cinco atos sobre o fim de Napoleão. Depois, rebelara-se contra as opiniões políticas do pai, cujo adultério aprovava, por outro lado. (…) Secretário do Partido Social-Democrata de 1907 a 1914 e, depois, assessor de Viktor Adler no ministério de Assuntos Exteriores em 1918, viria a ser uma das grandes figuras da intelectualidade austríaca no entre-guerras. No entanto, apesar de seu talento excepcional, nunca se refez do desmoronamento do Império Austro-Húngaro e despendeu mais energia atacando Lenin do que combatendo Hitler (…) Bauer insistiu, até 1934, em fazer cruzadas típicas do pré-guerra contra a Igreja e a aristocracia, num momento em que, justamente, deveria ter-se associado a seus inimigos de outrora para repelir o fascismo. Poucas cegueiras tiveram conseqüências tão pesadas.”
“foi em outubro de 1901 que Ida Bauer visitou Freud para dar início a esse tratamento, que duraria exatamente 11 semanas.”
Minha Ida já está garantida.
“Dora fôra acusada por Hans[o amigo tarado do pai, quem curiosamente lhe havia metido chifres, i.e., furado seu olho; aqui cabe a citação da coincidência: o pai de Dora era cego de um olho] e por seu pai de ter inventado a cena de sedução. Pior ainda, fôra reprovada por Peppina Zellenka (Sra. K. [a chifradora – e quase chifruda]), que suspeitava que ela lesse livros pornográficos, em particular A fisiologia do amor, de Paolo Mantegazza (1831-1901), publicado em 1872 e traduzido para o alemão 5 anos depois. O autor era um sexólogo darwinista [?], profusamente citado por Richard von Krafft-Ebing e especializado na descrição <etnológica> das grandes práticas sexuais humanas: lesbianismo, onanismo, masturbação, inversão, felação, etc. Ao encaminhar sua filha a Freud, Philipp Bauer esperava que este lhe desse razão e que tratasse de pôr fim às fantasias sexuais da filha.” “O primeiro sonho revelou que Dora era dada à masturbação e que, na realidade, estava enamorada de Hans Zellenka.” “Dora não encontrara em Freud a sedução que esperava dele: ele não fôra compassivo e não soubera empregar com ela uma relação transferencial positiva. Nessa época, com efeito, ele ainda não sabia manejar a transferência na análise.”
“fôra a própria Sra. K. que fizera a moça ler o livro proibido, para depois acusá-la. E fôra também ela quem lhe havia falado de coisas sexuais.” Que beleza…
“Esse tema da homossexualidade inerente à histeria feminina seria longamente comentado por Jacques Lacan em 1951, enquanto outros autores fariam questão de demonstrar ora que Freud nada entendia de sexualidade feminina,¹ ora que Dora era inanalisável.”
¹ A única coisa certa nesse imbróglio todo!
“Ida Bauer nunca se curou de seu horror aos homens.Mas seus sintomas se aplacaram. Após sua curta análise, ela pôde vingar-se da humilhação sofrida, fazendo a Sra. K. confessar o romance com seu pai e levando o Sr. K. a confessar a cena do lago.” “Em 1903, casou-se com Ernst Adler [Adler é o quê afinal, uma espécie de ‘Silva’?], um compositor que trabalhava na fábrica de seu pai.” “Em 1923, sujeita a novos distúrbios — vertigens, zumbidos no ouvido, insônia, enxaquecas —, por acaso chamou à sua cabeceira Felix Deutsch. Contou-lhe toda a sua história, falou do egoísmo dos homens, de suas frustrações e de sua frigidez. Ouvindo suas queixas, Deutsch reconheceu o famoso caso Dora: <Desse momento em diante, ela esqueceu a doença e manifestou um imenso orgulho por ter sido objeto de um texto tão célebre na literatura psiquiátrica.> Então, discutiu as interpretações de seus dois sonhos feitas por Freud. Quando Deutsch tornou a vê-la, os ataques tinham passado.”
“Dora tinha voltado contra o próprio corpo a obsessão de sua mãe: <Sua constipação, vivida como uma impossibilidade de ‘limpar os intestinos’, causou-lhe problemas até o fim da vida.>”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Freud, Fragmento da análise de um caso de histeria (1905);
Felix Deutsch, Apostille au “Fragment d’une analyse d’hystérie (Dora)” (1957), Revue Française de Psychanalyse, n. 37, janeiro-abril de 1973, 407-14;
Lacan. O Seminário, livro 17, O avesso da psicanálise (1969-1970) (Paris, 1991), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1992.
benefício primário e secundário da doença
“Defesa secundária e benefício secundário surgem como duas modalidades de resposta do ego a esse <corpo estranho> que o sintoma antes de mais nada é”
O que R***** e Maria D’Stress nunca entenderão: os benefícios de ser sedentário são muito maiores que os de ser um “saudável”!
Bernays, Anna, née Freud (1859-1955), irmã de Sigmund Freud
“Em suas lembranças, manifestou o mesmo ciúme que seu irmão sentira em relação a ela, quando era criança. Contou até que pontoAmalia Freudprivilegiava o filho mais velho: ele tinha direito a um quarto só para ele, enquanto as irmãs se apertavam no resto do apartamento. Quando Amalia quis dar aulas de piano a Anna Freud (futura Bernays), Sigmund se opôs e ameaçou deixar a casa. Quando ela tinha 16 anos, ele a impediu de ler as obras de Honoré de Balzac e deAlexandre Dumas (1802-1870). Essa atitude tirânica estava ligada ao fato de que Freud fora muito ciumento de seu irmão Julius Freud, nascido depois dele, e posteriormente se sentira culpado de sua morte.” E o kiko?
“Em outubro de 1883, Anna Freud casou-se comEli Bernays, irmão deMartha Bernays, futura mulher de Freud, com o qual este não tardou a se indispor por causa de uma banal história de dinheiro.Novamente manifestou seu ciúme querendo que Martha, sua noiva, tomasse partido por ele, o que ela não fez. Por isso, não assistiu ao casamento da irmã. Tempos depois, deu fim à briga e ajudou os Bernays a emigrar para os Estados Unidos, onde Eli se tornou um homem de negócios muito rico.”
Bettelheim, Bruno (1903-1990)
“Não se pode evocar a vida e a obra de Bruno Bettelheim sem levar em conta o escândalo que estourou nos Estados Unidos algumas semanas depois de sua morte. Em conseqüência da publicação, em alguns grandes jornais, de cartas de ex-alunos da Escola Ortogênica de Chicago, que ele dirigira durante cerca de 30 anos e que acolhia crianças classificadas como autistas, a imagem do bom <Dr. B.>, como era chamado, se apagava por trás da figura de um tirano brutal, que fazia reinar o terror em sua escola.”
“Os termos de impostor, de falsificador e de plagiário se somaram ao de charlatão. Esse tumulto teve pouca repercussão na França, onde ele gozara, em razão do sucesso de seu livro A fortaleza vaziae do programa dedicado à Escola Ortogênica, realizado por Daniel Karline Tony Lainépara a televisão francesa e difundido em outubro de 1974, de um imenso prestígio que só foi prejudicado pelo declínio geral das idéias filosóficas e psicanalíticas dos anos 1970.”
“Nascido em Viena a 28 de agosto de 1903, em uma família da pequena burguesia judaica assimilada, de uma feiúra constatada sem delicadeza pela mãe, que nunca lhe dedicou grande afeição, Bruno Bettelheim manifestou cedo suas tendências à depressão.”
“Preso pela Gestapo, chegou a Dachau a 3 de junho de 1938, depois de ter sido violentamente espancado. Transferido depois para o campo de concentração de Buchenwald a 23 de setembro de 1938, encontrou ali Ernst Federn, filho de Paul Federn, companheiro de Freud. Naquele universo de medo, angústia e humilhação permanentes, começou a fazer um trabalho consigo mesmo, para resistir à ação mortífera dos SS. Foi a experiência desses campos a origem do conceito de <situação extrema>, pelo qual ele designava as condições de vida diante das quais o homem pode seja abdicar, identificando-se com a força destruidora, constituída tanto pelo carrasco ou pelo ambiente quanto pela conjuntura, seja resistir, praticando a estratégia da sobrevivência — Sobreviver seria o título de um de seus livros — que consiste em construir para si, a exemplo do que Bettelheim supunha ser a origem do autismo, um mundo interior cujas fortificações o protegeriam das agressões externas. Libertado a 14 de abril de 1939, graças a intervenções que seriam para ele uma nova ocasião de fabular, emigrou para os Estados Unidos, despojado de todos os seus bens.”
“Assim, Bruno Bettelheim tornou-se especialista em campos de concentração, qualidade que se revelaria sobrecarregada de muitos mal-entendidos, desta vez com o conjunto da comunidade judaica. Com efeito, os testemunhos dos raros sobreviventes dos campos de morte fariam aparecer a insondável distância que separava o universo concentracionário da empreitada de extermínio sistemático, cujo símbolo será, para sempre, Auschwitz. Bruno Bettelheim levaria anos para admitir essa diferença, recusando-se a ver nela o limite trágico de sua virulenta crítica daquilo que ele apresentava como a passividade dos judeus diante de seus torturadores.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
B., Psychanalyse des contes de fées;
Nina Sutton, Bruno Bettelheim, une vie, Paris, Stock, 1995.
Biblioteca do Congresso (Washington), a tragédia “alexandrina” (para não dizer que tudo se resume a Édipo) da família Freud!
“Foi ali, no departamento de manuscritos, que foram depositados os arquivos de Freud (cartas, manuscritos, etc.) e os de inúmeros outros psicanalistas de diferentes países. Essa iniciativa foi tomada por Siegfried Bernfeld. Depois dele, Kurt Eissler, psicanalista também de origem vienense e autor de vários livros sobre Freud, foi, depois da II Guerra Mundial, o principal responsável por esse grande depósito de saber e memória, que assumiu o nome de Sigmund Freud Archives (SFA) ou Arquivos Freud. Ele colecionou documentos apaixonantes, tanto interrogando todos os sobreviventes da saga freudiana quanto preservando a gravação de suas entrevistas em fitas magnéticas. De comum acordo com Anna Freud, Eissler editou normas de conservação draconianas, as quais, respeitando a vontade dos doadores, proibiram à maioria dos pesquisadores externos à IPA o acesso a esse reservatório. Foi sob a direção dele, sumamente ortodoxa, que, a partir de 1979, numa reação ao espírito de censura, produziu-se uma virada revisionista na historiografia freudiana, em especial a propósito da edição das cartas de Freud a Wilhelm Fliess, confiada pelo próprio Eissler a um pesquisador pouco escrupuloso: Jeffrey Moussaieff Masson. A censura e a desconfiança, assim, levaram ao favorecimento de uma iniciativa historiográfica violentamente antifreudiana.” O que eu chamo de ENANTIODROMIA.
“A coleção Sigmund Freud, dividida em séries (A, B, E, F e Z), e cujos direitos de publicação dependem da Sigmund Freud Copyrights (que representa os interesses financeiros das pessoas legalmente habilitadas), está agora acessível a todos os pesquisadores. Seu regulamento prevê algumas restrições, ora justificadas e conformes às leis em vigor, ora contestáveis. Quanto à série Z, sujeita a uma suspensão progressiva da imposição de sigilo que se estende até 2100, ela encerra, supostamente, documentos concernentes à vida privada de pessoas (pacientes, psicanalistas, etc.), as quais é preciso proteger.
Na realidade, essa série Z contém alguns textos que nada têm de confidencial, outros que não comportam nenhuma revelação bombástica, ainda que digam respeito a segredos de família ou do divã, e outros, por fim, cuja presença nessa classe nada tem de evidente: p.ex., contratos de Freud com seus editores, cartas trocadas com uma organização esportiva judaica, ou documentos sobre Josef Freud que já são conhecidos dos historiadores. Patrick Mahony e o historiador Yosef Hayim Yerushalmi denunciaram o regulamento que rege a organização dessa série numa conferência notável, realizada em 1994. Este último sublinhou que esconder segredos de polichinelo conduz, antes, a alimentar boatos inúteis, e que a única maneira de evitá-los seria abrir os chamados arquivos secretos.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Yosef Hayim Yerushalmi, “Série Z” (1994), “Une fantaisie archiviste”, Le Débat, 92, novembro-dezembro de 1996, 141-52(artigo);
Jacques Derrida, Mal d’archive, Paris, Galilée, 1995.
Binswanger, Ludwig (1881-1966)
“O tio de Ludwig Binswanger, Otto Binswanger (1852-1929), que tratou de Friedrich Nietzsche (1844-1900) e conheceu Freud em 1894, por ocasião de um congresso em Viena, publicou trabalhos sobre a histeria e a paralisia geral. Nomeado professor em Iena, acolheu o sobrinho entre 1907 e 1908 no seu serviço da clínica psiquiátrica desta cidade, onde o jovem Ludwig ficaria conhecendo sua futura mulher, Hertha Buchenberger.”
“Sua atração crescente pela filosofia, sua curiosidade e o contato assíduo com intelectuais e artistas de seu tempo, entre os quais Martin Buber (1878-1965), Ernst Cassirer (1874-1945), Martin Heidegger (1889-1976), Edmund Husserl (1859-1938), Karl Jaspers (1883-1969), Edwin Fischer, Wilhelm Furtwängler, Kurt Goldstein (1878-1965), Eugène Minkowski, o levaram a desenvolver uma concepção diferente da via freudiana. Mas esse afastamento não o faria renunciar à teoria. Seu respeito, sua admiração e amizade por Freud ficariam intactos ao longo dos anos, como mostram a sua intervenção do dia 7 de maio de 1936, por ocasião do octogésimo aniversário de Freud, e também o seu texto de 1956, destinado à comemoração do centenário de nascimento do inventor da psicanálise, intitulado Meu caminho para Freud.”
“publicou em 1930 Sonho e existência, em que misturava a concepção freudiana da existência humana com as de Husserl e de Heidegger. Foucault redigiria para essa obra, que ele traduziria com Jacqueline Verdeaux, um longo prefácio. Em 1983, na versão inglesa (inédita em francês) da apresentação do seu livro O uso dos prazeres, Foucault evocaria a sua dívida em relação a Binswanger e as razões pelas quais se afastou dele.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Joseph Roth, La Marche de Radetzky (1932), Paris, Seuil, 1982.
Bion, Wilfred Ruprecht
“Bion foi o aluno mais turbulento de Melanie Klein, cujo dogmatismo rejeitou para construir uma teoria sofisticada do self e da personalidade, fundada em um modelo matemático e repleta de noções originais — pequenos grupos, função alfa, continente/conteúdo, objetos bizarros, pressupostos de base, grade, etc. — que, em certos aspectos, se assemelhavam às de Jacques Lacan, seu contemporâneo. Como este, tentou dar um conteúdo formal à transmissão do saber psicanalítico, apoiando-se em fórmulas e na álgebra, e, também como ele, apaixonou-se pela linguagem, pela filosofia e pela lógica, mas com uma perspectiva nitidamente cognitivista.”
“Nascido em Muttra, no Pendjab, de mãe indiana e pai inglês, engenheiro especialista em irrigação, foi educado por uma ama-de-leite e passou a infância na Índia, no fim da era vitoriana e no apogeu do período colonial. Não sem humor, diria que todos os membros de sua família eram <completamente malucos>. Em sua autobiografia, apresentou sua mãe como uma mulher fria e aterrorizante, que lhe lembrava as correntes de ar geladas das capelas inglesas.”
“Só gostava das atividades esportivas e permaneceu virgem até seu casamento, aos 40 anos. Em janeiro de 1916, foi incorporado a um batalhão de blindados e logo estava no campo de batalha de Cambrai, no meio dos obuses e do fogo da guerra. Saiu em 1918 com a patente de capitão, uma sólida experiência da fraternidade humana e dos artifícios da hierarquia militar, de que se serviria anos depois.”
“Em 1932, contratado como médico assistente na Tavistock Clinic de Londres, dirigiu tratamentos de adolescentes delinqüentes ou atingidos por distúrbios da personalidade, e ocupou-se durante cerca de dois anos do tratamento de Samuel Beckett.”
“Amigo e admirador de James Joyce (1882-1941) desde 1928, Beckett se indispusera com ele dois anos depois, após ter repelido as pretensões amorosas de sua filha, Lucia Joyce, doente de esquizofrenia e tratada por Jung. Atormentado por uma mãe conformista e abusiva, que desconhecia seu talento e desaprovava sua conduta, sofria em 1932 de graves distúrbios respiratórios, de dores de cabeça e de diversos problemas crônicos ligados ao alcoolismo e a uma tendência para a vadiagem. Assim, decidira fazer uma psicoterapia, a conselho de seu amigo, o doutor Geoffrey Thomson. O tratamento com Bion foi conflituoso e difícil. A cada vez que Beckett voltava para a casa de sua mãe em Dublin, sofria de terrors noturnos, torpor e furúnculos no pescoço e no ânus. Por isso, Bion acabou recomendando-lhe que se afastasse dela. Beckett não conseguiu e interrompeu a análise, depois de ter assistido, a conselho de Bion, a uma conferência de Jung na Tavistock Clinic, na qual este afirmava que os personagens de uma ficção são sempre a imagem mental do escritor que os criou.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Didier Anzieu, “Beckett et Bion”, Revue Française de Psychanalyse, Paris, Mentha, 1992. (artigo)
bissexualidade
“Assim como todos os trabalhos modernos sobre o transexualismo tomaram por mitos fundadores a lenda de Hermafroditos e os amores da deusa Cibele, as reflexões sobre a bissexualidade sempre tiveram por origem o célebre relato dos infortúnios de Andrógino, feito por Aristófanes no Banquete de Platão”
“Foi com a publicação, em 1871, de A descendência do homem, de Charles Darwin (1809-1882), que começou a se efetuar a passagem do mito platônico da androginia para a nova definição da bissexualidade, segundo as perspectivas da ciência biológica. Tratava-se, na época, de dotar o estudo da sexualidade humana de uma terminologia adequada em matéria de <raça>, constituição, espécie, organicidade, etc. A contribuição da embriologia foi decisiva, na medida em que ela pôde mostrar, graças à utilização do microscópio, que o embrião humano era dotado de duas potencialidades, uma masculina e outra feminina. Daí a idéia de que a bissexualidade já não era apenas um mito, porém uma realidade da natureza. Através dos ensinamentos de Carl Claus e, mais tarde, em contato com seu amigo Wilhelm Fliess, Freud adotou, por volta de 1890, a tese da bissexualidade.”
“Em seu livro de 1896 sobre as relações entre o nariz e os órgãos genitais, Fliess expôs sua concepção dupla da bissexualidade e da periodicidade, estabelecendo um vínculo entre as dores da menstruação e as do parto, todas remetidas a <localizações genitais> situadas no nariz. Daí decorria a tese da periodicidade, segundo a qual as neuroses nasais, os acessos de enxaqueca e outros sintomas do ciclo feminino obedeciam a um ritmo de 28 dias, como a menstruação.”
“Em seguida, após seu rompimento com Fliess, Freud apagaria os vestígios desse empréstimo [teoria da bissexualidade psíquica], sobretudo por causa da delirante história de plágio em que seria implicado por intermédio de Hermann Swoboda.”Pense 2x: com Freud nada é delirante!
“Weininger assimilava o judeu à mulher, sublinhando, além disso, que esta era pior do que aquele, uma vez que o judeu, como encarnação de uma dialética negativa, podia ter acesso à emancipação. Assim, a noção de bissexualidade serviu para reinstaurar sob nova forma os velhos preconceitos da época clássica.”
“Depois de fazer da bissexualidade o núcleo central de sua doutrina da homossexualidade e da sexualidade feminina, Freud considerou que essa noção era de completa obscuridade, na medida em que não podia articular-se com a de pulsão. Em 1937, porém, deu meia-volta e, em Análise terminável e interminável, mencionou o nome de Fliess e voltou à idéia de 1919 de que ambos os sexos recalcavam o que dizia respeito ao sexo oposto: a inveja do pênis, na mulher, e, no homem, a revolta contra sua própria feminilidade e sua homossexualidade latente: Já mencionei em outros textos que, na época, esse ponto de vista foi-me exposto por Wilhelm Fliess, que se inclinava a ver na oposição entre os sexos a verdadeira causa e o motivo originário do recalque. Só faço reiterar minha discordância de outrora ao me recusar a sexualizar o recalque dessa maneira, e portanto, a lhe dar um fundamento biológico, e não apenas psicológico.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Freud, Bate-se numa criança (1919);
Wilhelm Fliess, Les Relations entre le nez et les organes génitaux féminins présentés selon leurs significations biologiques (Viena, 1897), Paris, Seuil, 1977;
Otto Weininger, Sexe et caractère (Viena, 1903), Lausanne, L’Âge d’Homme, 1975;
Jacques Le Rider, Le Cas Otto Weininger. Racines de l’antiféminisme et de l’antisémitisme, Paris, PUF, 1982.
Bleuler, Eugen (1857-1939)
“Inventor dos termos esquizofrenia e autismo, diretor, depois de August Forel, da prestigiosa clínica do Hospital do Burghölzli, por onde passaram todos os pioneiros do freudismo, Eugen Bleuler foi o grande pioneiro da nova psiquiatria do século XX e um reformador do tratamento da loucura comparável ao que tinha sido, um século antes, Philippe Pinel (1745-1825).”“fundou uma verdadeira escola de pensamento, o bleulerismo, que marcou o conjunto do saber psiquiátrico até aproximadamente 1970, data a partir da qual generalizou-se em todos os países do mundo um novo organicismo, nascido da farmacologia.”
“Descendentes diretos de uma certa tradição francesa, de Charcot, por um lado, e por outro de Hippolyte Bernheim, os principais especialistas em doenças mentais e nervosas procuravam elaborar uma nova clínica da loucura, fundada não na abstração classificadora, mas na escuta do paciente: queriam ouvir o sofrimento dos doentes, decifrar sua linguagem, compreender a significação de seu delírio e instaurar com eles uma relação dinâmica e transferencial.” “do mesmo modo que Freud transformara a histeria em um paradigma moderno da doença nervosa, Bleuler inventava a esquizofrenia para fazer dela o modelo estrutural da loucura no
século XX.” “Através desse deslocamento, Bleuler renovava o gesto do alienismo do Século das Luzes, segundo o qual a loucura era curável, pois todo indivíduo insano conservava em si umresto de razão, acessível por um tratamento apropriado: o tratamento moral. Ora, no fim do século XIX, as diversas teorias da hereditariedade-degenerescência tinham abolido essa idéia de curabilidade, em proveito de um constitucionalismo da doença mental, tendo como corolário o confinamento perpétuo.”
“Se Bleuler queria adaptar a psicanálise ao asilo, Freud sonhava conquistar, desde Viena, via Zurique, a terra prometida da psiquiatria de língua alemã que, nessa época, dominava o mundo. E contava com a fidelidade de Jung, assistente de Bleuler no Burghölzli, para ajudá-lo nesse empreendimento. Contra Bleuler, ele conservou a noção de auto-erotismo e preferiu pensar o domínio da psicose em geral sob a categoria da paranóia, ao invés da esquizofrenia. Opôs assim o sistema de Kraepelin à inovação bleuleriana, mas tranformou-o de cima a baixo, a fim de estabelecer uma distinção estrutural entre neurose, psicose e perversão.
Quanto a Jung, separou-se primeiro de Bleuler, seu mestre em psiquiatria, e depois de Freud, que fizera dele o seu sucessor. Decidiu utilizar a expressão demência precoce, e não a de esquizofrenia, e inventou em 1910 a palavra introversão, que preferiu a autismo, para designar a retirada da libido para o mundo interior do sujeito.”
“Depois de ser contestada pela antipsiquiatria, a clínica freudo-bleuleriana foi marginalizada, a partir de 1970, pela elaboração de um Manual diagnóstico e estatístico dos distúrbios mentais (DSM III, IV etc.), de inspiração comportamentalista e farmacológica.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Jean Garrabé, Histoire de la schizophrénie, Paris, Seghers, 1992.
Manfred Bleuler (filho deste Bleuler), La Pensée bleulérienne dans la psychiatrie suisse, Nervure, VIII, novembro de 1995, 23-4.
Bonaparte, Marie
“Filha de Roland Bonaparte (1858-1924), neto de Lucien, irmão do imperador, Marie Bonaparte, nascida em Saint-Cloud, era portanto sobrinha-bisneta de Napoleão Bonaparte (1769-1821). Sua mãe morreu por ocasião de seu nascimento e a menina teve uma infância e uma adolescência trágicas. Educada pelo pai, que só se interessava por suas atividades de geógrafo e antropólogo, e por sua avó paterna, verdadeira tirana doméstica, ávida de sucesso e de notoriedade, Marie tinha tudo de uma personagem romanesca.
Seu casamento arranjado com o príncipe Jorge da Grécia (1869-1957), homossexual depravado, alcoólatra e conformista, fez dela uma alteza real coberta de honras e de celebridade, mas sempre obcecada pela procura de uma causa nobre e principalmente preocupada com sua frigidez. Quando encontrou Freud em Viena em 1925, a conselho de René Laforgue, estava à beira do suicídio e acabava de publicar, sob o pseudônimo de Narjani, um artigo no qual louvava o mérito de uma intervenção cirúrgica, em voga na época, que consistia em aproximar o clitóris da vagina, a fim de transferir o orgasmo clitoridiano para a zona vaginal. Acreditava assim que poderia curar sua frigidez e não hesitou em experimentar a operação em si própria, mas sem nunca obter o menor resultado.
Graças ao minucioso trabalho de Célia Bertin, única a ter acesso aos arquivos da família, conhecemos a vida dessa princesa, estimada por Freud, que reinou como soberana sobre a Sociedade Psicanalítica de Paris, da qual foi um dos 12 fundadores, ao lado de René Laforgue, Adrien Borel, Rudolph Loewenstein, Édouard Pichon, Raymond de Saussure, René Allendy, etc. Tradutora incansável da obra freudiana, organizadora do movimento francês, que financiou em parte com seu dinheiro, Marie Bonaparte consagrou a vida à psicanálise, com um entusiasmo e uma coragem invejáveis. Lutou em favor da análise leiga e, diante do nazismo, adotou uma atitude exemplar, negando-se a qualquer concessão. Pagou um resgate considerável para arrancar Freud das garras da Gestapo, salvou seus manuscritos e instalou-o em Londres com toda a família. Foi sua atividade eficaz a serviço da causa que lhe valeu ocupar um lugar central na França e tornar-se uma das personalidades mais respeitadas do movimento freudiano.
Depois da Segunda Guerra Mundial, tornou-se uma espécie de monstro sagrado, incapaz de perceber as ambições, os sonhos e os talentos das duas novas gerações francesas (a segunda e a terceira).
Durante a primeira cisão (1953) e às vésperas da segunda (1963), opôs-se fanaticamente a Jacques Lacan, a quem detestava e que a tratava de <cadáver de Ionesco>. Na verdade, ele lhe tirava o papel de chefe de escola, ao arrastar consigo a juventude psicanalítica francesa.
Apesar de sua extensão, a obra escrita de Marie Bonaparte é bastante medíocre,à exceção de alguns belos textos, entre os quais uma obra monumental sobre Edgar Allan Poe (1809-1849), ilustração dos princípios freudianos da psicobiografia, um artigo de 1927 sobre Marie-Félicité Lefebvre (um caso de loucura criminosa) e os seus famosos <cadernos>: os Cinco cadernos de uma menina, nos quais comentou sua análise e suas lembranças da infância, e os Cadernos negros, diário íntimo em que relatou todos os detalhes de sua vida e as confidências que Freud lhe fez sobre vários assuntos.
Ao contrário do tratamento dos outros discípulos, o da princesa foi interminável. Fez-se em alemão e em inglês, por etapas sucessivas, de 1925 a 1938: cinco a seis meses nos primeiros anos, um a dois meses nos anos seguintes. Desde o início, Marie recebeu uma forte interpretação. Depois de um sonho, em que ela se via em seu berço assistindo a cenas de coito, Freud afirmou peremptoriamente que ela não tinha apenas ouvido essas cenas, como a maioria das crianças que dormem no quarto dos pais, mas que ela as vira em pleno dia. Assustada e sempre preocupada em obter provas materiais, recusou essa afirmação e protestou que não tinha tido mãe. Freud manteve o que afirmara e lembrou a presença de sua ama. Finalmente, Marie decidiu interrogar o meio-irmão de seu pai, que tratava dos cavalos na casa em que passou a infância. Constrangido, o velho contou como tivera relações sexuais em pleno dia, diante do berço de Marie. Ela tinha pois visto cenas de coito, de felação e de cunilíngua.” Um bebê nem sabe separar as partes do corpo!
“Durante a análise, ele evitou que ela tivesse uma relação incestuosa com o filho, e impôs certos limites às suas experiências cirúrgicas, sem conseguir, entretanto, impedi-la de passar ao ato. Deve-se dizer que a sua situação contratransferencial era difícil: ao longo de toda a duração dessa análise, Freud sofreu temíveis operações da mandíbula, a fim de combater a progressão do câncer. Como poderia ele, em tais condições, interpretar o gozo sentido por Marie ao manejar o bisturi?”
“Deduziu uma psicologia da mulher da qual o inconsciente era esvaziado. Afastando-se simultaneamente da escola vienense e da escola inglesa, distinguiu três categorias de mulheres: as que reivindicam e procuram apropriar-se do pênis do homem; as que aceitam e se adaptam à realidade de suas funções biológicas ou de seu papel social; as que renunciam e se afastam da sexualidade.Essas teses não teriam eco na França, onde o debate sobre esse tema seria conduzido por Simone de Beauvoir (1908-1986) e depois pelos alunos de Lacan (François Perrier e Wladimir Granoff) e Françoise Dolto.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Celia Bertin, La Dernière Bonaparte, Paris, Perrin, 1982.
Borderline (caso-limite)
“A noção do borderline faz parte do vocabulário clínico norte-americano e anglo-saxão próprio da corrente da Self-Psychology e, sob certos aspectos, do pós-kleinismo da década de 1960. Perpassa igualmente o neofreudismo e o culturalismo e acabou se integrando à terminologia psicanalítica francesa, sob o nome de états-limites (no plural).”
“Otto Fenichel foi um dos primeiros, em 1945, a sublinhar a existência desse tipo de patologia: Existem personalidades neuróticas que, sem desenvolver uma psicose completa, possuem inclinações psicóticas, ou manifestam uma propensão a se servir de mecanismos esquizofrênicos em caso de frustração. Essa noção foi consideravelmente desenvolvida, mais tarde, nos trabalhos de Heinz Kohut e Otto Kernberg, que propôs o termo <organização fronteiriça> para demonstrar com clareza que o estado borderline era estável e duradouro.
Foi o psicanalista norte-americano Harold Searles, especialista em esquizofrenia, quem produziu, nesse mesmo período, os trabalhos mais pertinentes a respeito dessa questão, a partir de uma longa prática na Chesnut Lodge Clinic, uma das mecas do tratamento psicanalítico das psicoses, onde trabalhou Frieda Fromm-Reichmann depois de sua emigração da Alemanha. Marcado pelo ensino de Harry Stack Sullivan, Searles desarticulou a definição clássica da loucura à maneira dos artífices da antipsiquiatria, mostrando que, nos pacientes borderline, o eu funciona de maneira autística. Em seu célebre livro de 1965, O esforço de enlouquecer o outro, Searles criticou a ortodoxia, freudiana sublinhando como a prática ortodoxa da transferência pode desembocar numa estratégia de terror, que consiste em tornar o paciente dependente do analista. Contrastou com isso uma prática da análise inspirada no tratamento dos estados borderline e fundamentada na idéia de reconhecimento mútuo entre o terapeuta e o paciente.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Otto Kernberg, com Michael A. Selzer, Harold W. Koenisgsberg, Arthur C. Carr e Ann H. Appelbaum, La Thérapie psychodinamique des personnalitiés-limites (N. York, 1989), Paris, PUF, 1995.
Bowlby, John
“A partir de 1948, dirigiu uma pesquisa sobre as crianças abandonadas ou privadas de lar, cujos resultados tiveram repercussão mundial sobre o tratamento psicanalítico do hospitalismo, da depressão anaclítica e das carências maternas, assim como sobre a prevenção das psicoses. Em 1950, tornou-se assessor da ONU, onde suas teses tiveram papel considerável na adoção de uma carta mundial dos direitos da infância. Um ano depois, publicou o seu relatório Maternal Care and Mental Health, no qual mostrou que a relação afetiva constante com a mãe é um dado fundamental para a saúde psíquica da criança. No fim da vida, sempre apaixonado por biologia e etologia, redigiu a biografia de Charles Darwin (1809-1882). Estudou minuciosamente a primeira infância do sábio, suas doenças psicossomáticas, suas dúvidas e depressões, pintando um vigoroso quadro da época vitoriana e das reações que a revolução darwiniana suscitou na Inglaterra.”
Brasil
“Em 1890, o antigo Hospício Pedro II foi transformado em hospital de alienados, na mais pura tradição do gesto de Philippe Pinel (1745-1826). A força da nosologia francesa foi tal, durante cerca de uma década, que a expressão <estar Pinel> passou, na linguagem corrente, a significar <estar louco>.
Foi nesse terreno da primeira reforma asilar que Juliano Moreira, baiano e negro, introduziu a nosografia alemã. Amigo de Emil Kraepelin e excelente conhecedor da Europa, foi nomeado professor na Universidade da Bahia com a idade de 23 anos, e tomou em 1903 a direção do Hospital Nacional de Alienados do Rio de Janeiro. Nove anos depois, graças à sua ação, a psiquiatria se tornou uma especialidade autônoma no currículo dos estudos médicos. Fundador da psiquiatria brasileira moderna, Juliano Moreira foi também o primeiro no país a adotar e divulgar a doutrina freudiana.”
“a atração dos filhos de família pelas mulheres de cor provinha das relações íntimas da criança branca com a sua ama negra: uma sexualidade carnal e sensual.”
“Assim como sob a monogamia surgia sempre a prática mal encoberta da poligamia, sob o monoteísmo perfilavam-se todas as variantes de um politeísmo selvagem. Assim, quando foi instaurado, por um homem negro, um saber psiquiátrico que visava arrancar a loucura das práticas mágicas, a clivagem se repetiu. A nova ordem não conseguiu pôr termo às antigas tradições terapêuticas do transe e das possessões (o candomblé).”
“Reservada inicialmente, no período entre as duas guerras, à grande burguesia paulista e a médicos preocupados em seguir as regras ortodoxas da IPA, a psicanálise se tornou, na segunda metade do século, ao desenvolver-se no Rio e em outras cidades, a nova psicologia das classes médias brancas, formadas na universidade. Tomou o lugar da antiga sociologia comteana.”
“Nessa época, a análise didática era obrigatória, e Marcondes, que não fizera análise, não podia formar alunos. Aliás, em 1931, teve que enfrentar um charlatão chamado Maximilien Langsner, que obteve grande sucesso em São Paulo. Esse homem usava um nome vienense e praticava a telepatia, proclamando-se o melhor discípulo de Freud. Temendo que esse espetáculo desacreditasse a psicanálise nos meios médicos, Marcondes pediu a Freud que desmascarasse o impostor, o que ele logo fez.”
“Dissolvida em 1944, a SBP se reconstituiu em um grupo puramente paulista, a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), reconhecida pela IPA no Congresso de Amsterdam de 1951. A partir desse momento, houve intercâmbios entre Londres e São Paulo. Apaixonados pelas teorias de Melanie Klein e seus discípulos, analistas paulistas atravessaram o Atlântico para receber uma formação na British Psychoanalytical Society (BPS). Foi o caso de Virgínia Bicudo. Depois de cinco anos em Londres, ela trouxe as suas experiências clínicas da Tavistock Clinic e as ensinou. Por sua vez, Frank Philips, voltando de Londres, realizou no seio do grupo paulista seminários técnicos e teóricos de inspiração kleiniana. À influência compósita argentina acrescentou-se então a do kleinismo, nitidamente mais implantado em São Paulo do que no Rio. Posteriormente, Wilfred Ruprecht Bion, convidado por Philips, se tornaria um dos mestres do grupo paulista.”
“Essa expansão da psicanálise nas duas grandes cidades rivais, São Paulo e Rio, assim como na região sul do país, permitiu ao freudismo brasileiro recuperar progressivamente o seu atraso em relação ao movimento argentino, sem com isso fazer emergir em suas fileiras chefes de escola de estatura comparável à dos argentinos. Deve-se dizer que, desde a origem, a situação no Brasil era diferente. Efetivamente, a escola brasileira, na ausência de um sólido movimento migratório durante o período entre as duas guerras, não tivera <fundador> que fosse ao mesmo tempo didata e teórico. E ela só encontrou a sua identidade, de uma cidade à outra, ao filiar-se ora à escola inglesa ou a algumas correntes norte-americanas, ora à escola argentina. Entretanto, desenvolveu uma grande atividade clínica em diversas instituições (hospitais e centros de saúde). A partir de 1960, com a criação da COPAL (futura FEPAL) e depois da Associação Brasileira de Psicanálise (ABP, 1967), ela se tornou, ao lado da escola argentina, a segunda grande potência do freudismo latino-americano.”
“Em 31 de março de 1964, depois de dez anos de governo social-democrata, durante os quais o presidente Kubitschek inaugurou a cidade de Brasília, o marechal Castello Branco, apoiado pelos Estados Unidos e pelas classes médias, derrubou o presidente João Goulart e instaurou uma ditadura que duraria vinte anos. (…) Orgulhosos de construírem um Brasil novo, os tecnocratas, os conservadores e os anticomunistas afirmaram sua vontade de governar sem o sufrágio das massas. Os partidos foram dissolvidos, as forças armadas reorganizadas.”
“Helena Besserman Vianna, psicanalista de extrema esquerda e membro da outra sociedade (SBPRJ), tomou conhecimento desse artigo. Suas opiniões radicais eram conhecidas, pois ela se expressara publicamente na SBPRJ, por ocasião de um debate com Bion, perguntando-lhe se ele aceitaria analisar um torturador. A assembléia respondera que essa pergunta era <provocadora, nem científica nem construtiva>. Helena enviou a Marie Langer o artigo da Voz Operária, acompanhado do nome e do endereço de Leão Cabernite [psicanalista carioca ligado aos militares, que dentre seus pacientes contava com um torturador, denunciado pelo jornal proletário acima] escritos à mão, para que ela o publicasse em sua revista Cuestionamos e pedisse à direção da IPA a abertura de um inquérito. Marie Langer mandou imediatamente o artigo a Serge Lebovici, presidente da IPA, e a diversos responsáveis do movimento psicanalítico. Depois, publicou-a em sua revista. Marie Langer tinha um peso considerável na IPA, em razão de sua notoriedade e de seu engajamento contra todas as ditaduras latino-americanas.
Preocupado com as conseqüências desse caso para a imagem da psicanálise no mundo, Lebovici preveniu Cabernite e David Zimmermann [sobrenome de fascista], membro da SPPA (Porto Alegre) e presidente da COPAL, que lhe respondeu logo que essa publicação era <um jornaleco que não merecia respeito>.” “Não só os autores negavam qualquer participação de Amílcar Lobo nesse gênero de atividade, como também acusavam o denunciante de fomentar um complô para desestabilizar a psicanálise brasileira, no momento em que ia se realizar o IV Congresso da ABP.” O Amílcar é o Lobo do homem.
“Identificada por uma perícia grafológica, Helena Besserman Vianna pagou caro a denúncia do torturador. Sua sociedade recusou-se, durante dois anos, a lhe conferir o título de membro titular, ao passo que ela tinha teoricamente direito a ele, considerando-se o seu currículo. Pior ainda, o conselho de administração da SBPRJ se transformou em tribunal interno para acusá-la de delação, envolvendo a pessoa de um inocente (Amílcar Lobo), de plágio dos textos de seus colegas e enfim de falta de respeito para com Bion: uma verdadeira degradação pública. Posteriormente, Helena foi vítima de uma tentativa de atentado fracassada, por parte da polícia brasileira, prevenida por Amílcar Lobo. Ela só foi definitivamente reabilitada em 1980, quando um ex-prisioneiro revelou publicamente as atrocidades de Amílcar Lobo. Entretanto, nem Cabernite, nem Zimmermann, nem Lebovici prestaram contas de seu erro durante esse período, o que provocou uma verdadeira tempestade nas fileiras das duas sociedades do Rio.”
“o lacanismo se implantou maciçamente na universidade, em particular nos departamentos de psicologia, trazendo assim uma cultura e uma identidade para a profissão de psicoterapeuta, abandonada pela ABP, que tendia, apesar de algumas exceções, como Inês Besouchet (1924-1991) por exemplo, a favorecer os médicos. Daí a eclosão paralela de múltiplos grupos, com diversas orientações: 26 no Rio, 27 em São Paulo, 7 no Rio Grande do Sul, 9 em Minas Gerais, ao todo 70 associações, reunindo cerca de 1500 psicoterapeutas. Essa cifra elevava o efetivo total dos psicanalistas freudianos a mais de 3000.”
“as extravagâncias xamanísticas do célebre lacaniano brasileiro dos anos 1970, Magno Machado Dias, mais conhecido sob o nome de MDMagno.” “Analisado por Lacan em alguns meses, esse esteta carioca culto e sedutor, professor de semiologia na universidade, fundou em 1975, com Betty Milan, outra analisada de Lacan, o Colégio Freudiano do Rio de Janeiro (CFRJ). Tornou-se o terapeuta dos membros de seu grupo, que freqüentavam seu divã e seus seminários. MDMagno deu ao lacanismo carioca uma furiosa expansão, e o seu Colégio foi o núcleo inicial de todos os grupos formados depois no Rio, por cisões sucessivas. Evoluindo para um culturalismo radical, Magno se apresentava como fundador da psicanálise <abrasileirada>. Segundo a nova genealogia, Freud era o bisavô, Lacan o avô, MDMagno o pai.”
“Na Bahia, Emilio Rodrigué, grande figura da escola argentina, realizou uma experiência única em seu gênero. Dissidente da APA, próximo de Marie Langer e do grupo Plataforma, recebera sua formação didática em Londres, com Paula Heimann e Melanie Klein. Instalando-se em 1974 no coração da civilização brasileira, entre a negritude e a colonização, casado com uma sacerdotisa da aristocracia do candomblé, apaixonado por historiografia, conseguiu reunir em torno de si um grupo composto de todas as tendências do freudismo. Assim, foi um dos raros psicanalistas, talvez o único, a estabelecer uma ponte entre todas as culturas do continente latino-americano, sem ceder nem ao universalismo abstrato, nem ao culturalismo desenfreado. Daí o seu lugar de mestre socrático, único na psicanálise neste fim do século XX.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Jurandir Freire Costa, História da psiquiatria no Brasil, Rio de Janeiro, 1976; (documentário)
Marialzira Perestrello, História da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Suas origens e fundação, Rio de Janeiro, Imago, 1987.
Breuer, Josef (1842-1925)
“A imagem desse brilhante clínico vienense que tratou de Franz Brentano, Johannes Brahms (1833-1897), Marie von Ebner-Eschenbach e seus colegas médicos, o ginecologista Rudolf Chrobak (1843-1910), Theodor Billroth e o próprio
Freud, foi deformada por Ernest Jones. Em sua biografia de Freud, este o apresentou como um terapeuta tímido e estúpido, incapaz de compreender a questão da sexualidade. Foi necessário esperar pelo trabalho deAlbrecht Hirschmüller, historiador da medicina de língua alemã, para que fosse escrita a história das relações entre Freud e Breuer, longe das lendas da historiografia oficial.” “Josef Breuer não era crente nem praticante. Como Freud, permaneceu ligado à sua judeidade, sem proclamar nenhuma fé e defendendo os princípios da assimilação. Em 1859, orientou-se para a medicina, tornando-se aluno de Karl Rokitansky (1804-1878), de Josef Skoda, de Ernst von Brücke e, enfim, do assistente deste, Johann von Oppolzer(1808-1871), notável clínico geral, do qual foi por sua vez assistente. Foi no laboratório de fisiologia de Ewald Hering, rival de Brücke, que começou a trabalhar no problema da respiração. Essa formação fez dele o herdeiro de uma tradição positivista, originária da escola de Hermann von Helmholtz, pela qual se realizava a união de uma medicina de laboratório de estilo alemão e da medicina hospitalar vienense. Tornando-se célebre em 1868 por um estudo sobre o papel do nervo pneumogástrico na regulação da respiração, estudou depois os canais semicirculares do ouvido interno.”
“Breuer e Freud tinham em sua clientela doentes mentais, principalmente mulheres histéricas da boa burguesia vienense. Assim, começaram a tornar-se, cada um a seu modo, especialistas em distúrbios psíquicos, o que os levou a assinarem juntos, em 1895, os famosos Estudos sobre a histeria.” “Sua amizade terminou na primavera de 1896. Entretanto, o conflito não foi nem violento nem definitivo, como aconteceu com Fliess e depois com Carl Gustav Jung. Constrangido por ter que pagar sua dívida financeira, Freud comportou-se com Breuer como um filho intransigente e revoltado. Suspeitou que ele quisesse tutelá-lo e acusou-o de ser oportunista e não ter a coragem de defender idéias novas. Na realidade, Breuer não tinha as mesmas ambições que Freud. Não procurando fazer nome na história das ciências nem tornar-se profeta de uma doutrina que iria abalar o mundo, mostrou-se sempre favorável à psicanálise.”
Brücke, Ernst Wilhelm von (1819-1892)
“Brücke merece ser considerado o fundador da fisiologia na Áustria.”
“Brücke ficara sabendo que eu cheguei várias vezes atrasado ao laboratório. Um dia, ele veio na hora em que eu deveria chegar e me esperou. […] O essencial estava em seus terríveis olhos azuis, cujo olhar me aniquilou. Aqueles que se lembram dos olhos maravilhosos que o mestre conservou até a velhice e que o viram encolerizado podem imaginar facilmente o que senti então.”Interpretação dos Sonhos
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Siegfried Bernfeld, Freud’s earliest theories and the school of Helmholtz, Psychoanalytic Quarterly, XIII, 1944, 341-62;
______. Freud’s scientific beginnings, American Imago, vol. 6, 1949, 163-96;
______. Sigmund Freud M.D., IJP, vol. 32, 1951, 204-17.
Caruso, Igor
“em 1947, Caruso se separou sem traumas da WPV, cuja orientação lhe parecia excessivamente médica, excessivamente materialista, ou seja, excessivamente <americana>, para criar o primeiro círculo de trabalho vienense sobre a psicologia das profundezas. Mesmo continuando a ser freudiano, não aceitava os padrões de formação da IPA e, como Lacan, queria dar à psicanálise uma orientação intelectual, espiritual e filosófica. Assim, considerava-a, à luz da fenomenologia, como um método de edificação da personalidade humana (ou personalismo), destinado não a adaptar o sujeito ao princípio de realidade, mas a levá-lo a resolver as tensões resultantes da sua relação conflituosa com o mundo.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Igor Caruso, Psychanalyse et synthèse personnelle (Viena, 1952), Paris, Desclée de Brouwer, 1959.
castração
“Em A interpretação dos sonhos todas as passagens relativas à castração, se excetuarmos uma alusão, aliás errada, a Zeus castrando Cronos, são acrescentadas em 1911 ou nas edições posteriores.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Stärcke, The Castration Complex
Charcot (1825-1893)
“O nome de Jean Martin Charcot é inseparável da história da histeria, da hipnose e das origens da psicanálise, e também daquelas mulheres loucas, expostas, tratadas e fotografadas no Hospital da Salpêtrière, em suas atitudes passionais: Augustine, Blanche Wittmann, Rosalie Dubois, Justine Etchevery. Essas mulheres, sem as quais Charcot não teria conhecido a glória, eram todas oriundas do povo. Suas convulsões, crises, ataques, suas paralisias eram sem dúvida alguma de natureza psíquica, mas também eram conseqüência de traumas de infância, estupros, abusos sexuais. Em suma, da miséria da alma e do corpo, tão bem-descrita pelo mestre nas suas Lições da terça-feira.”
“Graças ao método anátomo-clínico, descreveu a doença que levaria o seu nome: esclerose lateral amiotrófica.”
“Foi em 1870 que se interessou pela histeria, por ocasião de uma reorganização dos setores do hospital. De fato, a administração tomou a decisão de separar os alienados dos epiléticos (não-alienados) e das histéricas. Como essas duas últimas categorias de doentes apresentavam sinais convulsivos idênticos, decidiu-se reuni-los em uma seção especial: a seção dos epiléticos simples.” “Charcot inaugurou assim um modo de classificação que distinguia a crise histérica da crise epilética e permitia à doente histérica escapar da acusação de simulação. Assim, abandonou a definição antiga de histeria, para substituí-la pelo conceito mais moderno de neurose.”
“recorreu à hipnose: adormecendo as mulheres na Salpêtrière, fabricava sintomas histéricos experimentalmente, fazendo-os desaparecer imediatamente, provando assim o caráter neurótico da doença. Foi nesse ponto que seria atacado por Bernheim.” “em 1887, publicou Os demoníacos na arte, em colaboração com seu aluno Paul Richer (1849-1933). Para ele, tratava-se de encontrar nas crises de possessão e nos êxtases os sintomas de uma doença que ainda não recebera a sua definição científica.” “a fase epileptóide, quando a doente se contraía em uma bola e dava uma volta completa em torno de si mesma, a fase de clownismo, com seu movimento em arco de círculo, a fase passional, com seus êxtases, e enfim o período terminal, com suas crises de contraturas generalizadas. A isso Charcot acrescentava uma variedade <demoníaca> da histeria: aquela em que a Inquisição via os sinais da presença do diabo no útero das mulheres.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Désiré-Magloire Bourneville & Paul Regnard (org.), Iconografia fotográfica da Salpêtrière, “verdadeiro laboratório das representações visuais da histeria” (livro fotográfico).
Mon cher docteur Freud: Charcot’s unpublished correspondance to Freud, 1888-1893, anotações, tradução e comentários de Toby Gelfand, in: Bulletin of the History of Medecine, 62, 1888, 563-88.
Chistes e sua relação com o inconsciente, Os
“Freud tinha paixão por aforismos, trocadilhos e anedotas judaicas, e não parou de colecioná-los ao longo de toda a sua vida. Como inúmeros intelectuais vienenses — Karl Kraus, p.ex. —, era dotado de um senso de humor corrosivo e adorava as histórias das Schadhen (casamenteiras judias) ou dos Schnorrer (pedintes), através das quais se exprimiam, por meio do riso, os principais problemas da comunidade judaica da Europa Central, confrontada com o anti-semitismo. Sob esse aspecto, como sublinha Henri F. Ellenberger, seu livro sobre o chiste é um pequeno monumento à memória da vida vienense: ali ele conta histórias de dinheiro e sonhos de glória, e piadas referentes ao sexo, à família, ao casamento, etc.”
QUE INFANTIL… “De Mark Twain (1835-1910) a Dom Quixote, distingue o humor, o cômico e o chiste propriamente dito. Todos os três, afirma, remetem o homem ao estado infantil, pois <a euforia que almejamos atingir por esses caminhos não é outra coisa senão o humor […] de nossa infância, idade em que desconhecíamos o cômico, éramos incapazes de espirituosidade e não precisávamos do humor para nos sentirmos felizes na vida>.”
“Em 1916, Abraham Arden Brill redigiu a primeira versão do livro em inglês e escolheu a palavra wit como equivalente de Witz, com o risco de restringir a significação do chiste à espirituosidade intelectual, no sentido como dizemos que alguém <tem espírito>, ou <é uma pessoa espirituosa>, ou <faz tiradas oportunas>. Opondo-se a essa redução, James Strachey preferiu, em 1960, o vocábulo joke, que ampliou a significação do termo, estendendo-o até a blague, a brincadeira ou a farsa, com o risco de dissolver o dito espirituoso, ou seja, o aspecto intelectual do Witz freudiano, no campo mais vasto das diferentes formas de expressão do cômico. Na verdade, por trás dessa querela perfilava-se uma luta ideológica entre os ingleses e os norte-americanos [os anglo-saxões e os judeus?] pela apropriação da obra freudiana. É que Brill havia procurado, em sua tradução, <adaptar> o pensamento freudiano ao espírito de além-Atlântico, transformando certas blagues judaicas em piadas norte-americanas. Strachey, ao contrário, opondo-se a Brill, reivindicava uma fidelidade maior tanto ao texto freudiano quanto à língua inglesa (e não norte-americana) e à história vienense.” “Na França, foi Lacan, contrariando Marie Bonaparte, quem procurou traduzir Witz por trait d’esprit, assim dissociando o trait (rasgo, traço), como significante, do esprit (intelecto, engenho, espírito). A partir daí, os lacanianos, fascinados pelos trocadilhos do mestre, privilegiaram o termo Witz, preferencialmente a chiste, como se o emprego do termo alemão permitisse remeter o Witz freudiano a uma função simbólica da linguagem, a um traço significante não-redutível à diversidade das línguas. Em 1988, quando do lançamento da excelente tradução de Denis Messier, Jean-Bertrand Pontalis redigiu uma nota em que se recusou a traduzir Witz por trait d’esprit. Mesmo levando em conta o caráter positivo da contribuição teórica de Lacan, sublinhou, com justa razão, que o Witz tinha, no sentido freudiano, uma significação muito mais ampla e menos conceitual do que a leitura que dele propusera Lacan. Daí a opção de traduzir o livro como Le Mot d’esprit et sa relation à l’inconscient.”
Ver verbete agressão.
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Theodor Lipps, Komik und Humor. Eine psychologisch-ästhetische Untersuchung, Hamburgo, L. Voss, 1898;
Joël Dor, Introdução à leitura de Lacan, t. 1 (Paris, 1985), P. Alegre, Artes Médicas, 1992;
André Bourguignon, Pierre Cotet, Jean Laplanche & François Robert, Traduzir Freud (Paris, 1989), S. Paulo, Martins Fontes, 1992.
Cinco lições de psicanálise (Sobre a Psicanálise), 1910
“Livro de Sigmund Freud, publicado pela primeira vez em inglês, no American Journal of Psychology, sob o título The Origin and Development of Psychoanalysis, numa tradução de H.W. Chase, e depois retraduzido por James Strachey em 1957, sob o título Five Lectures on Psycho-analysis. Publicado em alemão em 1910, sob o título Über Psychoanalyse. Traduzido para o francês em 1920 por Yves Le Lay, sob o título Origine et développement de la psychanalyse, e mais tarde, em 1923, sob o título Cinq Leçons sur la psychanalyse. Retraduzido por Cornélius Heim em 1991, sob o título Sur la psychanalyse. Cinq conférences, e depois, em 1993, por René Lainé & Johanna Stute-Cadiot, sob o título De la psychanalyse.”
“Para Freud, esse momento marcou o fim de seu isolamento. No entanto, em 1914, em seu ensaio sobre A história do movimento psicanalítico, falou com certa leviandade das Cinco conferências, afirmando havê-las improvisado. Na verdade — e sua correspondência com Ferenczi o atesta —, redigiu-as durante todo o verão de 1909.”
O COMEÇO DO FIM: “Na época, eu contava apenas 53 anos, sentia-me jovem e saudável, e essa breve temporada no Novo Mundo foi, de maneira geral, benéfica para meu amor-próprio; na Europa, eu me sentia meio proscrito, enquanto ali me vi acolhido pelos melhores como um de seus pares. Foi como que a realização de um devaneio improvável subir ao púlpito de Worcester, para ali proferir as Cinco lições de psicanálise. A psicanálise, portanto, já não era uma formação delirante, havendo-se transformado numa parte preciosa da realidade.”
“Inicialmente publicadas em inglês, essas cinco lições nada trazem de novo para quem conhece a essência da obra freudiana. No entanto, por sua clareza exemplar, têm uma função didática e constituem uma iniciação particularmente simples aos princípios gerais da psicanálise.” (veja instruções sobre a ordem da leitura de Freud ao final do post)
ESBOÇO DA OBRA:
“A primeira conferência versa sobre a especificidade da abordagem psicanalítica da
neurose. A propósito disso, Freud evoca a história de Anna O. (Bertha Pappenheim) e a lembrança de Josef Breuer.
Na segunda conferência, explica de que modo o abandono da hipnose lhe permitiu captar a manifestação das resistências, do recalque e do sintoma, assim como seu funcionamento em relação ao surgimento de <moções> do desejo,¹ por ele qualificadas de <perturbadoras> para o eu.”
¹ Vocabulário intragável!
“A conferência de Freud na quarta-feira à tarde, com efeito, foi perturbada pela intromissão de Emma Goldmann, a célebre anarquista norte-americana, acompanhada, nesse dia, por Ben Reitman, o <rei dos vagabundos>.
Em seu prefácio à tradução francesa de 1991, Jean-Bertrand Pontalis sublinhou a engenhosidade de que Freud deu mostras ao usar essa imagem do perturbador. Contudo, sublinhou também que a tática que consiste em desarmar o adversário em potencial comporta o risco de gerar, por força da moderação, um número excessivo de mal-entendidos. Assim, para não chocar o público norte-americano, Freud havia recuado, nesse momento, em relação às posições adotadas em 1905, em seus Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Essa concessão, entretanto, não evitaria que sua doutrina fosse assemelhada a um pansexualismo, tanto nos Estados Unidos quanto em todos os outros lugares.
Esse exemplo de deslizamento epistemológico, responsável por uma certa edulcoração da teoria, também responde pelo interesse desse livro. Nele, com efeito, podemos apreender como foi difícil o combate travado por Freud em prol do uso e da manutenção do termo sexualidade. Como sublinhou Jean Laplanche a esse respeito, <Ceder quanto à palavra já é ceder em ¾ quanto ao próprio conteúdo da idéia.>”
cisão
“Dá-se o nome de cisão a um tipo de ruptura institucional ocorrida no interior da IPAa partir do fim da década de 1920. O cisionismo é um processo ligado ao desenvolvimento maciço da psicanálise durante o entre-guerras e, mais tarde, durante a segunda metade do século XX. Atesta uma crise da instituição psicanalítica e a transformação desta num aparelho burocrático, destinado a administrar os interesses profissionais da corporação (análise didática e supervisão, análise leiga ou análise feita por médicos) a partir de regras técnicas (duração das sessões e dos tratamentos, currículo, hierarquias) que se tornaram contestáveis aos olhos de alguns de seus membros, a ponto de conduzi-los a rejeitá-las radicalmente e, depois, a promover uma secessão.”
“O cisionismo, portanto, é o sintoma da impossibilidade de a psicanálise e o freudismo da segunda metade do século XX serem representados em sua totalidade unicamente pela IPA, ainda que ela seja a associação mais poderosa e mais legítima do mundo. Quanto mais importante é o movimento freudiano num país, mais freqüentes são as cisões. Por isso é que o cisionismo é realmente um fenômeno ligado ao desenvolvimento das instituições psicanalíticas.”
“Somente a Grã-Bretanha conseguiu evitar as cisões, através de um arranjo interno da British Psychoanalytical Society (BPS) após as Grandes Controvérsias: em vez de levar a uma verdadeira cisão, os conflitos conduziram a uma divisão tripartite da própria BPS (kleinismo, annafreudismo e o Grupo dos Independentes).”
“O termo difere, portanto, de cisma, muitas vezes empregado na terminologia inglesa e que, embora designe a contestação de uma autoridade legítima, tem uma conotação religiosa que não convém à inscrição da psicanálise no século. [hehe]”
“A dissidência é um fenômeno historicamente anterior ao das cisões, contemporâneas da expansão maciça da psicanálise no mundo, e do advento da terceira geração psicanalítica mundial (Jacques Lacan, Heinz Kohut, Marie Langer, Wilfred Ruprecht Bion, Igor Caruso, Donald Woods Winnicott).” “De modo geral, emprega-se o termo dissidência para qualificar as duas grandes rupturas que marcaram os primórdios do movimento psicanalítico: com Alfred Adler, em 1911, e com Carl Gustav Jung, em 1913. Essas duas rupturas conduziram seus protagonistas a abandonar o freudismo e fundar, ao mesmo tempo, uma nova doutrina e um novo movimento político e institucional: a psicologia individual, no caso do primeiro, e a psicologia analítica, no que tange ao segundo.” “As dissidências de Wilhelm Stekel e Otto Rank, sob esse aspecto, são diferentes da adleriana e da junguiana, porquanto dizem respeito a certos aspectos da doutrina e não à sua totalidade. Trata-se, pois, de dissidências internas à história da teoria freudiana, da qual conservam quer o essencial, quer uma parte. A dissidência de Wilhelm Reich é da mesma ordem, tendo sido acompanhada, como a de Rank, de uma expulsão da IPA.”
“Note-se que Lacan foi o único a utilizar a palavra excomunhão para designar a maneira como foi obrigado a deixar a IPA em 1963. Com isso, inscreveu sua ruptura com a legitimidade freudiana na linha direta do herem de Baruch Spinoza (1632-1677), que era um castigo de caráter leigo, e não religioso. (…) Censurando a instituição freudiana por já não ser freudiana, ele se viu coagido a fundar um novo lugar de legitimidade para o exercício da psicanálise — a École Freudienne de Paris (EFP) —, assim fazendo nascer um movimento que, apesar de se pretender freudiano, seria chamado de lacaniano. Essa é a contradição traduzida pela palavra excomunhão: também o jovem Spinoza foi coagido por seu herem a fundar uma filosofia spinozista.”
Claus, Carl (1835-1899) [não confundir com Karl Kraus]
“Em 1874, Freud seguiu seus cursos, no momento em que Claus se dedicava a uma vasta polêmica com outro discípulo alemão de Charles Darwin, Ernst Haeckel. No ano seguinte, obteve por duas vezes uma bolsa para Trieste, onde efetuou pesquisas sobre as gônadas da enguia. Em 1990, Lucille Ritvo foi a primeira a estudar a importância do ensino de Carl Claus na gênese da adesão de Freud ao darwinismo, especialmente à tese da hereditariedade dos caracteres adquiridos.”
complexo
“Nenhum outro termo instituído pela psicanálise para as suas necessidades adquiriu tanta popularidade nem foi mais mal-aplicado em detrimento da construção de conceitos mais exatos” F., História da psicanálise
“Podemos encontrar diversos motivos para esta reserva de Freud. Repugnava-lhe uma certa tipificação psicológica (por exemplo, o complexo de fracasso), que implica o risco de dissimular a singularidade dos casos e, ao mesmo tempo, apresentar como explicação aquilo que constitui o problema.” “surge, com efeito, a tentação de criar tantos complexos quantos forem os tipos psicológicos que se imaginem” “Note-se que a aparente diversidade dos termos <paterno>, <materno>, etc., remete em cada caso para dimensões da estrutura edipiana, quer essa dimensão seja particularmente dominante em determinado sujeito, quer Freud pretenda dar um relevo especial a determinado momento da sua análise. E assim que, sob o nome de complexo paterno, ele acentua a relação ambivalente com o pai. O complexo de castração, embora o seu tema possa ser relativamente isolado, inscreve-se inteiramente na dialética do complexo de Édipo.” Hm.
“No Dictionnaire de psychanalyse et psychotechnique publicado sob a direção de Maryse Choisy na revista Psyche, são descritos cerca de 50 complexos. Escreve um dos autores: <Tentamos dar uma nomenclatura tão completa quanto possível dos complexos conhecidos até agora. Mas todos os dias se descobrem mais.>” HAHAHA
complexo de Electra
“Expressão utilizada por Jung como sinônimo do complexo de Édipo feminino, para marcar a existência nos dois sexos, mutatis mutandis, de uma simetria da atitude para com os pais.” Nem mesmo Simone de Beauvoir sabia disso.
compulsão à repetição (Wiederholungszwang)
Ver vocábulos das neuroses
“Em psicopatologia concreta, processo incoercível e de origem inconsciente, pelo qual o sujeito se coloca ativamente em situações penosas, repetindo assim experiências antigas sem se recordar doprotótipo e tendo, pelo contrário, a impressão muito viva de que se trata de algo plenamente motivado na atualidade.”
“Ela participa de tal modo da investigação especulativa de Freud nesse momento decisivo, com suas hesitações, impasses e mesmo contradições, que é difícil delimitar a sua acepção restrita como também a sua problemática própria.”
“De um modo geral, o recalcado procura <retornar> ao presente, sob a forma de sonhos, de sintomas, de atuação”
“…o que permaneceu incompreendido retorna; como uma alma penada, não tem repouso até que seja encontrada solução e alívio” Quem diria que não foi escrito por um espírita! Mas um surdo pressentimento – ou grande ignorância – me faz pensar que um bisavô meu me deu esse presente e que desde criança esse é meu fado… Tudo se inverte quando percebemos que criamos isso, imploraríamos por isso se não existisse (única realidade possível) e vivemos nossa vida como a MALDIÇÃO DO ESCRITOR, espontaneamente, por paradoxal que pareça.
“Lacan distingue duas ordens de repetição, as quais analisa numa perspectiva aristotélica: por um lado, a tyche, encontro dominado pelo acaso — de certo modo, ela é o contrário do kairos, o encontro que ocorre no <momento oportuno> — e que podemos assimilar ao trauma, ao choque imprevisível e incontrolável.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
F., Recordar, repetir, perlaborar
comunismo
“instaurou-se entre o marxismo e o freudismo um vínculo que deu origem a uma corrente intelectual designada pelo nome de freudo-marxismo, cujos principais representantes foram os filósofos da Escola de Frankfurt e os psicanalistas da <esquerda freudiana>: desde Otto Fenichel a Wilhelm Reich, passando por Erich Fromm e Herbert Marcuse.”
“Freud sempre manifestou uma hostilidade, se não ao marxismo, pelo menos ao comunismo e, acima de tudo, aos freudo-marxistas. Foi contra Reich que se mostrou mais violento, sobretudo em 1933, no momento em que os freudianos de todas as tendências deveriam ter se mobilizado contra o nazismo, e não contra os dissidentes marxistas de seu próprio movimento.(Freud, entretanto, jamais confundiu comunismo com nazismo, como mostra uma carta publicada por Jones, dirigida a Marie Bonaparte em 10 de junho de 1933: <O mundo está se transformando numa enorme prisão. A Alemanha é a pior de suas celas. O que acontecerá na cela austríaca é absolutamente incerto. Prevejo uma surpresa paradoxal na Alemanha. Eles começaram tendo o bolchevismo como seu inimigo mortal e terminarão com algo que não se distinguirá dele — exceto pelo fato de que o bolchevismo, afinal, adotou ideais revolucionários, ao passo que os do hitlerismo são puramente medievais e reacionários.>)”
“Em todos os países que se tornaram comunistas e onde a psicanálise estava implantada no começo do século, ela foi proibida e seus representantes foram perseguidos, caçados ou obrigados a se exilar. Naqueles em que ainda não existia antes do advento do regime comunista, ela também foi proibida. Num primeiro momento, de 1920 a 1949, e à medida que se deu a stalinização do movimento comunista e a transformação do regime soviético (e de seus satélites) num sistema totalitário, a supressão de todas as liberdades associativas e políticas acarretou a extinção pura e simples da prática psicanalítica e de suas instituições. (…) O pavlovismo tornou-se o padrão generalizado de uma psicologia chamada materialista, que foi contrastada com a ciência burguesa freudiana, dita espiritualista ou reacionária.” “Somente após a queda do comunismo, em 1989, é que o freudismo pôde implantar-se novamente na Rússia e na Romênia, ou encontrar uma nova via de introdução na Polônia, na Bulgária e na República Tcheca.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
André Jdanov, Sur la littérature, l’art et la musique (1948), Paris, Éd. de la Nouvelle Critique, 1950.
Conferências introdutórias sobre psicanálise
“Livro inicialmente publicado por Sigmund Freud em 3 partes distintas, entre 1916 e 1917, e depois num único volume, em 1917, sob o título Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse. Traduzido para o francês pela primeira vez em 1921, por Samuel Jankélévitch, sob o título Introduction à la psychanalyse. Traduzido para o inglês pela primeira vez em 1920, sem indicação do tradutor mas sob a direção e com um prefácio de Stanley Granville Hall, sob o título A General Introduction to Psychoanalysis. Mais tarde, traduzido em 1922 por Joan Riviere sob o título Introductory Lectures on Psycho-Analysis, com um prefácio de Ernest Jones. A tradução de Joan Riviere foi posteriormente reeditada em 1935 sob o título A General Introduction to Psychoanalysis, incluindo os dois prefácios. Traduzido em 1964 por James Strachey sob o título Introductory Lectures on Psycho-Analysis.”
“As Conferências introdutórias sobre psicanálise compreendem 3 grupos de aulas: as quatro primeiras aulas dizem respeito aos atos falhos; as 11 seguintes são dedicadas ao sonho, e as outras 13, que em si constituem a verdadeira segunda parte do livro, são agrupadas sob o título de Teoria geral das neuroses.”
“Mas, nova dificuldade, é impossível assistir a uma sessão de psicanálise, embora seja corriqueiro observar apresentações de doentes no âmbito dos serviços de psiquiatria. Com efeito, a psicanálise pressupõe a fala espontânea e não controlada por parte do paciente; assim, ela versa sobre o que há de mais íntimo e mais pessoal, que não pode ser dito na presença de terceiros.”
“As quatro primeiras conferências retomam de forma sintética o tema da Psicopatologia da vida cotidiana.” “Esse corpus de símbolos tende a constituir uma espécie de reservatório de traduções permanentes a que a análise deve recorrer quando o conteúdo manifesto não suscita nenhuma associação, o que, esclarece Freud, não pode ser atribuído a um fenômeno de resistência, mas à especificidade do material. Ele reconhece que esse conjunto de símbolos não deixa de evocar <o ideal da antiga e popular interpretação dos sonhos, um ideal do qual nossa técnica nos afastou consideravelmente>. Nesse ponto e em termos ainda mais claros, renova a advertência acrescentada em 1909 ao texto de A interpretação dos sonhos: <Não se deixem, contudo, seduzir por essa facilidade. Nossa tarefa não consiste em realizar façanhas. A técnica que repousa no conhecimento dos símbolos não substitui a que repousa na associação e não pode comparar-se com ela. Apenas a complementa e lhe fornece dados utilizáveis.>Dito isso, a freqüência das analogias simbólicas no sonho permite a Freud sublinhar o caráter universalista da psicanálise, bem diferente, nesse como em outros aspectos, da psicologia e da psiquiatria.”
“as Conferências introdutórias sobre psicanálise não são apenas um manual didático, mas constituem, assim como a maioria das publicações de Freud, uma etapa no desenvolvimento de sua elaboração teórica. Isso se aplica, em particular, ao capítulo sobre a angústia, onde é retomado um certo número de observações clínicas, previamente desenvolvidas no âmbito dos históricos de casos, mas onde são igualmente introduzidas novas concepções, que anunciam as elaborações que Freud iria teorizar em Inibições, sintomas e angústia (1926).”
“Em algumas linhas, esclarece sua reticência em fornecer, nesse como noutros pontos, um <guia prático para o exercício da psicanálise>, e demonstra através de exemplos como a transmissão dessa prática passa por vias que não podem ser as do ensino abstrato.” Seria um perigo para os não-hunters aprenderem sobre o Nen.
denegação, negação, for(a)clusão (Lacan, psicose)
Etimologia: do francês forclusion ou prescrição legal (decadência de prazo no Direito).
“a denegação é um meio de todo ser humano tomar conhecimento daquilo que recalca em seu inconsciente. Através desse meio, portanto, o pensamento se liberta, por uma lógica da negatividade, das limitações que lhe são impostas pelo recalque.”
* * *
“O termo foraclusão foi introduzido pela primeira vez por Lacan, em 4 de julho de1956, na última sessão de seu seminário dedicado às psicoses e à leitura do comentário de Sigmund Freud sobre a paranóia do jurista Daniel Paul Schreber.”
“Para compreender a gênese desse conceito, há que relacioná-lo com a utilização que Hippolyte Bernheim fez, em 1895, da noção de alucinação negativa: esta designa a ausência de percepção de um objeto presente no campo do sujeito após a hipnose. Freud retomou o termo, porém não mais o empregou a partir de 1917, na medida em que, em 1914, propôs uma nova classificação das neuroses, psicoses e perversões no âmbito de sua teoria da castração. Deu então o nome de Verneinung ao mecanismo verbal pelo qual o recalcado é reconhecido de maneira negativa pelo sujeito, sem no entanto ser aceito: <Não é meu pai.> Em 1934, o termo foi traduzido em francês por négation.”
“Laforgue propunha traduzir por escotomização tanto a renegação (Verleugnung) quanto um outro mecanismo, próprio da psicose e, em especial, da esquizofrenia. Freud recusou-se a acompanhá-lo e distinguiu, de um lado, a Verleugnung, e de outro, a Verdrängung (recalque). A situação descrita por Laforgue despertava a idéia de uma anulação da percepção, ao passo que a exposta por Freud mantinha a percepção, no contexto de uma negatividade: atualização de uma percepção que consiste numa renegação.”
“Lacan inspirou-se no trabalho de Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), Phénoménologie de la perception, e sobretudo nas páginas desse livro dedicadas à alucinação como <fenômeno de desintegração do real>, componente da intencionalidade do sujeito.”
O ULTRA-ROMÂNTICO VS. O PÓS-MOD. RESSEQUIDO
Normalmente, o alucinado vê coisas a mais, que não existem. Mas e se se tratasse de um alucinado lacaniano? É aquele que não vê o que existe. É como o niilista nietzschiano: cético, não acredita em nada para-além do empírico; mas, o que é pior, sequer dá fé ao empírico e imediato. Dá valor de nada ao que efetivamente está-aí. Não dá presença ao que é imaginário, como o niilista ingênuo clássico. Devaloração de todos os valores.
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“um recalque é algo diferente de uma rejeição” F.
RECALQUE: Eu não quero lembrar como meu pai é ruim (neurose)
FORACLUSÃO: Não existe um pai que seja ruim. (psicose)
“O conceito de foraclusão assumiu, em seguida, uma extensão considerável na literatura lacaniana, a ponto de os discípulos do mestre francês acabarem vendo (senão alucinando) sua existência no corpus freudiano.” He-he.
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“A forclusão distinguir-se-ia do recalque em dois sentidos: 1) Os significantes forcluídos não são integrados no inconsciente do sujeito; 2) Não retornam <do interior>, mas no seio do real, especialmente no fenômeno alucinatório.”
“Em conclusão, podemos verificar, limitando-nos ao ponto de vista terminológico, que nem sempre o uso do termo Verwerfung abrange a idéia expressa por forclusão e que, inversamente, outras formas freudianas designam o que Lacan procura evidenciar.”
“Ulteriormente, quando Freud tender a reinterpretar a projeção como um simples momento secundário do recalque neurótico, ver-se-á obrigado a admitir que a projeção — tomada neste sentido — já não é o fator propulsor essencial da psicose: <Não era exato dizer que a sensação reprimida (ünterdrückt) no interior era projetada para o exterior; reconhecemos antes que o que foi abolido (das Aufgehobene) no interiorvolta do exterior.>”
“O ego arranca-se à representação insuportável, mas esta está indissoluvelmente ligada a um fragmento da realidade e, realizando esta ação, o ego desligou-se também total ou parcialmente da realidade.” F., 1894
INFELIZMENTE A ÚNICA VÍTIMA DE UM COMPLEXO DE CASTRAÇÃO AQUI ERA O PRÓPRIO SEGISMUNDO: “Nos diversos textos de Freud existe uma ambigüidade indubitável quanto ao que é rejeitado (verworfen) ou recusado (verleugnet) quando a criança não aceita a castração. Será a própria castração? Neste caso, seria uma verdadeira teoria interpretativa dos fatos que seria rejeitada e não uma simples percepção. Tratar-se-á da <falta de pênis> na mulher? Mas então é difícil falar de uma <percepção> que seria recusada, porque uma ausência só é um fato perceptivo na medida em que é relacionada com uma presença possível.”
“[Para Lacan,] a forclusão consiste então em não simbolizar o que deveria sê-lo (a castração): é uma <abolição simbólica>.” De acordo com a enantiodromia ou necessidade do retorno do recalcado (forcluído, neste caso) e homeostase das pulsões, o forcluído tem de re-advir no real em forma de ALUCINAÇÃO (ex: quando o Pequeno Hans vê seu dedo ser decepado).
Esse assunto é uma bosta de árido e confuso. Consultar bibliografia complementar!
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Jacques Damourette & Édouard Pichon, “Sur la signification psychologique de la négation en français” (1928), Le Bloc-notes de la Psychanalyse, 5, 1985, 111-32.
Deutsch, Helene
“Aos 14 anos, a despeito de sua inteligência e sua beleza, Helene era deprimida, marcada pela hostilidade da mãe em relação a ela e pela tentativa de estupro de que tinha sido vítima por parte do irmão. Para grande escândalo da família, tornou-se então amante de um homem casado e conhecido em toda a cidade: Herman Lieberman. Esse eminente dirigente socialista, que seria ministro do governo polonês no exílio em Londres em 1940, lhe apresentou Rosa Luxemburgo, figura histórica, de quem ela falaria ainda com entusiasmo e admiração no fim da vida, aos 85 anos.”
“encontrou Felix Deutsch, jovem médico atraído pelas idéias freudianas, com quem se casou no ano seguinte.”
“Seduzido pela inteligência e pelos conhecimentos da jovem, Freud quis fazer dela sua principal discípula e acelerou o curso das coisas.”
“seu livro mais importante, Psicologia da mulher, que seria, em 1949, a referência psicanalítica maior de Simone de Beauvoir (1908-1986) em O segundo sexo.”
“As longas décadas que se seguiram — ela viveu até os 98 anos — foram ritmadas pelas tensões e conflitos de uma vida conjugal insatisfatória e pela nostalgia da paixão amorosa que marcou sua juventude. Sem dúvida, era essa uma das razões de seu apego à Polônia natal. Manifestava esse sentimento por um forte sotaque, o que fazia com que seus amigos dissessem que <ela falava cinco línguas, todas em polonês>. A grande dama [selvagem] de um freudismo sem concessões, criticando tão severamente a Ego Psychology quanto a standardização, à moda americana, da análise didática, desprovida segundo ela daquele espírito militante ao qual aderira apaixonadamente durante a sua juventude, foi então reconhecida e celebrada no continente americano.”
diferença sexual (A QUESTÃO FREUDO-FEMINISTA)
Razão da cisão kleiniana, que reconhece uma libido masculina e outra feminina.
“Quando Simone de Beauvoir (1908-1986) publicou O segundo sexo, em junho de 1949, anunciou desde logo que a reivindicação feminista já estava ultrapassada. Para abordar esse tema a sério, após uma guerra que, na França, permitira às mulheres obterem o direito de voto, era preciso, doravante, tomar uma certa distância. Beauvoir não sabia que seu livro estaria na origem, após um longo desvio pelo continente norte-americano, de uma transformação simultânea dos ideais do feminismo e dos do freudismo.” “Beauvoir estudou a sexualidade à maneira de um historiador e tomou o partido da escola inglesa [kleinismo].” “A seu ver, a questão feminina não era assunto das mulheres, mas da sociedade dos homens, a única responsável, em sua opinião, pela submissão a ideais masculinos.”
O FALO HERMAFRODITA OU BINOMIAL DE LACAN: “o falo é assimilado a um significante puro da potência vital, dividindo igualmente os dois sexos e exercendo, portanto, uma função simbólica. Se o falo não é um órgão de ninguém, nenhuma libido masculina domina a condição feminina.”
“Na França, essa leitura lacaniana do falocentrismo abriu caminho, entre 1968 e 1974, para teses diferencialistas encontradas sob a pena de autores — em geral mulheres e psicanalistas — preocupados em definir as características de uma identidade feminina liberta de qualquer substrato biológico ou anatômico. Assistiu-se então, em seguida à reformulação lacaniana, ao surgimento de um feminismo psicanalítico francês que, embora apoiando-se no livro fundador de Simone de Beauvoir, procurou ora contestá-lo radicalmente, ora corrigir seu aspecto naturalista e existencialista através de uma nova referência a Freud.” “Daí esse feminismo radical que renunciou, ao mesmo tempo, ao universalismo iluminista e à concepção freudiana da sexualidade.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Luce Irigaray, Speculum de l’autre femme, 1974;
Juliet Mitchell, Psychanalyse et féminisme, 1974;
Michèle Montrelay, L’Ombre et le nom, Paris, Minuit, 1977.
Dolto, Françoise
“Em 1949, Françoise Dolto expôs à Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP) o caso de duas meninas psicóticas, Bernadette e Nicole. A primeira gritava, sem conseguir fazer-se ouvir. Humanizava os vegetais e coisificava os seres humanos. A segunda permanecia muda, embora não fosse surda. Dolto teve a idéia de pedir à mãe de Bernadette que fabricasse um objeto que teria, para a criança, o papel de um bode expiatório. Deu-lhe o nome de <boneca-flor>: uma haste coberta de tecido verde no lugar do corpo e dos membros, uma margarida artificial para representar o rosto. Bernadette projetou no objeto as suas pulsões mortíferas e começou a falar, enquanto Nicole saía de seu mutismo. Com essa <boneca-flor>, Dolto integrava à sua prática a técnica dos jogos e, embora não tivesse conhecimento, na época, dos trabalhos de Melanie Klein, referia-se implicitamente a uma clínica das relações de objeto, desprovida, entretanto, da temática kleiniana do ódio, da inveja e de qualquer forma de perseguição ligada à idéia de objeto mau. Dessa <boneca-flor>, sairia a representação particular que Dolto faria da imagem do corpo, mais próxima da concepção lacaniana do estágio do espelho do que da definição de Paul Schilder.”
“Em janeiro de 1979, Françoise Dolto criou em Paris a primeira Casa Verde, para acolher crianças até a idade de 3 anos, acompanhadas dos pais. <Segundo Dolto, tratava-se de evitar os traumas que marcam a entrada na pré-escola e de manter a segurança que a criança adquiriu no nascimento.>, declarou Jean-François de Sauverzac. Essa experiência teve sucesso e muitas casas verdes foram abertas no Canadá, na Rússia, na Bélgica, etc.”
“Tornou-se a figura mais popular da França freudiana, mas foi criticada pelos meios psicanalíticos, que a acusavam de pôr o divã na rua.<Cientista, ela se comportava à maneira dos jornalistas, escreveu Madeleine Chapsal, dizendo o que tinha a dizer a cada dia, com urgência e com desprezo pelo escândalo, pelo choque que poderia causar. Evidentemente, sofreu o contragolpe de sua deliberada imprudência. Foi atacada, afastada, desprezada. Nada disso a deteve.>”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Françoise Dolto, Psicanálise e pediatria (Paris, 1939), Rio de Janeiro, Zahar, 1980; O caso Dominique (Paris, 1971), Rio de Janeiro, Zahar, 1981; Seminário de psicanálise de crianças (Paris, 1982, 1988), Rio de Janeiro, Zahar, 1985.
Doolittle, Hilda, dita H.D. (1886-1961)
“Publicou várias antologias importantes e um romance autobiográfico, que relata os conflitos da bissexualidade em uma mulher apaixonada por um homem e por outra mulher. Analisada por Sigmund Freud em 1933-1934, publicou em 1956 um depoimento sobre o seu tratamento, composto de duas partes: O advento, conjunto de notas tomadas diariamente durante a análise e Escrito na parede. Reminiscências de uma análise com Freud, relato redigido 10 anos depois.”
duplo vínculo, double bind
Dilema do esquizofrênico, referente à incapacidade de decodificação da mensagem exterior.
egooueu
“é corrente em psicanálise admitir que a noção de ego só se teria revestido de um sentido estritamente psicanalítico, técnico, após aquilo a que se chamou a virada de 1920. Esta mudança profunda da teoria, aliás, pode ter correspondido, na prática, a uma nova orientação, voltada para a análise do ego e dos seus mecanismos de defesa, mais do que para a elucidação dos conteúdos inconscientes. É claro que ninguém ignora que Freud falava de ego (Ich) desde os seus primeiros escritos, mas afirma-se que isso acontecia, geralmente, de forma pouco especificada, pois o termo designava então a personalidade no seu conjunto. Considera-se que as concepções mais específicas que atribuem ao ego funções bem determinadas no seio do aparelho psíquico (no Projeto para uma psicologia científica [Entwurt einer Psychologie, 1895], por exemplo) são prefigurações isoladas das noções da segunda tópica.”
“o ego do amor-próprio segundo La Rochefoucauld”
“Freud não só encontra e utiliza acepções clássicas, opondo, por exemplo, o organismo ao meio, o sujeito ao objeto, o interior ao exterior, como emprega o próprio termo Ich nestes diferentes níveis, chegando até a jogar com a ambigüidade da utilização desta palavra; isso mostra que não exclui do seu campo qualquer das significações atribuídas aos termos ego (moi) ou eu (je).”
“O ego só põe em funcionamento o processo primário quando não está em condições de fazer funcionar as suas defesas normais (atenção e evitação, por exemplo). No caso da lembrança de um traumatismo sexual (ver: a posteriori) o ego é surpreendido por um ataque interno e só pode <deixar agir um processo primário>. A situação da <defesa patológica> em relação à palavra [associação de complexos] não é pois determinada de maneira unívoca; em certo sentido, o ego é na verdade o agente da defesa, mas, na medida em que só pode se defender separando-se daquilo que o ameaça, abandona a representação inconciliável a um tipo de processo sobre o qual não tem domínio [primário].” Deixa os resquícios para os sonhos encobertos – mas isso só enquanto o trauma não adquire o status de ferida aberta (mórbido). Do contrário, a vida do sujeito em seus processos secundários estará avariada.
“para que a alucinação seja evitada e para que a descarga não se produza quer na ausência quer na presença do objeto real, é necessário que seja inibido o processo primário que consiste numa livre propagação da excitação até a imagem.” HOMEOSTASE: “É a permanência nele de um nível de investimento que permite ao ego inibir os processos primários, não só aqueles que levam à alucinação, mas também os que seriam suscetíveis de provocar desprazer (= defesa primária).”
Processos psíquicos primários X Processos psíquicos secundários
Medidas drásticas e daninhas (representações alucinatórias, angústia, pânico) ou que no mínimo se exaurem rapidamente X Amadurecimento do Consciente por interferência paulatina do Supereu (pulsões refreadas, noção de dosagem da energia responsiva)
Ex: sonho X introjeção moral
“Esta ambigüidade constitutiva do ego reaparece na dificuldade em dar um sentido unívoco à noção de interior, de excitação interna.” Só sei que não sei nem o eu.
O mais engraçado é que, se Freud estivesse correto, a vontade que o eu moral tem de dormir (esgotamento energético) para repor o equilíbrio das representações,ciclicamente perturbado, significaria que a instância auto-cultivada de nosso Ser é impotente e escrava justamente dos instintos mais selvagens (os processos primários salvam os secundários, os secundários em nada são uma evolução ou aperfeiçoamento daqueles). Precisa o Ser esgotar-se a todo momento a fim de estar novamente compensado (energizado) e não sucumbir. Ou seja, a homeostase do sistema (acima) é a liberação dos processos primários, não sua inibição. A leitura de ponta-cabeça do cânone freudiano faria infinitamente mais sentido. Ler Schopenhauer e entendê-lo corretamente (às avessas do que entendeu F.) faria infinitamente mais sentido e nos faria economizar tempo do nosso intelectual, ajudando-nos a compreender melhor nós mesmos e nossa Vontade…
1ª TÓPICA, 2ª TÓPICA, 3ª TÓPICA, TÓPICA ANNAFREUDIANA & “TÓPICA INGLESA” OU HETERODOXA (só para citar as MAIS TRADICIONAIS), uma salada irreconciliável: “É claro que não se pensaria em contrapor a esta orientação da Ego psychology uma exposição do que seria a <verdadeira> teoria freudiana do ego: antes nos impressiona a dificuldade em situar numa única linha de pensamento o conjunto das contribuições psicanalíticas para a noção de ego.” “Mas, se a única energia de que dispõe o aparelho psíquico é a energia interna proveniente das pulsões, aquela de que o ego poderia dispor não pode deixar de ser secundária, derivada do id. Esta solução, que é a mais geralmente admitida por Freud, não podia deixar de conduzir à hipótese de uma <dessexualização> da libido, hipótese da qual se pode pensar que apenas localiza numa noção, por sua vez também problemática, uma dificuldade da doutrina.” “A idéia de uma gênese do ego é cheia de ambigüidades, que aliás foram mantidas por Freud ao longo de toda a sua obra e que só se agravaram com o modelo proposto em Além do princípio do prazer”
ego ideal ou eu ideal
Derivado do estágio narcísico, representa o supra-sumo da concepção de um eu perfeito. Sensação de onipotência. Psicose.
“O ego ideal é ainda revelado por admirações apaixonadas por grandes personagens da história ou da vida contemporânea, caracterizados pela independência, orgulho, autoridade. Quando o tratamento progride, o ego ideal se delineia, emerge como uma formação irredutível ao supereu.” Lagache, La psychanalyse et la structure de la personnalité
ego, ideal do ou superego
Instância da moral.
Ego Psychology (Psicologia do eu)
“foi a Ego Psychology que serviu de grande referência doutrinal, na segunda metade do século, para análises intermináveis e cronometradas, imobilizadas no silêncio, reservadas à burguesia urbana rica e praticadas por médicos preocupados com o prestígio social e a rentabilidade financeira. Essa técnica psicanalítica, aliás, seria violentamente criticada, no interior da própria IPA.”
PAÍS DE RETARDADOS: “As diferentes correntes desse freudismo norte-americano, quaisquer que sejam suas (numerosas) variações são quase sempre perpassadas por uma religião da felicidade e da saúde, contrária tanto à concepção vienense do mal-estar da Kultur quanto ao recentramento kleiniano do sujeito numa pura realidade psíquica, ou à visão lacaniana do freudismo como uma peste subversiva. Aliás, é em razão dessa contradição radical entre as interpretações européias e norte-americanas da psicanálise que o kleinismo, o lacanismo e o freudismo <original> (vienense e alemão) não puderam implantar-se como tais nos Estados Unidos. Quanto aos partidários da <esquerda freudiana> (em torno de Otto Fenichel), foram obrigados a renunciar a suas atividades porque elas eram julgadas <subversivas> no solo norte-americano. Depois de sofrerem os ataques do macarthismo, eles tiveram de se medicalizar, recalcar seu passado europeu e se transformar em técnicos da adaptação. Daí a ortodoxia burocrática que acabaria por desacreditar a imagem do psicanalista e deixar o campo livre à supremacia dos laboratórios farmacêuticos, fornecedores de <pílulas da felicidade>, ou às diversas terapias da New Age — tratamentos xamanísticos e experiências de espiritismo, vidência ou telepatia.”
“Hartmann introduziu uma distinção entre o eu (ego), como instância psíquica, e o si mesmo (self), tomado no sentido da personalidade ou da própria pessoa. Esse termo seria retomado por Winnicott, que lhe acrescentaria uma referência fenomenológica, e por Kohut, que o transformaria numa instância específica, a única apta a explicar os distúrbios narcísicos.” “o terapeuta do ego deve ocupar o lugar do eu <forte> com o qual o paciente quer se parecer a fim de conquistar a autonomia do eu.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Heinz Hartmann, La Psychologie du moi et le problème de l’adaptation
Eitingon
Lixo humano! Ver verbete ESCANDINÁVIA.
Ellenberger, Henri F. (1905-1993)
“Em meados do século, tinha adquirido um grande conhecimento da história da psiquiatria e da psicanálise na Europa. Falava e escrevia muito bem em francês, alemão e inglês, e interessava-se pela evolução de todas as formas de tratamento psíquico. Só lhe faltava iniciar-se na história da emigração freudiana de leste para oeste.”
“Depois de trabalhar durante 20 anos com arquivos, redigiu em inglês sua obra fundamental: The Discovery of the Unconscious. The History and Evolution of Dynamic Psychiatry, que foi publicada nos Estados Unidos em 1970, o que lhe valeu o reconhecimento da maior parte dos países do mundo, à exceção da França, onde, quando de sua primeira tradução em 1974, interessou apenas aos meios psiquiátricos. Ellenberger fazia uma revolução que lembrava a dos Annales. Opondo-se sobretudo à história oficial segundo Ernest Jones e seus herdeiros, seu método associava o tratamento positivo das fontes, à maneira de Alphonse Aulard, à sondagem imaginária, tal como a concebia Lucien Febvre.
Segundo ele, existia uma dicotomia entre a história da teorização da noção de inconsciente e a da sua utilização terapêutica. A primeira começara com as intuições dos filósofos da Antiguidade, depois prosseguira com as dos grandes místicos. No século XIX, a noção de inconsciente se consolidou com Arthur Schopenhauer (1788-1860), Friedrich Nietzsche e os trabalhos da psicologia experimental: Johann Friedrich Herbart, Hermann Helmholtz, Gustav Fechner. Quanto à segunda história, esta remontava à arte do feiticeiro e do xamã, e passava pela confissão cristã. Dois métodos terapêuticos foram praticados. Um consistia em provocar no doente a emergência de forças inconscientes, sob forma de <crises>: possessões ou sonhos. O outro gerava o mesmo processo no médico. Do tratamento centrado no paciente derivava a neurose de transferência no sentido freudiano; do tratamento centrado no médico derivava a análise didática. Efetivamente, esta herdava a <doença iniciática> que conferia ao xamã o seu poder de cura, e a <neurose criadora> tal como a tinham vivido no fim do século XIX os pioneiros da descoberta do inconsciente: Pierre Janet, Freud, Jung, Adler.
Nessa perspectiva, a primeira grande tentativa de integrar a investigação do inconsciente à sua utilização terapêutica começava com as experiências de Franz Anton Mesmer, iniciador da primeira psiquiatria dinâmica.”
“e foi então que nasceu, sobre as ruínas de um magnetismo que se tornara hipnotismo, a segunda psiquiatria dinâmica, dividida em quatro grandes correntes: a análise psicológica de Pierre Janet, centrada na exploração do subconsciente, a psicanálise de Freud, fundada na teoria do inconsciente, a psicologia individual de Adler, a psicologia analítica de Jung. Ellenberger observou que o paradoxo dessa segunda psiquiatria dinâmica, cuja história se detinha em 1940, era que, ao cindir-se em escolas opostas, ela rompia o pacto fundador que a ligava ao ideal de uma ciência universal nascida do Iluminismo, para voltar ao antigo modelo das seitas greco-romanas.”
Ellis, Henry Havelock (1859-1939)
“Homossexual revoltado contra os códigos morais da Inglaterra vitoriana, decidiu, aos 16 anos, dedicar a vida à análise da sexualidade humana sob todas as suas formas. Foi com essa intenção que estudou medicina: <Queria poupar à juventude das gerações futuras as preocupações e perplexidades que a ignorância do sexo me infligiu.> De 1884 a 1889, tornou-se amigo íntimo de uma romancista feminista, Olive Schreiner, que conhecera através da filha de Karl Marx (1818-1883). [!] Depois do casamento de Olive, desposou Edith Lees, uma intelectual que mergulhou progressivamente na loucura.”
“Em 1890, começou a redação de sua grande obra: Estudos de psicologia sexual. Publicado em Londres um ano depois do processo de Oscar Wilde (1856-1900), o primeiro volume era consagrado à inversão sexual. O livro causou escândalo, e o livreiro que vendeu a obra foi processado na justiça. Posteriormente, Ellis seria obrigado a publicar os outros volumes nos Estados Unidos:<A envergadura da documentação de Ellis nesses Estudos, escreveu Frank Sulloway, era realmente impressionante. Ele estava completamente a par de toda a literatura médica do seu tempo e citava mais de dois mil autores, pertencentes a 12 áreas lingüísticas diferentes. Cada volume era uma suma enciclopédica do saber contemporâneo sobre cada uma das questões tratadas.>”
Esboço de Psicanálise
“Iniciado em 22 de julho de 1938, esse último livro de Freud permaneceu inacabado e comporta apenas 3 partes. Fazia muito tempo que Freud tinha o projeto de escrever um opúsculo destinado a apresentar ao grande público uma síntese de sua doutrina. Iniciou esse trabalho em Viena, às vésperas de seu exílio, queixando-se de ter que escrever coisas que já tinha dito e às quais nada tinha a acrescentar. No entanto, redigiu o texto em ritmo animado e ao sabor da pena, apelando para abreviaturas. De fato, o livro é certamente bem melhor do que o julgava Freud. Trata-se de uma excelente síntese dos eixos fundamentais do pensamento freudiano no tocante ao aparelho psíquico, à teoria das pulsões, à sexualidade, ao inconsciente, à interpretação dos sonhos e à técnica psicanalítica. Em algumas passagens, Freud se interroga sobre novas direções de investigação, em especial a propósito do eu, e prenuncia, acima de tudo, a descoberta de substâncias químicas capazes de agir diretamente sobre o psiquismo e tornar obsoleto o método psicanalítico, do qual, no entanto, assume vigorosamente a defesa:<Por ora, no entanto, dispomos apenas da técnica psicanalítica, e é por isso que, a despeito de todas as suas limitações, convém não desprezá-la.>”
Escandinávia
PRÓLOGO: UM POUCO DE LINGÜÍSTICA E GEOGRAFIA
“Sob essa designação genérica estão agrupados 5 países da Europa: Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia e Islândia. No plano político, existem apenas 3 Estados ditos escandinavos: Suécia, Noruega e Dinamarca. Geograficamente, chama-se Escandinávia a parte norte da Europa que reúne a Suécia, a Noruega, a Dinamarca e a Finlândia, ou seja, 4 países no total, e dá-se o nome de Península Escandinava ao conjunto constituído pela Suécia e pela Noruega. São 4 as línguas escandinavas ligadas ao grupo das línguas germânicas: dinamarquês, sueco, norueguês e islandês, enquanto o finlandês pertence à família das línguas ditas fino-úgricas.”
“Foi na Suécia que o freudismo obteve mais sucesso, ao passo que, por razões políticas, ligadas ao forte desenvolvimento dos partidos trabalhistas, a Dinamarca e a Noruega foram principalmente receptivas às teses de Wilhelm Reich, ou seja, ao materialismo biológico e à síntese entre o freudismo e o marxismo.”
“Obcecados pelo exílio, preocupados com a loucura ou com a estranheza do homem em relação a si mesmo, todos procuravam captar em suas obras a angústia existencial de uma época dominada pelo ceticismo, pelo irracionalismo e pela recusa da idéia de progresso linear. Foi nesse terreno crítico, e em um contexto em que o puritanismo luterano era ao mesmo tempo religião do Estado e uma atitude mental e espiritual, que surgiram as primeiras interrogações sobre a doutrina freudiana.”
A CONTIGO DA PSICANÁLISE:
A EXECRAÇÃO REACIONÁRIA DO LEGADO REICHIANO
“Na Dinamarca, ao invés de adotar uma posição flexível, os dirigentes da IPA, especialmente Max Eitingon e Anna Freud, apoiados por Ernest Jones e Freud, não autorizaram Reich a praticar análises didáticas, ao passo que ele era membro da International através de sua filiação à Deutsche Psychoanalytische Gesellschaft (DPG). Ora, apesar de suas divergências técnicas e políticas com os freudianos ortodoxos, ele era na época o único psicanalista capaz de formar clínicos em Copenhague, como mostra uma carta dirigida a Freud, em 10 de novembro de 1933, por Erik Carstens, publicada em 1967 em Reich fala de Freud[Carl Lesche].
Evocando o papel desastroso desempenhado por Naesgaard, que recusava o princípio da formação didática, Carstens enfatizava que a atividade de Reich fôra positiva nessa área. E, principalmente, queixava-se de que o comitê de formação da DPG, sob a responsabilidade de Eitingon, concedera a Jenö Harnik, psicanalista húngaro exilado, e não a Reich, o estatuto de didata. Todos sabiam que Harnik sofria de paranóia com crises de delírio: de qualquer forma, muito mais patológico que Reich e, sobretudo, sem a menor competência psicanalítica. Em 1912, Sandor Ferenczi tentara tratá-lo de impotência sexual, dissuadindo-o de se tornar psicanalista. Posteriormente, quando Harnik quis aderir à Wiener Psychoanalytische Vereinigung, Ferenczi, a pedido de Freud e com sua inteira aprovação, apresentou um motivo de oposição categórica: <Ciumento, psiquicamente impotente, patologicamente vaidoso, inepto. Deveria tomar outro caminho.> Apesar dessa opinião desfavorável, Harnik conseguiu integrar-se ao Berliner Psychoanalytisches Institut (BPI) e ser enviado por Eitingon, como didata, para desenvolver a psicanálise na Dinamarca.”
“Considerei como virtualmente estabelecido o fato de que os teólogos eram enviados para Oskar Pfister, os filósofos morais para Carl Müller-Braunschweig e os socialistas recuperados para Siegfried Bernfeld.” Reich
“Acusado de ser ele próprio simultaneamente paranóico, bolchevista e antifreudiano, Reich foi instado por Anna Freud [outra cobrinha criada], em julho de 1934, a aceitar que seu nome fosse riscado da lista dos membros da DPG: <O problema todo tem apenas um valor teórico, acrescentou ela, já que o reconhecimento pelo congresso do grupo escandinavo acarretaria automaticamente a inserção de seu nome na lista dos membros desse novo grupo.> A manobra era simples: Eitingon conseguira secretamente que Reich fosse expulso da DPG, e conseqüentemente da IPA. Para evitar qualquer reintegração no grupo escandinavo, ele fizera com que a filiação da Sociedade Dano-Norueguesa à IPA, que devia ocorrer em Lucerna em agosto de 1934, dependesse de uma promessa de não-integração de Reich. Mas os noruegueses se recusaram a submeter-se a essa imposição, e essa determinação impressionou o comitê executivo da IPA, que foi obrigado a admitir a entrada dos noruegueses sem impor qualquer condição. Assim, Reich foi riscado da IPA em Lucerna, através da sua exclusão da DPG. Dois meses depois, instalou-se em Oslo [fialiado apenas à Sociedade Dano-Norueguesa, mesmo que esta fosse reconhecida pela IPA!]. Em 1935, Eitingon negou qualquer participação nesse episódio, que entretanto ele havia habilmente arquitetado.”
“Com essa política, a direção da IPA contribuiu para desvalorizar a imagem do freudismo no seio da comunidade psicanalítica escandinava, já atravessada por fenômenos de dissidência e ainda muito frágil para se submeter aos padrões impostos nessa época pela ortodoxia freudiana. Em 1937-1938, Reich foi vítima de uma obstinada campanha de imprensa na Noruega. Depois de ser tratado muitas vezes de <charlatão> e de <pornógrafo judeu>, emigrou para os Estados Unidos, deixando por sua vez uma marca desastrosa na comunidade psicanalítica nórdica.Efetivamente, não sendo mais membro da IPA, não foi defendido contra os ataques (exceto por Schjelderup) e evoluiu rapidamente para um biologismo exacerbado, para o qual arrastou Ola Raknes. Seus conflitos com Fenichel, exilado em Oslo entre 1933 e 1935, também contribuíram para a deterioração da situação do freudismo na Noruega.Quatro anos depois, em plena guerra, a Sociedade Dano-Norueguesa de Psicanálise foi banida da IPA. Ernest Jones [outro picareta desonesto], novo presidente da Associação, estava fazendo com que Schjelderup, Raknes, Nic Waal (née Hoel, 1905-1960) <pagassem> por sua desobediência à imposição de 1934. Assim, sem dizer claramente, acusou-se o grupo de ter sido demasiado sensível às teses reichianas. Estas, aliás, continuaram a ganhar terreno, graças a Raknes e a Nic Waal. Essa psicanalista norueguesa, analisada primeiramente por Schjelderup, e depois por Fenichel e Reich, passara pela clínica de Karl Menninger em Topeka, no Kansas, antes de fundar em Oslo, em 1953, uma instituição para crianças.” “só em 1957 reconstituiu-se oficialmente um grupo psicanalítico dinamarquês, filiado à IPA, a Dansk Psykoanalytisk Selskab (DPS). Aliás, só em 1975 foi criada uma nova sociedade norueguesa, a Norsk Psykoanalitisk Forening (NPF). Nessa data, os pioneiros e imigrantes haviam desaparecido, e os dois grupos, compostos de terapeutas anônimos, se regularizaram sem obstáculos, às custas de uma progressiva esclerose.”
AS DURAS MARCAS DO NAZISMO
“Em 1943, com a morte de Kulovesi, a Sociedade Fino-Sueca foi dissolvida, sendo substituída por uma associação exclusivamente sueca, a Svenska Psykoanalytiska Föreningen (SPF), que durante muitos anos contou apenas com 8 membros.”
“Durante a Segunda Guerra Mundial, apenas a Suécia [dentre os escandinavos da Psicanálise, lembrando que a Islândia não possuía Psicanálise], declarou sua neutralidade. Mas nem por isso serviu de refúgio para os vários freudianos da Europa, que preferiram emigrar para a Grã-Bretanha, para os Estados Unidos ou para a América Latina. Enquanto o corajoso Harald Schjelderup decidiu engajar-se na luta antinazista, depois de recusar a proposta de Matthias Heinrich Göring [o epítome da psicanálise nazi, ver ALEMANHA] para criar em Oslo um instituto <arianizado> a partir do modelo do instituto de Berlim, Poul Bjerre [judeu] adotou, ao contrário, uma atitude ambígua, mantendo com Göring, desde 1933, excelentes relações em nome de um diferencialismo que assimilava o freudismo a um semitismo tão fanático quanto o hitlerismo. Por sua vez, o psicanalista Tore Ekman (1887-1971), formado no BPI, ficou na Alemanha até 1943 e trabalhou no Instituto Göring. Ao voltar à Suécia, foi acusado pelos colegas de colaboração com o nazismo. Posteriormente, conseguiu abafar o caso e reintegrar-se à SPF, mascarando o seu passado.”
“nenhum dos grandes componentes do freudismo moderno (kleinismo, lacanismo, Ego Psychology, etc.) implantou-se verdadeiramente nos países nórdicos nem nessa <noite sueca>, em que Foucault foi duramente criticado pelo professor Sten Lindroth (1914-1980), depois de encontrar, em 1959, na BibliotecaCarolina Rediviva todos os arquivos necessários à redação de seu grande livro História da loucura na idade clássica.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Bror Gadelius, Tro och helbrägdagörelse jämte en kritisk studie av psykoanalysen [Crença e cura pela fé com um estudo crítico sobre a psicanálise], Estocolmo, Hugo Gebers Förlag, 1934; [!]
Nigel Moore, “Psychoanalysis in Scandinavia”, 1ª parte: “Sweden and Finland”, The Scandinavian Psychoanalytic Review, 1, 1978, 9-64;
Reimer Jensen & Henning Paikin, “On psychoanalysis in Denmark”, ibid., 2, vol. 3, 1980, 103-16;
Randolf Alnaes, “The development of psychoanalysis in Norway. An historical overview”, ibid., 2, vol. 3, 1980, 55-101.
Espanha
“Enquanto na França essa primeira fase de introdução desembocou em 1926 na criação da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), na Espanha não houve nada disso. Na verdade, longe de se orientar para a prática da psicanálise, criando um grupo freudiano, os pioneiros espanhóis incorporaram os dados do freudismo ao saber psiquiátrico, deixando lugar não para a constituição de uma corrente crítica ou de uma escola ligada à ortodoxia, como ocorreu por toda a parte, mas apenas para um movimento antifreudiano, amplamente orquestrado pela Igreja católica.”
“Do lado literário, Ortega y Gasset não deixou herança. Quando voltou à Espanha depois de ter emigrado, já não se interessava mais pela psicanálise: <Não se pode citar nenhum romancista espanhol da segunda metade do século, escreveu Christian Delacampagne, para quem a psicanálise tenha constituído fonte de inspiração ou de criação. Quanto aos raros artistas para os quais ela parece ter tido esse papel — o cineasta Buñuel, os pintores Dalí ou Clavé —, estes pertencem a uma geração já antiga, a geração surrealista, que, além disso, realizou grande parte de sua obra fora da Espanha.>Compreende-se então por que, já em 1936, Lopez Ibor, representante de uma concepção repressora e reacionária da psiquiatria, conseguiu ocupar tal lugar, publicando um livro de anátemas contra Freud, Vida e morte da psicanálise, que escamoteava todos os trabalhos dos pioneiros espanhóis. Depois da Segunda Guerra Mundial, a psicanálise foi banida da Espanha durante 30 anos, enquanto o saber psiquiátrico, violentamente antifreudiano, tomava uma orientação ultraorganicista, e até policial, generalizando a utilização da lobotomia, do eletrochoque e da insulinoterapia.Através das campanhas feitas pela Opus Dei, a psicanálise foi então denunciada como um <complô judeu-maçônico> e Freud tratado de <gênio satânico>. (…) Em 1951, Lopez reeditou seu livro sob um novo título (Agonia da psicanálise) e, em 1975, renovou o seu anátema com outra obra: Freud e seus deuses ocultos.” “Como o regime franquista não tinha nem eliminado a liberdade de associação, nem impedido os intercâmbios culturais, nem proibido a prática das diversas psicoterapias, foi possível fundar uma associação psicanalítica reunindo os círculos de Madri e de Barcelona.”
“Depois da morte de Lacan e da reorganização empreendida por Jacques-Alain Miller, a maioria dos grupos se fundiu com a criação em Barcelona, em setembro de 1990, da Escola Européia de Psicanálise (EEP), que logo se transformaria, no interior da Association Mondiale de Psychanalyse (AMP), em um pólo avançado da corrente milleriana na Europa. No fim do século, a Espanha se tornou assim o único país em que essa tendência é amplamente majoritária, ao contrário da Argentina e da França”
espiritismo
“Na historiografia da psicanálise, o espiritismo e a telepatia (ou transmissão do pensamento à distância) são considerados pertinentes ao campo do ocultismo ou do oculto. O espiritismo diz respeito à história da parapsicologia, assim como o ocultismo, a telepatia ou o sonambulismo. Contudo, é tênue a fronteira entre o estudo positivista do psiquismo e a tentação faustiana de conquistar o domínio do irracional.” “fascinou André Breton (1898-1966) e os surrealistas, assim como havia fascinado Victor Hugo (1802-1885).”
“Historicamente, o espiritismo, em sua forma moderna, nasceu por volta de 1840, sobre as ruínas do magnetismo mesmeriano, e permitiu que o hipnotismo se disseminasse numa nova doutrina do conhecimento do inconsciente, do qual emergiria a psicanálise, no alvorecer do século XX.”
esquizofrenia
“Em 1832, Honoré de Balzac (1799-1850) descreveu pela primeira vez, em Louis Lambert, a quintessência do que viria a se transformar no sintoma esquizofrênico: <Louis ficava de pé como eu o estava vendo, dia e noite, de olhos vidrados, sem jamais baixar e erguer as pálpebras como costumamos fazer […]. Tentei falar-lhe em várias ocasiões, mas ele não me ouvia. Era uma carcaça arrancada do túmulo, uma espécie de conquista feita à morte pela vida, ou feita à vida pela morte. Fazia cerca de uma hora que eu estava ali, mergulhado num devaneio indefinível, às voltas com mil idéias aflitivas. Escutava a Srta. de Villenoix, que me contava com todos os detalhes aquela vida de criancinha de berço. De repente, Louis parou de esfregar suas pernas uma na outra e disse em voz lenta: — Os anjos são brancos.>”
“Ao contrário da melancolia, da mania, da histeria e da paranóia (já conhecidas antes de serem denominadas), a demência precoce era uma nova doença da alma, que atingia com a impotência e a hebetude jovens da sociedade burguesa, revoltados contra sua época ou seu meio, mas incapazes de traduzir suas aspirações de outro modo que não por um verdadeiro naufrágio da razão. A psiquiatria nascente procurou classificar esse estado e denominá-lo em função das outras entidades já identificadas. Por isso é que o termo deu margem a numerosas discussões. Tratava-se realmente de uma doença nova, ou seria uma afecção antiga, que estava sendo batizada com outro nome? Durante todo o fim do século XIX e até a definição bleuleriana, as opiniões ficaram ainda mais divididas, na medida em que era perfeitamente possível incluir na histeria, por um lado, e na melancolia, por outro, numerosos sintomas atribuídos à demência precoce.”
“Bleuler inventou, ao mesmo tempo, a noção de Spaltung (clivagem, dissociação, discordância)” “essa nova demência já não era uma demência e já não era precoce, mas englobava todos os distúrbios ligados à dissociação primária da personalidade e conducentes a diversos sintomas, como o ensimesmamento, a fuga de idéias, a inadaptação radical ao mundo externo, a incoerência, as idéias bizarras, e os delírios sem depressão, nem mania, nem distúrbios do humor, etc.”
“Dado que tudo o que se opõe ao afeto sofre uma repressão acima do normal, e que o que tem o mesmo sentido do afeto é favorecido de forma igualmente anormal, acaba resultando que o sujeito não pode mais de modo algum pensar aquilo que contradiz uma idéia marcada pelo afeto: o esquizofrênico, na sua pretensão, sonha apenas os seus desejos; o que poderia impedir a sua realização não existe para ele. Assim, complexos de idéias, cuja ligação consiste mais em um afeto comum do que em uma relação lógica, são não apenas formados, como ainda reforçados. Não sendo utilizados, os caminhos associativos que levam de determinado complexo a outras idéias perdem, no que diz respeito às associações adequadas, a sua viabilidade; o complexo ideativo marcado de afeto separa-se cada vez mais e consegue uma independência cada vez maior (Spaltung das funções psíquicas).”
“As ressonâncias semânticas do termo francês dissociation (dissociação), pelo qual se traduz a Spaltung esquizofrênica, evocam sobretudo o que Bleuler descreve como Zerspaltung.”
“a segunda psiquiatria dinâmica seria dominada, até cerca de 1980, pelo sistema de pensamento freudo-bleuleriano. Toda uma terminologia seria cunhada, sobretudo pela escola francesa (Henri Claude e René Laforgue) e, mais tarde, por Ernst Kretschmer, para exprimir diversas modalidades dessa <esquize>: desde a esquizomania, onde o autismo se faz presente sem a dissociação, até a esquizoidia, caracterizada por um estado patológico sem psicose, passando pela esquizotimia, a tendência <morfológica> à interiorização.”
“Foi na perspectiva de uma abordagem geral das psicoses, herdada do ensino de Karl Abraham e Sandor Ferenczi, que Melanie Klein elaborou sua concepção da posição depressiva e da posição esquizo-paranóide, para mostrar que elas eram o destino comum de qualquer sujeito e que a <normalidade> era apenas uma maneira de cada um superar um estado psicótico original.”
“Para Binswanger, que apresentou a história de 5 grandes casos clínicos, dentre eles os de Ellen West e Suzan Urban, a causalidade primária da esquizofrenia era o ingresso numa vida inautêntica, conducente à <perda do eu na existência>, a uma grave alteração da temporalidade e ao autismo, isto é, a um <projeto de não ser quem se é> [aloisismo].”
“A partir de 1922 e buscando inspiração em biografias clássicas de figuras patológicas, Karl Jaspers (1883-1969) empenhou-se em estudar 4 destinos de criadores retroativamente considerados esquizofrênicos: Friedrich Hölderlin (1770-1843), Emmanuel Swedenborg (1688-1772), Vincent Van Gogh (1853-1890) e August Strindberg (1849-1912).”
“Existe uma vida do espírito da qual a esquizofrenia se apodera para nela fazer suas experiências, criar suas fantasias e implantá-las; a posteriori, talvez possamos crer que essa vida espiritual basta para explicá-las, mas, sem a loucura, elas não poderiam manifestar-se da mesma maneira.” Jaspers
“Desde a década de 1920, a esquizofrenia, como aliás a histeria, escapou, portanto, à definição bleuleriana, transformando-se na expressão de uma verdadeira linguagem da loucura, não <patológica> mas subversiva, portadora de uma revolução formal e de uma contestação da ordem estabelecida. Foi essa a significação, em 1925, do manifesto surrealista intitulado <Lettre aux médecins-chefs des asiles de fous>, inspirado por Antonin Artaud (1896-1948) e redigido por Robert Desnos (1900-1945): <Sem insistir no caráter perfeitamente genial das manifestações de alguns loucos, desde que estejamos aptos a apreciá-las, afirmamos a absoluta legitimidade de sua concepção da realidade e de todos os atos dela decorrentes.>”
“Onde há obra, não há loucura; e no entanto, a loucura é contemporânea da obra, uma vez que inaugura o tempo de sua verdade.” Foucault
“Quanto a Deleuze, em O anti-Édipo — Capitalismo e esquizofrenia, livro redigido com Félix Guattari, ele se apropriou do termo esquizofrenia para fazê-lo ressoar de outra maneira. Os dois autores esforçaram-se por repensar a história universal das sociedades a partir de um único postulado: o capitalismo, a tirania ou o despotismo encontrariam seus limites nas máquinas desejantes de uma esquizofrenia bem-sucedida, isto é, nas redes de uma loucura não-entravada pela psiquiatria. (…) O livro, notável por sua verve antidogmática, pela beleza de seu estilo, pela generosidade da inspiração e pelo valor programático de seu ideal bioquímico e energético, não provocou nenhuma reforma do saber psiquiátrico no campo do tratamento da esquizofrenia e se inscreveu, da maneira mais simples do mundo, na história progressista da psicoterapia institucional.”
“Publicado pela primeira vez em 1952, sob o título de DSM I, a princípio ele foi influenciado pelas teses higienistas de Adolf Meyer. Em 1968, sob o nome de DSM II, tornou-se a expressão de uma concepção puramente organicista da doença mental, da qual foi eliminada qualquer idéia de causalidade psíquica. Doze anos depois, após vastos debates sobre os abusos da psiquiatria na União Soviética, editou-se um novo manual, o DSM III, no qual se concretizou uma escolha deliberadamente <ateórica>. A própria noção de doença da alma, ou loucura, com seus 2 mil anos de idade, foi liquidada, em prol de uma classificação dos indivíduos segundo o comportamento e os sintomas. Ao mesmo tempo, a esquizofrenia e a histeria desapareceram do quadro. Assim foram abolidos os dois grandes paradigmas da clínica freudo-bleuleriana, que havia dominado o século inteiro, dando uma nova significação ao universo mental do homem moderno.Com o sucesso considerável do DSM nas sociedades industriais avançadas, a psiquiatria deixou o campo do saber clínico para se colocar a serviço dos laboratórios farmacêuticos, e se transformou numa psiquiatria sem alma e sem consciência, baseada na crença nas pílulas da felicidade e adepta do famoso niilismo terapêutico tão combatido por Freud e Bleuler.”
* * *
Para Freud, PSICOSE = (PARANOIA + ESQUIZOFRENIA[PARAFRENIA em sem léxico]).
Quanto ao binômio principal da “loucura”, NEUROSE X PSICOSE, a parte da PSICOSE chamada PARANOIA (PROJETIVA apud KLEIN) seria mais próxima, nosograficamente, à NEUROSE, subtipo OBSESSÃO. Formas mais monistas ou simplórias de ‘ser louco’, se posso assim dizer. Faltam nuances para estes arquétipos se igualarem ou equipararem a nós, os reis-loucos!
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Binswanger, “Der Fall Ellen West. Studien zum Schizophrenieproblem”, Schweiz. Archiv für Neurologie und Psychologie, vols. 54, 55 & 58, 1945;
______. Le Cas Suzan Urban (1952), Paris, Desclée de Brouwer, 1958;
______. Schizophrenie, Pfullingen, Günther Neske, 1957;
Garrabé, Histoire de la schizophrénie, Paris, Seghers, 1992;
Laplanche, Hölderlin e a questão do pai (Paris, 1961), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1991.
estágio / estádio em português de Portugal (oral, anal, fálico, genital)
“A noção de estádio fálico só veio a surgir num artigo de 1923,A organização genital infantil, mas a do falicismo já estava presente em 1915 num adendo aos Três ensaios, o que permitiu a Freud atribuir à libido uma única essência, de natureza masculina (viril), tanto na menina quanto no menino.”
Entram num bar: um judeu, uma feminista e um relativista…
estágio do espelho ou fase do espelho
“Durante uma conferência proferida na Sociedade Psicanalítica de Paris em 16 de junho de 1936, Lacan retomou a terminologia de Wallon, transformando a prova do espelho num <estágio do espelho>, isto é, numa mistura de posição, no sentido kleiniano, e estágio, no sentido freudiano.¹ Assim desapareceu a referência walloniana a uma dialética natural: na perspectiva lacaniana, o estágio do espelho já não tinha muito a ver com um verdadeiro estágio nem com um verdadeiro espelho. Transformava-se numa operação psíquica, ou até ontológica, pela qual o ser humano se constitui numa identificação com seu semelhante.”
¹ “O termo francês phase — momento de virada — conviria indubitavelmente melhor do que stade — etapa de uma maturação psicobiológica; o próprio Lacan o indicou (1957).”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Lacan, Os complexos familiares na formação do indivíduo (1938, Paris, 1984), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1987;
______. “O estádio do espelho como formador da função do eu” (1949), in:Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998, 96-103;
______. O Seminário, livro 1, Os escritos técnicos de Freud (1953-1954) (Paris, 1975), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979 (1998);
Bolk, Das Problem der Menschwerdung, 1926. Fr., in: Arguments, 1960, 18, 3-13.
Estudo autobiográfico, Um
“Obra de Freud publicada em 1925, sob o título genérico da coleção dirigida pelo professor Dr. L.R. Grote, Die Medizin der Gegenwart in Selbstdarstellung (A medicina contemporânea apresentada por ela mesma). Reeditada em 1928 nos Gesammelte Schriften e, mais tarde, em 1934, sob a forma de livro, com o título Selbstdarstellung. Traduzido para o francês pela primeira vez em 1928, por Marie Bonaparte, sob o título Ma vie et la psychanalyse, e posteriormente, em 1984, por Fernand Cambon, sob o título Sigmund Freud présenté par lui-même. Retraduzido por Pierre Cotet e René Lainé em 1992, sob o título Autoprésentation. Traduzido para o inglês pela primeira vez em 1927, por James Strachey, sob o título An Autobiographical Study, reeditado em 1935 com o título Autobiography, acompanhado por um pós-escrito, e por fim, em 1959, sob o título An Autobiographical Study.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Érik Porge, Freud/Fliess, Mito e quimera da auto-análise (Paris,1996), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998.
etnopsicanálise
“Desde a Antiguidade, colocou-se a questão da existência de doenças específicas das diferentes culturas, e é na coleção hipocrática do Tratado dos ares, das águas e dos lugares que encontramos a famosa descrição da <doença dos citas> (Rússia meridional), que serviria de modelo para a constituição, no Ocidente, de um discurso da psicopatologia baseado na separação entre a racionalidade e a magia: <Quando fracassam em suas relações com as mulheres, na primeira vez eles (os citas) não se inquietam, conservando a calma. Ao cabo de duas, três ou várias tentativas que não dão nenhum resultado, e acreditando haver cometido algum pecado contra a divindade à qual atribuem a causa disso, eles vestem a roupa das mulheres, confessando sua impotência. Depois, assumem a voz das mulheres e executam a seu lado os mesmos trabalhos que elas.>(…) Constatando que o sintoma atingia cavaleiros ricos, deduzia que a prática cotidiana da equitação alterava as vias seminais e provocava, a longo prazo, uma impotência sexual. (…) A seu ver [agora Heródoto], de fato, a deusa Afrodite infligira essa doença <feminina> aos descendentes de alguns citas culpados pela pilhagem do templo de Ascalon, na Palestina. O <pecado>, portanto, fora transmitido de uma geração para outra. Quanto aos descendentes das famílias amaldiçoadas, que outrora haviam suscitado a cólera divina, eles eram atingidos por um destino trágico.”
“Terá o distúrbio mental como origem uma história familiar, um destino (fatum), um romance familiar, ou será que é produzido por uma deficiência fisiológica, funcional ou orgânica?”
“[No século XIX] a doença dos citas pôde ser assimilada a um transexualismo ou a uma paranóia” O ou sempre mata
“Do mesmo modo, a fúria dos Berserks (entre os antigos guerreiros escandinavos) ou a maldição de Amok (entre os malaios) encontraram lugar sob as designações de estados maníacos, surtos delirantes ou psicoses alcoólicas. Em 1904, Kraepelin publicou os resultados de sua pesquisa e deu a esse campo o nome de psiquiatria comparada. Dela nasceram a etnopsiquiatria e, mais tarde, a psiquiatria transcultural, que se desenvolveu nos Estados Unidos e no Canadá, em especial na universidade McGill, de Montreal, onde trabalhou Henri F. Ellenberger.”
“primeiro a etnopsiquiatria esteve aliada à psicologia dos povos, depois à psiquiatria colonial e, por fim, ao desenvolvimento da antropologia e da etnologia. Conforme a ocasião, favoreceu ora a universalização do discurso científico sobre a doença mental, ora o tácito restabelecimento do diferencialismo étnico (impondo-se então como uma espécie de departamento psiquiátrico a serviço dos povos não-civilizados, que se tratavam com feiticeiros e ainda estavam convencidos da origem religiosa da loucura).” “Georges Devereux, aluno de Marcel Mauss, psicanalista e etnólogo de campo, reuniu as duas disciplinas — a etnopsiquiatria e a etnopsicanálise —, associando as teorias freudianas às de Claude Lévi-Strauss. Ao fazê-lo, estabeleceu as bases de uma espécie de antropologia da loucura, que recorria, ao mesmo tempo, à psicanálise, à psiquiatria e à etnologia. § Definitivamente emancipada da psicologia dos povos e da psiquiatria colonial, a etnopsicanálise separou-se então da antropologia, transformando-se numa disciplina hostil a qualquer universalismo e servindo para tratar das minorias urbanas e das populações migratórias dos países ocidentais, com a ajuda de suas próprias técnicas xamanísticas. Dentro dessa linha, ela evoluiu para um culturalismo radical, hostil à psicanálise da qual ela havia saído e valorizador da identificação entre o prestador de cuidados e o feiticeiro. § Quanto a esse aspecto, convém constatar que nem Roheim nem Devereux formaram discípulos e que a antropologia psicanalítica, no sentido como eles a entendiam, deixou de existir com esses pesquisadores, deslizando então quer para o lado da magia e das medicinas paralelas, quer para o lado do engajamento militante anti-ocidental.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Edmond & Marie-Cécile Ortigues, Oedipe africain, Paris, Plon, 1966;
Roger Bastide, Le Rêve, la transe, la folie, Paris, Flammarion, 1972;
Marc Augé, “Ordre biologique, ordre social: la maladie, forme élémentaire de l’événement”, in: M. Augé e C. Herzlich (orgs.), Le Sens du mal. Anthropologie, histoire, sociologie de la maladie, Paris, Éd. des Archives Contemporaines, 1984.
Eu e o Isso, O
“Livro publicado por Sigmund Freud em 1923, sob o título Das Ich und das Es. Traduzido para o francês pela primeira vez em 1927, por Samuel Jankélévitch, sob o título Le Moi et le Soi. Essa tradução foi revisada por Angelo Hesnard e reeditada em 1966, sob o título Le Moi et le Ça. Uma nova tradução foi feita em 1981 por Jean Laplanche & Jean-Bertrand Pontalis, sob o título Le Moi et le Ça, e depois, em 1991, por Catherine Baliteau, Albert Bloch & Joseph-Marie Rondeau, sem modificação do título. Traduzido pela primeira vez para o inglês por Joan Riviere, em 1927, sob o título The Ego and the Id. Essa tradução foi revista por James Strachey e republicada em 1961, sem alteração do título.
Desde seu lançamento, O eu e o isso foi acolhido com entusiasmo pela comunidade psicanalítica, ainda que alguns tenham feito certas reservas à homenagem nele prestada por Freud a Georg Groddeck, autor do Livro d’Isso,¹ publicado alguns meses antes.”
¹ Já postado no SECLUSÃO.
“durante o verão de 1922, Freud estava perfeitamente cônscio de dar continuidade, através desse terceiro ensaio, à vasta reformulação teórica iniciada com Mais-além do princípio de prazere prosseguida na Psicologia das massas e análise do eu.”
“A existência de uma parte inconsciente no eu, oposta por clivagem ao eu coerente, impunha que se reconhecesse a existência de três inconscientes: um inconsciente assimilável ao recalcado, um inconsciente dependente do eu, distinto do recalcado, e um inconsciente latente, o pré-consciente. Ao mesmo tempo, já não era possível definir a neurose como o resultado de um conflito entre o consciente e o inconsciente.”
“Apoiando-se no texto de Groddeck, Freud estabelece uma distinção fundamental entre um eu consciente e o eu <passivo> groddeckiano, isto é, um eu inconsciente, que ele passa desde então a chamar, <à maneira de Groddeck>, de isso.” Realmente um discípulo de Groddeck, e não o inverso, como a historiografia hegemônica quer passar.
“Seja qual for a forma do complexo de Édipo, positiva, negativa ou intermediária[negativa = gay], e seja qual for sua resolução final, o supereu conserva o caráter do pai [metáfora de civilização e gênio interior]: <Quanto mais forte é o complexo de Édipo e quanto mais depressa se produz seu recalcamento (sob a influência da autoridade, da instrução religiosa [a importância da primeira comunhão!], do ensino [adaptação à escola], das leituras [caso pessoal: contracorrente das pulsões paternas]), mais severa será, posteriormente, a dominação do supereu sobre o eu como consciência moral, ou até como sentimento de culpa inconsciente.” (TIRANIA DOS AVÓS IMAGINÁRIOS)
“O ideal do eu/supereu aparece, portanto, como o herdeiro do complexo de Édipo, e constitui, por isso mesmo, a expressão mais acabada do desenvolvimento da libido do isso.”
“Na melancolia e na neurose obsessiva, o sentimento de culpa persiste e corresponde ao que chamamos <consciência moral>. Em ambos os casos, o ideal do eu investe contra o eu com rara ferocidade, mas as formas dessa severidade e as respostas do eu são diferentes. Na neurose obsessiva, o paciente recusa sua culpa e pede ajuda. [Não literalmente na maioria dos casos – através de sintomas físicos.] Confrontado com uma aliança entre o supereu e o isso, desconhece as razões da repressão de que é vítima. Na melancolia, o eu se reconhece culpado e podemos formular a hipótese de que o objeto da culpa já está no eu, como produto da identificação.
Em outros casos, como na neurose histérica, por exemplo, o sentimento de culpa é totalmente inconsciente. Posto em perigo por percepções dolorosas, provenientes do supereu, o eu, contrariando seu senhor, serve-se então do recalque, quando de praxe coloca esse recalque a serviço dele.” Só há uma neurose, mas Freud separa a de sintomas psíquicos (obsessão) e a somática (histeria). Não existe completa inconsciência do que existe. Uma culpa não é culpa se não é sentida. É na verdade sua manifestação por outros órgãos do corpo que não o cérebro. Da sola do pé à raiz dos cabelos.
“No caso da melancolia, o supereu se apodera do sadismo para arrasar o eu. Mas se trata, nessa situação, daquela parcela do sadismo que é irredutível ao amor: sua instalação no supereu e seus ataques exclusivamente dirigidos contra o eu constituem o caso singular de uma dominação absoluta da pulsão de morte, passível, com muita freqüência, de levar o eu a seu fim.” Nunca foi meu caso estrito. “Na neurose obsessiva, o sujeito, mesmo sendo exposto a recriminações igualmente duras, nunca chega, por assim dizer, à autodestruição: diversamente do histérico, ele mantém uma relação com o objeto contra o qual as pulsões destrutivas podem inverter-se em pulsões de agressão.”
“Por que essa especificidade da melancolia, cujo quadro clínico de fato parece constituir o argumento decisivo a favor da existência das pulsões de morte? Um primeiro elemento de resposta, observa Freud, nisso contrariando o senso comum, é que, quanto mais um homem restringe sua agressividade contra o exterior, mais ele a aumenta em relação a si mesmo.” Socinar, o Narciso invertido.
Ey, Henri
“Nascido em Banyuls-dels-Aspres, na região catalã, esse homem caloroso, gourmet refinado, grande fumante de charutos e apaixonado por tauromaquia, ocupa na história do movimento psiquiátrico francês um lugar equivalente ao de Lacan na França freudiana. Foi colega de residência deste no hospital Sainte-Anne nos anos 1930. Aluno de Henri Claude, assumiu em 1933 a direção do hospital psiquiátrico de Bonneval, situado na Beauce, onde praticou uma nova abordagem das doenças mentais, inspirada nos trabalhos de Freud e Bleuler.”
“Se Hughlings Jackson libertou a neurologia de seus pressupostos mecanicistas, Freud abandonou a neurologia para fundar uma nova teoria do inconsciente e dar à psiquiatria uma concepção inédita da loucura. Ora, segundo Ey, era preciso reunir a neurologia à psiquiatria, para dotar esta última de uma verdadeira teoria capaz de integrar o freudismo.”
“Henri Ey contestaria durante os anos 1960 os princípios da antipsiquiatria. Também se oporia às teses de Foucault sobre a questão da loucura, julgando-as <psiquiatricidas>.
Apesar de todos os esforços que fez, visando o desenvolvimento de uma psiquiatria humanista que levasse em conta ao mesmo tempo a subjetividade do doente e a nosografia clássica, a Association Mondiale de Psychiatrie, tornando-se inteiramente americana sob o nome de World Psychiatric Association (WPA), nada guardou de sua herança clínica e, no fim do século XX, recorreria apenas à farmacologia, reduzindo assim o fenômeno da loucura a sintomas puramente comportamentalistas, desprovidos de qualquer significação para os próprios sujeitos: um verdadeiro retorno ao niilismo terapêutico que Freud combatera em sua época.” Forte sensação de déjà vu…
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Ey, Traité des hallucinations, Paris, Masson, 1977;
Ey, Encyclopédie medico-chirurgicale: Psychiatrie.
falo
“referimo-nos, então, de modo mais ou menos explícito, ao uso deste termo na Antiguidade, quando designava a representação figurada, pintada, esculpida, etc., do órgão viril, objeto de veneração que desempenhava um papel central nas cerimônias de iniciação (Mistérios).”
“Nessa época longínqua, o falo em ereção simbolizava o poder soberano, a virilidade transcendente, mágica ou sobrenatural, e não a variedade puramente priápica do poder masculino, a esperança da ressurreição e a força que pode produzi-la, o princípio luminoso que não tolera sombras nem multiplicidade e sustenta a unidade que brota eternamente do ser. Os deuses itifálicos Hermes e Osíris encarnam esta aspiração essencial.”Laurin
“Não se poderia atribuir ao símbolo falo uma significação alegórica determinada, por mais ampla que a queiramos (fecundidade, poder, autoridade, etc.).”
“O fato, percebido por Freud desde A interpretação dos sonhos e largamente confirmado pela investigação analítica, de que o sujeito como pessoa total pode ser identificado ao falo não infirma a idéia precedente: nesse momento é mesmo uma pessoa que é assimilada a um objeto capaz de ser visto, exibido, ou ainda de circular, ser dado e recebido.”
fantasia (Phantasie em Alemão, fantasme em Francês)
Ver verbetes sonho diurno (daydream) e os dois próximos.
“Em francês, o termo fantasme voltou a ser posto em uso pela psicanálise e, como tal, está mais carregado de ressonâncias psicanalíticas do que o seu homólogo alemão. Por outro lado, não corresponde exatamente ao termo alemão, visto que a sua extensão é mais restrita. Designa determinada formação imaginária e não o mundo das fantasias, a atividade imaginativa em geral.
Daniel Lagache propôs retomar no seu sentido antigo o termo fantaisie, que tem a vantagem de designar ao mesmo tempo uma atividade criadora e as produções, mas que, para a consciência lingüística contemporânea, dificilmente pode deixar de sugerir os matizes de capricho, originalidade, ausência de seriedade, etc.”
“Em A interpretação dos sonhos, Freud ainda descreve as fantasias a partir do modelo dos sonhos diurnos. Analisa-as como formações de compromisso e mostra que a sua estrutura é comparável à do sonho. Essas fantasias ou sonhos diurnos são utilizados pela elaboração secundária, fator do trabalho do sonho que mais se aproxima da atividade de vigília.”
fantasias originárias (Urphantasien)
“As reservas que suscita a teoria de uma transmissão genética hereditária não devem, na nossa opinião, levar-nos a considerar igualmente caduca a idéia de que existem, na fantasística, estruturas irredutíveis às contingências do vivido individual.”
fenômeno funcional (sonho)
Ver verbete sonho diurno (daydream)
“Freud reconheceu no fenômeno funcional <…um dos raros aditamentos à doutrina dos sonhos cujo valor é incontestável. Herbet Silberer provou a participação da auto-observação — no sentido do delírio paranóico — na formação do sonho>. Freud foi convencido pelo caráter experimental da descoberta de Silberer, mas limitou o alcance do fenômeno funcional aos estados situados entre a vigília e o sono ou, no sonho, à <autopercepção do sono ou do despertar> que por vezes pode acontecer e que ele atribui ao censor do sonho, ao supereu.”
“…há porém quem chegue a falar de fenômeno funcional cada vez que atividades intelectuais ou processos afetivos aparecem no conteúdo dos pensamentos do sonho, embora este material não tenha mais nem menos direitos a penetrar no sonho do que qualquer outro resto diurno” F.
“Para a crítica da concepção ampliada de Silberer, é interessante reportar-se ao estudo de Jones, A teoria do simbolismo (The Theory of Symbolism, 1916).”
Ferenczi, Sandor
“Nascido em Miskolc, na Hungria, originário de uma família de judeus poloneses imigrantes, Sandor Ferenczi foi não só o discípulo preferido de Freud, mas também o clínico mais talentoso da história do freudismo. Foi através dele que a escola húngara de psicanálise, da qual foi o primeiro animador, produziu uma prestigiosa filiação de artífices do movimento, entre os quais Melanie Klein, Geza Roheim e Michael Balint.”
“O pai de Ferenczi era um simpático livreiro, que se empenhara com fervor na revolução de 1848 antes de se tornar editor militante, favorável à causa do renascimento húngaro. Assim, mudara seu nome, de sonoridade alemã (Baruch Fraenkel), para um patronímico magiar (Bernat Ferenczi). Deu ao filho predileto, o oitavo entre 12, uma educação em que prevaleciam o culto da liberdade e um gosto acentuado pela literatura e pela filosofia.”
“Atacava os preconceitos reacionários da classe dominante, que tendia a designar aqueles que se chamavam uranianos como degenerados responsáveis pela desordem social.”
“Partindo de um combate contra o niilismo terapêutico, Freud elaborou uma teoria da neurose e da psicose que superava amplamente os limites da clínica. Sempre consciente de seu próprio gênio e da importância de sua descoberta, sabia dominar seus afetos e mostrar-se implacável para com seus adversários. Acima de tudo, amava a razão, a lógica, as construções doutrinárias. Mais intuitivo, mais sensual e mais feminino, Ferenczi procurava na psicanálise os meios de aliviar o sofrimento dos pacientes.Era menos atraído pelas grandes hipóteses genéricas do que pelas questões técnicas. Assim, era mais inventivo [texto contraditório; mas não prejudica o entendimento] que Freud na análise das relações com o outro. Em 1908, descobriu a existência da contratransferência, explicando a seu interlocutor sua tendência em considerar os assuntos do paciente como seus próprios. Dois anos depois, F. conceitualizou essa noção, fazendo dela um elemento essencial na situação analítica. Entre ambos, portanto, o intercâmbio epistolar teve como função fazer surgir novas problemáticas, que serviam depois para alimentar a doutrina comum.
Como muitos pioneiros do freudismo, Ferenczi experimentou em si mesmo os efeitos de suas descobertas. Em 1904, tornou-se companheiro de Gizella Palos, 8 anos mais velha que ele. Essa ligação era tolerada pelo marido desta, que entretanto lhe recusava o divórcio. Gizella vivia com suas duas filhas, Magda, casada com o irmão mais novo de Sandor, e Elma, nascida em 1887. Não só Ferenczi tornou-se, em 1908, analista de sua amante, como também não hesitou em tratar de Elma, sua enteada, quando esta apresentou sintomas de depressão 3 anos depois.
Inutilmente Freud o advertiu contra os perigos de uma prática como essa. Implicado em uma espécie de auto-análise epistolar, ele procurava desafiar Freud, pedindo-lhe que o reconhecesse como um pai reconhece o filho, dando-lhe a entender ao mesmo tempo que podia perfeitamente passar sem ele. Em novembro de 1911, depois do suicídio com arma de fogo do noivo de Elma, anunciou a Freud que estava apaixonado pela jovem. Disse que não sentia mais desejo sexual por Gizella, muito idosa, e queria fazer com que ela ocupasse uma posição de sogra, fundando uma família com sua filha. Na verdade, queria ficar com as duas. Logo, anunciou sua intenção de se casar com Elma.” J-O-C-(asta-)O-S-O
“Finalmente, percebeu que se envolvera em uma confusão transferencial e desistiu de desposar a jovem, junto a quem ocupou uma posição de médico e de analista. Mas, não podendo conduzir adequadamente o tratamento, obrigou Freud a analisar Elma e depois fez-se analisar em 3 ocasiões pelo mestre, entre 1914 e 1916. Este agiu então como um pai autoritário, obrigando Ferenczi a casar-se com Gizella e a renunciar a Elma.” “De qualquer forma, o episódio dessa confusão familiar e transferencial pode ser compreendido como a matriz de todas as reflexões posteriores sobre o estatuto incerto do tratamento psicanalítico, oscilando sempre entre um excesso de conformismo adaptador, que seria denunciado por Ferenczi e seus partidários, e a ausência de lei, contra a qual reagiriam os herdeiros ortodoxos de Freud.”
“Membro do Comitê Secreto a partir de 1913, participou de todas as atividades de direção do movimento freudiano, formando com Otto Rank e Freud um pólo <sulista> e austro-húngaro, diante das iniciativas mais rígidas e burocráticas dos discípulos vindos do norte da Europa: Karl Abraham, Ernest Jones, Max Eitingon. Mas foi nesse período que se desenrolou o grande debate sobre a telepatia, em torno do qual se cristalizaram os conflitos entre Jones, partidário de uma psicanálise racionalista empírica, e Ferenczi, muito mais aberto a experiências julgadas desviantes, irracionais ou extravagantes por seu adversário.”
“Em março de 1919, Bela Kun proclamou a República dos Conselhos, enquanto em Budapeste era criada, pela primeira vez no mundo, uma cátedra de ensino da psicanálise na universidade. Ferenczi foi, naturalmente, nomeado para esse posto. Mas, quatro meses depois, a Comuna foi reprimida com sangue pelas tropas do almirante Miklos Horthy. A Hungria caiu então sob o jugo de outra ditadura, e os brilhantes representantes da escola húngara de psicanálise, florão do movimento, começaram a emigrar. Berlim tornou-se o centro nevrálgico do movimento freudiano”
“A partir de 1919, como Rank, Ferenczi se empenhou na reforma completa da técnica psicanalítica. Inventou primeiro a técnica ativa, que consiste em intervir diretamente no tratamento, através de gestos de ternura e afeto, e depois a análise mútua, durante a qual o analisando é convidado a <dirigir> o tratamento ao mesmo tempo que o terapeuta, antes de reatar com a teoria do trauma, denunciando a hipocrisia da corporação analítica em um texto famoso de 1932, intitulado Confusão de línguas entre os adultos e a criança. Através dessa exposição, que suscitou a oposição de Jones e de Freud, relançava todo o debate sobre a teoria da sedução.”
“Jones o chamaria de psicótico:<Ferenczi sempre acreditou firmemente na telepatia. Depois, foram os delírios sobre a pretensa hostilidade de Freud. No fim, apareceu uma violenta paranóia, acompanhada até de explosões homicidas. Foi o fim trágico de uma personalidade brilhante…>”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
André Haynal, “Da correspondência (com Freud) ao Diário (de Ferenczi)”, Revista Internacional da História da Psicanálise, 2 (1989), Rio de Janeiro, Imago, 1992, 153-64; “Notas sobre a história da correspondência Freud-Ferenczi”, ibid., 219-28;
Sandor Ferenczi, Thalassa: A Theory of Genitality, 1924;
Sandor Ferenczi & Georg Groddeck, Correspondance, Paris, Payot, 1982.
Fliess, Robert
“Filho de Wilhelm Fliess e Ida Bondy (ex-paciente de Josef Breuer), Robert Fliess foi, como Anna Freud, um filho da psicanálise.” “Em uma de suas obras, publicada depois de sua morte, adotou a antiga teoria freudiana da sedução, para enfatizar que todos os neuróticos graves tinham sido atingidos na infância por traumas reais ou por abusos sexuais. Essa posição permitiria à historiografia revisionista, e principalmente a Jeffrey Moussaïeff Masson, editor da correspondência de Freud e Wilhelm Fliess, relançar o debate sobre a sedução e formular a hipótese, sem provas, de que o próprio Robert Fliess teria sido vítima de seu pai.”
Fliess, Wilhelm
“Personagem pitoresco, amigo íntimo de Freud e teórico da bissexualidade, Wilhelm Fliess pertence à longa linhagem de sábios prometéicos da literatura romântica, cujos traços se encontram na obra de Thomas Mann.”
“Sua amizade foi curta mas apaixonada, como são habitualmente essas aventuras iniciáticas de uma juventude à procura de identidade intelectual, e foi acompanhada de uma bela correspondência, da qual infelizmente só se conhece a parte escrita por Freud.
Maravilhoso correspondente, Freud descreveu com prazer aquilo que chamou de sua autoanálise. Ao longo das páginas, descobrimos como ele adotou as teses do amigo sobre a bissexualidade para transformá-las, e depois como elaborou suas primeiras hipóteses sobre a histeria, a neurose e o Édipo. As cartas também relatavam o abandono da teoria da sedução, acontecimento central na relação entre ambos, o episódio do caso Emma Eckstein, e enfim a gênese de A interpretação dos sonhos. Continham uma multiplicidade de detalhes sobre a vida cotidiana e sexual do autor, e muitas outras informações de todo tipo. A correspondência terminou em setembro de 1902.”
“Preocupado em não desvelar para a posteridade sua relação com Fliess, Freud destruiu as cartas do amigo. Mas em 1936, Charles Fliess (1899-1956), irmão mais velho de Robert, vendeu a um comerciante as cartas de Freud, que seu pai guardara até a morte. Foi então que Marie Bonaparte as comprou e as conservou, contra a opinião do mestre, que se recusava obstinadamente a que fossem publicadas, nem queria que elas fossem conhecidas. Em 1950, com a ajuda de Ernst Kris e de Anna Freud, ela publicou algumas, sob o título O nascimento da psicanálise. Só em 1985 foi enfim publicada uma edição completa, depois de um escândalo nos Arquivos Freud.”
formação reativa (hipocrisia)
“Em termos econômicos, a formação reativa é um contra-investimento de um elemento consciente, de força igual e de direção oposta ao investimento inconsciente. As formações reativas podem ser muito localizadas e se manifestar por um comportamento peculiar, ou generalizadas até o ponto de constituírem traços de caráter mais ou menos integrados no conjunto da personalidade.
Do ponto de vista clínico, as formações reativas assumem um valor sintomático no que oferecem de rígido, de forçado, de compulsivo, pelos seus fracassos acidentais, pelo fato de levarem, às vezes diretamente, a um resultado oposto ao que é conscientemente visado (summum jus summa injuria).”Quando o excessivamente polido acaba sendo o fulcro de várias agressões ao ter elegido sua postura com base no preceito de que não deseja mais ser agredido.
“virtudes morais levadas ao extremo”
“contra-investimento permanente”
“assim, determinado sujeito dará provas, de um modo geral, de piedade para com os seres vivos, enquanto a sua agressividade inconsciente visa determinadas pessoas em particular.” METÁFORA HIDRÁULICA EM ESTADO BRUTO. Xinga muito no twitter, baixa a cabeça no trabalho diante dos mais maus-caracteres. Tratar mal um Kikuchi, um Emannoel ou uma “Help” da vida.
BRIGAR. BRIGAR. BRIGAR. DESCER O SOCÃO EM ALGUÉM.
“O sujeito reativo (…) mudou a estrutura da sua personalidade como se esse perigo estivesse sempre presente, para estar pronto em qualquer momento em que surgir.” Fenichel,The Psychoanalytic Theory of Neurosis, 1945.
“As formações reativas são especialmente patentes no <caráter anal>(ver: neurose de caráter).”
The hot-tempered ones from my ex-family, oh, they think alcohol induces it all…
Obsequioso com professores e autoridades em geral…
ELE ANDA ESQUENTADINHO (ELE “É”, PORÉM PARA SE ESTABILIZAR MATERIALMENTE NA VIDA TEVE DE PÔR RÉDEAS EM SI MESMO): “numa dada formação reativa, podemos descobrir a ação da pulsão contra a qual o sujeito se defende [a virulência paterna]; por um lado, esta irrompe bruscamente, quer em certos momentos, quer em certos setores da atividade do sujeito [ULTRASSADISMO INTERMITENTE – escritor ferino, bad hair days], e são precisamente estes fracassos flagrantes, contrastando com a rigidez [quase estóica!] da atitude exibida pelo sujeito, que permitem conferir a determinado traço da personalidade o seu valor sintomático”
“A dona de casa dominada pela idéia de limpeza não estará centrando a sua existência no pó e na sujeira?”A imbecil para quem a vida é estática: Mas você era tão organizado, tão cuidadoso com suas coisas… EU NÃO ACEITO QUE ISSO NÃO CONTINUE EXATAMENTE COMO QUANDO VOCÊ TINHA 10 ANOS DE IDADE!
Estou centrando minha existência na desgraça alheia e na punição invisível de quem ousa ter uma vida completamente distinta da minha e ainda tem a CARA-DE-PAU de se atribuir qualquer VALOR, quem dirá SUPERIORIDADE INCONTESTE! “Viu só… eu não te disse?” Mas na verdade eu não te disse… Porque eu detesto dar conselhos, isso não é do meu feitio… Mas agora você sabe que não deveria ter desperdiçado o SEU tempo dando-me conselhos, eu, um MESTRE DA MORAL. Porque você cometeu um erro infantil ao demonstrar quão hipócrita é… Ops, deslize! Pois é, eu não te disse, mas ESTAVA NA CARA! Nisso eu gozo. No devir dos imbecis, sendo eu o exato contrário. Eu gosto de ver os mais velhos se fodendo, e sentir meus cabelos brancos cada vez mais próximos de aparecerem… Eu gosto de ver o überfit adquirindo uma doença letal e limitante, o defensor da família vendo sua família e sua felicidade-do-lar se desintegrando em pó… O curser testemunhando o meu sucesso e independência. A profecia se tornando verdade. A ironia socrática de cada dia nos dai hoje…
Sim, o Senhor Metafísica há de se comover com cada tropicão de escada, com cada má-nova de cada ex-conhecido seu… Esse é o alento necessário para se respirar no Céu-pedestal dos grandes homens. Compreenda-me como uma árvore que chupa sua vida, ou melhor, se nutre, do seu dejeto involuntário, o gás carbônico da sua falação diuturna sem-sentido… Uma árvore cuja seiva é mais e mais pura e retribui com obras cristalinas o falatório sujo e vil dos homenzinhos passeando no jardim… Lá embaixo.
“A formação reativa poderia ser então definida como uma utilização [mal-feita] pelo eu da oposição inerente à ambivalência pulsional.”
FATUM & ENFADO
Eu tinha de ter escritos sórdidos e boca-suja para ser um homem de caráter quando chegasse o tempo (pós-adolescência e primeira juventude)… Nunca deixarei de ser uma personalidade controversa, por onde quer que se me estude amanhã…
Demorou menos para eu me formar como homem do que para obter aquele papelzinho vale-bosta de graduado universitário… Imagine a dor que essa árvore (planta rara) sentiu durante esse curto espaço de tempo… É praticamente indescritível! Hoje, hoje não é nada, tudo são jujubas doces… Mas só pela RESSONÂNCIA do que foram aqueles anos já consigo me arrepiar… Minha memória condescendente com minha evolução psicológica é a primeira grande prova de que eu sou – e assim serei considerado pelas gerações futuras, se chegarem a me conhecer – um grande homem.
sidenote: Santo Agostinho pode ser considerada uma dessas árvores que decidiu crescer demais e se monumentalizar já lá pelos seus quarenta… Quanto mais se hiberna, mais se sofre com o radicalismo da transformação, quando ela deixa de ser auto-adiada.
O meu momento de viragem foi à segunda leitura da obra Assim Falou Zaratustra, aos 19 ou 20 anos de idade. Talvez se eu não tivesse engordado àquela época não teria tido como sobreviver à fome da alma que senti e à ânsia pantagruélica por uma luz para estes olhos cegos… Quando menos tinha liberdade, porque eu mesmo a suprimia, era quando eu mais me regalava com pão, bela lição, sr. Dosto.! Se um dia essas anotações tão subjetivas forem reunidas, só elas, para interesses autobiográficos, por mim ou outro qualquer, deviam(os) dar um nome como MEMÓRIAS DO CÁRCERE A CÉU ABERTO ou algo do tipo, que acha(m)? Que acho? Diacho, eu tenho menos livros para escrever do que livros prontos para compilar, e isso aos meus 31 anos… É um material infinito a meu dispor. Fico zonzo só de pensar seriamente por onde começar e que critério estabelecer, afinal… Porque uma coisa são meus escritos com interesses filosófico-literários, i.e., o mundo, e outra coisa sou eu, seu irmão gêmeo… Misteriosa preposição que está entre nós. Será você que lê uma delas, ou esse texto é menos lido que uma carta enrolada em uma garrafa nos Sete Mares mais remotos de um mundo com poucos piratas?!
Reconheço que sou medíocre perto dos últimos clássicos, mas que toda a minha soberba decorre da absoluta INCOMPETÊNCIA GENERALIZADA da minha própria época… Será concebível, num momento finalmente maduro para pelo menos me apreciar ou se condoer de mim?!? UMA CARTA PARA AURORA é outro título de que gosto muito… Quero pensar num Querido Diário que fosse uma linda mulher!
França
“a França foi o único país do mundo onde foram reunidas, a longo prazo (de 1914 ao fim do século XX) e sem nenhuma interrupção, as condições necessárias à implantação da psicanálise em todos os setores da vida cultural e científica, tanto por via médica e terapêutica (psiquiatria, psicologia, psicologia clínica) quanto por via intelectual (literatura, filosofia, política, universidade).”
“Essa concepção de língua era totalmente estranha à maioria dos outros países da Europa. Ela explica, de qualquer forma, que um gramático (Édouard Pichon) tenha tido papel tão importante na gênese da conceitualidade francesa do freudismo e tanta influência sobre os dois grandes mestres da psicanálise nesse país: Jacques Lacan, formalista mallarmaico de uma língua do inconsciente, e Françoise Dolto, porta-voz de um léxico de raiz perfeitamente adaptado à identidade nacional.”
“O mito conta que, nessa época, Pinel recebeu a visita de Couthon (1756-1794), membro do Comitê de Salvação Pública, que procurava suspeitos entre os loucos. Todos tremiam ao ver o acólito de Robespierre (1758-1794), que deixara sua cadeira de paralítico para ser carregado por auxiliares. Pinel o conduziu até os alojamentos, onde a visão dos loucos agitados lhe causou um medo intenso. Recebido com injúrias, voltou-se para o alienista e lhe disse: <Cidadão, tu mesmo és louco para quereres libertar semelhantes animais?>O médico respondeu que os insensatos eram ainda mais intratáveis porque estavam privados de ar e liberdade. Couthon aceitou portanto a supressão das correntes, mas advertiu Pinel contra sua presunção. Foi transportado até seu veículo, e o filantropo pôde começar a sua obra: o alienismo acabava de nascer. Como o mito da peste, o da abolição das correntes foi questionado por todos os historiadores da psiquiatria, que explicaram que esse gesto simplesmente não ocorreu. Mas os mitos fundadores têm como característica serem mais significativos do que a realidade das coisas.”
“Depois da Primeira Guerra Mundial e do acirramento do ódio à Alemanha, a psicanálise foi tratada de <ciência boche>, como aliás também a teoria da relatividade de Albert Einstein. Às reações violentas da imprensa somou-se o antifreudismo selvagem de duas grandes figuras da psicopatologia francesa: Georges Dumas (1866-1946) e Charles Blondel.”
“Geralmente chauvinistas, os meios médicos não aderiram senão a uma concepção terapêutica da psicanálise. Os meios literários, por sua vez, acolheram bem a doutrina ampliada da sexualidade, recusaram-se a considerar o freudismo como <cultura germânica> e defenderam a análise leiga. Por esse lado, todas as correntes literárias em geral consideravam o sonho como a grande aventura do século.Inventou-se a utopia de um inconsciente feito de linguagem e aberto à liberdade e à subversão, e admirava-se acima de tudo a coragem com a qual um sábio austero ousara fazer escândalo ao desafiar a intimidade do conformismo burguês. A partir de 1920, a psicanálise obteve um sucesso considerável nos salões literários parisienses, e muitos escritores experimentaram um tratamento. Foi o caso, notadamente, de Michel Leiris (1901-1990), René Crevel (1900-1935), Antonin Artaud (1896-1948), Georges Bataille (1897-1962) ou Raymond Queneau (1903-1976).”
“Em novembro de 1926, foi criada a primeira associação de psicanálise, a Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), composta de 12 membros”
“Marginalizado desde 1935, René Laforgue tentou isoladamente instaurar em Paris um instituto <arianizado>, como o de Matthias Heinrich Göring. Não conseguiu. Quanto a Georges Mauco, único psicanalista francês adepto do nazismo, empenhou apenas a própria pessoa na colaboração. Por conseguinte, o movimento francês saiu incólume do período da ocupação e pôde assim desenvolver-se no momento em que, na Europa, só a Grã-Bretanha se encontrava na vanguarda do freudismo internacional, graças sobretudo à solidez de sua escola clínica que, embora cindida em três correntes, pertencia completamente à IPA: kleinismo, annafreudismo, Independentes.”
“Excluída do movimento psicanalítico internacional, a obra lacaniana ocuparia a partir de então um lugar central na história do estruturalismo. Dez anos depois do momento fecundo de sua elaboração, o retorno lacaniano a Freud veio, efetivamente, ao encontro das preocupações de uma espécie de filosofia da estrutura, oriunda das interrogações da lingüística saussuriana e convertida, ela própria, na ponta de lança de uma oposição à fenomenologia clássica [mas Lacan não é hegeliano?]. A efervescência doutrinária, que se concretizou em torno dos trabalhos de Louis Althusser (1918-1990), de Roland Barthes (1915-1980), de Foucault e de Jacques Derrida, que tomou como objeto de estudo o primado da língua, o anti-humanismo, a desconstrução ou a arqueologia, se desenvolveu no interior da instituição universitária, preparando o terreno para a revolta estudantil de maio de 1968. A revista Tel Quel, animada por Philippe Sollers, desempenhou um papel idêntico ao da vanguarda surrealista do período entre-guerras.”
“Essa [terceira] cisão [francesa] marcou a entrada do lacanismo em um processo de burocratização e de dogmatismo, e se distinguiu nitidamente das precedentes. De fato, até então, Lacan representava a renovação da doutrina freudiana, e as cisões se faziam <com> ele. Dessa vez, deixavam-no para fundar uma escola mais liberal.”
“Membro da SPP, René Major deu então um impulso teórico e político à dissidência dos anos 1975-1980, que afetou os 4 grandes grupos freudianos. Baseando-se nas teses de Derrida, criou uma revista e um grupo, que tomaram o nome de Confrontation. Daí a emergência de uma corrente derridiana da psicanálise, que serviria para criticar todas as formas de dogmatismo institucional.”
Nos anos 90, após a morte de Lacan, a França viu seu número de associações psicanalíticas se atomizar até a espantosa cifra de 19, incluindo as 2 únicas associações filiadas à IPA! A grande ironia é que a virtual totalidade delas é freudiana.
“No fim do século, o número de psicanalistas franceses de todas as tendências se elevou a cerca de 5 mil, para uma população de 58 milhões, dos quais mil para as duas sociedades pertencentes à IPA (inclusive alunos), ou seja, uma taxa de 96 psicanalistas por milhão de habitantes, a mais alta do mundo [1 para 10 mil]. Jacques Lacan conseguiu assim, auxiliado por Françoise Dolto, fazer da França o país mais freudiano, o único, pouco antes da Argentina, em que a psicanálise se tornou ao mesmo tempo um componente maior da vida intelectual e uma real terapêutica de massa.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Breton & Soupault, Os campos magnéticos
Freud, Amalia, née Malka Nathanson (1835-1930), mãe de Sigmund Freud
“Freud foi adorado pela mãe e teve uma relação privilegiada com ela. Foi a partir desse contato que ele construiu sua teoria do complexo de Édipo, cuja evocação se encontra na Interpretação dos sonhos. Aos 4 anos, deslumbrou-se com sua nudez e teve, 6 anos depois, um célebre sonho de angústia: <Minha mãe querida, com uma expressão no rosto particularmente tranqüila e adormecida, levada para o seu quarto e estendida no leito por 2 (ou 3) personagens com bicos de pássaro.>”
“Consciente do amor que sua mãe lhe dedicava,¹ Freud declarou muitas vezes, especialmente a propósito de Goethe, que <quando se foi o favorito inconteste de sua mãe, guarda-se pela vida inteira uma sensação conquistadora, uma segurança de sucesso que muitas vezes leva efetivamente ao sucesso>. Nada é mais verdadeiro, e o laço que une freqüentemente todo criador (escritor ou artista) à sua mãe está aí para provar, principalmente nos casos de homossexualidade bem-sucedida [???].”
¹ Realmente, quanto às famílias européias até o séc. XIX, ser o mais benquisto entre os irmãos devia ser como passar num vestibular ou ser o primeiro da turma. O que representa isso hoje, quando disputamos os louros com apenas mais 1 ou 2, quando muito?
DICIONÁRIO PSICANALÍTICO OU FÃ CLUBE? “[Freud] adotou em relação à morte a atitude de aceitação típica daqueles que se sentem imortais¹ porque puderam realizar o luto do primeiro objeto de amor: a mãe amorosa.”
¹ Aceitação da morte pelo imortal? Reconstrua a frase, por favor. Desse ponto de vista, a psicanálise me é mais fatalista que qualquer schopenhauerismo ultimado… Em suma: estou(estaria) fodido!
“Pode-se acrescentar que a constatação que Freud fez sobre o <filho preferido> foi corroborada de modo negativo pelas descobertas de Melanie Klein sobre a primeira infância. Inspirando-se em sua relação detestável com a própria mãe, Klein mostrou,¹ efetivamente, que o ódio primordial que ligava a criança à mãe era fonte de todas as perturbações psicóticas e neuróticas posteriores, assim como a causa primeira e inconsciente de todos os fracassos amorosos e profissionais da idade adulta.²,2aDaí a necessidade de uma análise precoce [hm].”
¹ Provou? Mesmo?
² Pendente: conceito de fracasso.
2a Difícil fracassar como funcionário público. E, de toda forma, “menos fracassado” em terra de fracassados já é algo próximo de aristocracia privilegiada… Homem ético em terra de Bozo é rei imortal.
“A cena primária pode tê-lo tornado relativamente impotente […] Em sua conduta, Freud faz apenas o papel do deus castrador, nada quer saber do momento traumático de sua própria castração na infância; é o único que não deve ser analisado.” Ferenczi sobre Freud
“Aliás, foi sua ama, Monica Zajic, dita Nannie, e não sua mãe, que foi sua iniciadora¹ nesse campo.”
¹ Também gostaria de ser instruído a respeito da CONOTAÇÃO de iniciadora nesta frase!
“Em relação à sexualidade, Freud adotou em sua vida uma atitude contrária à que preconizava em sua teoria. Nunca foi amante das mulheres que o seduziam por sua inteligência, dita <masculina> e com quem mantinha relações transferenciais apaixonadas (Marie Bonaparte, Ruth Mack-Brunswick, Jeanne Lampl-De Groot, etc.), e casou-se com uma mulher cuja sexualidade se reduzia a desempenhar o papel para o qual era biologicamente constituída”
Freud, Anna (1895-1982), filha de Freud
AVANT-GARDE NA CIÊNCIA, CONSERVADOR NA FAMÍLIA: “Nascida em Viena, Anna Freud era a sexta e última dos filhos de Sigmund e Martha. Não fôra desejada nem por sua mãe, nem por seu pai, que decidiu, depois de seu nascimento, permanecer casto por não poder utilizar contraceptivos. Assim, Anna teve de lutar para ser reconhecida pelas qualidades de que dispunha: coragem, tenacidade e o gosto pelas coisas do espírito.Não tendo nem a beleza de sua irmãSophie Halberstadtnem a elegância deMathilde Hollitscher, sentia-se em estado de inferioridade na família, na qual se esperava que só os herdeiros masculinos fossem talentosos para os estudos.”
“Acompanhando Loe Kann, amante de Jones então em análise com Freud, Anna foi cortejada por ele. Prevenido por Loe, Freud reagiu muito mal e dirigiu a Jones sérias advertências, ao mesmo tempo que proibia à filha embarcar em uma aventura sem futuro com um <velho celibatário> astuto. (…) A partir desse dia, Freud começou a desviar de sua filha todos os pretendentes que ousavam fazer-lhe a corte (Hans Lampl, notadamente). Jones esperou 40 anos para explicar-se com Anna e confessar-lhe que continuava a amá-la.”
“<Com minha própria filha tive sucesso, com um filho têm-se escrúpulos especiais.> Na verdade, Freud não se iludia com essa explicação edipiana. Sabia muito bem que essa análise tivera como efeito reforçar o amor que Anna lhe dedicava e que a afirmação do <sucesso> do tratamento não era mais do que a expressão de uma paixão impossível de resolver.¹ E foi com toda a franqueza que expressou a Lou Andreas-Salomé os seus verdadeiros sentimentos:¹era tão incapaz de renunciar¹ a Anna quanto deixar de fumar.²”
¹ O que tudo isso queria dizer? Que Anna queria Sigmund carnalmente e que essa pulsão era, ainda por cima, correspondida?
² Se nem Freud conseguiu, é claro que, mesmo que quisesse, eu não conseguiria. #AutoDesajuda #ParaEsfregarnaCaradeGenteChataeInsistente
“Manteve com o pai uma correspondência de 300 cartas, de ambos os lados, ainda não-publicada, mas disponível na Biblioteca do Congresso de Washington.”
“Criou com Erik Erikson, Peter Blos e Eva Rosenfeld (1892-1977),sobrinha de Yvette Guilbert, uma escola especial, que foi depois freqüentada por crianças cujos pais se analisavam: <Para esses analistas que gravitavam em torno de Freud e da família Burlingham em Viena, escreveu Peter Heller, a psicanálise era realmente uma religião, um culto, uma Igreja […] Minha vida se passava na escola muito particular das Burlingham-Rosenfeld, marcada pela personalidade de Anna Freud e por sua concepção de uma pedagogia psicanalítica. Entre outras coisas, embora isso tenha sido negado depois, a escola consistia em uma experiência progressiva e elitista de educação de crianças cujos pais faziam análise. Uma experiência privilegiada, muito promissora, inspirada e animada por um ideal de humanidade mais puro e mais sincero do que todos os outros estabelecimentos que freqüentei. Ali, difundia-se um autêntico sentido de comunidade.>”
“Considerando que uma criança é frágil demais para ser submetida a uma verdadeira análise, com exploração do inconsciente, defendia o princípio do tratamento sob a responsabilidade da família e dos parentes, e mais geralmente sob a tutela das instituições educativas. Segundo ela, o complexo de Édipo não devia ser examinado muito profundamente na criança, em razão da falta de maturidade do supereu.”Com imbecis como pais e imbecis como professores e pedagogos (cenário 95% provável), isso e dizer que crianças não devem ser psicanalizadas mas abandonadas à própria sorte é dizer o mesmo. Nós, os talentosos e predestinados, de fato criamos a própria sorte, então não há com o quê se preocupar!
“Em 1937, graças ao dinheiro de uma rica americana, Edith Jackson (1895-1977), que foi a Viena analisar-se com Freud, Anna criou um pensionato para crianças pobres, ao qual deu o nome de Jackson Nursery. A experiência se inspirava na de Maria Montessori. Foi interrompida pela implantação do nazismo na Áustria.”
“Não só os psicanalistas ingleses tinham-se afastado de seus colegas do continente, mas também sua prática, sua mentalidade, suas orientações clínicas, até seus conflitos — notadamente em torno de Edward Glover— não tinham mais nada a ver com as querelas do mundo germanófono. Ora, nessa época, Anna acabava de publicar sua obra maior, O eu e os mecanismos de defesa, que se chocava com as pesquisas da escola inglesa. O conflito era pois inevitável e ocorreria depois da morte de Freud, com a explosão, em 1941, das Grandes Controvérsias.”
“Em 1990, tornando-se professor de literatura, Peter Heller publicou um depoimento comovedor sobre as suas lembranças da análise com Anna Freud. Nascido em Viena em 1920, submeteu-se a um tratamento com ela entre 1929 e 1932. Depois, casou-se com Tinky, filha de Dorothy Burlingham, e em seguida passou ainda longos anos no divã de Ernst Kris. O relato de seu tratamento, acompanhado das notas que Anna lhe entregou, revivia a estranha confusão dos anos 1920-1935, durante a qual Anna e seu pai misturaram tão estreitamente o divã, a família e a vida particular. Peter Heller mostrava, principalmente, o caráter sufocante da posição <materna> ocupada por Anna, ao passo que, em sua doutrina, ela não levava em conta o vínculo arcaico com a mãe.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Joseph Sandler, Hansi Kennedy & Robert L. Tyson, Técnica da psicanálise infantil (Londres, 1980), P. Alegre, Artes Médicas.
Freud, Ernst (1892-1966), filho de Freud
“Quando lhe perguntaram por que se tornara arquiteto, disse que foi porque seu pai e os outros membros da família não entendiam nada disso.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Ernst Freud, Lucie Freud & Ilse Grubrich-Simitis (orgs.), Sigmund Freud. Lieux, visages, objets(Frankfurt, 1976), Bruxelas, Complexe-Gallimard, 1979.
Freud, Kallamon Jacob (1815-1896), pai de Freud
“Foi Marianne Krüll quem estabeleceu em 1979 a genealogia familiar dos Freud, dando seqüência aos trabalhos de Renée Gicklhorn e Josef Sajner.”
“O nome Freud, que significa alegria em alemão (Freude) era derivado de Freide, prenome da bisavó materna de Jacob. A família o adotara em 1789, quando o imperador José II promulgou uma carta de tolerância que emancipava os judeus, reconhecendo-lhes os mesmos direitos e privilégios que aos outros súditos do Império. Essa carta os obrigava, entretanto, a assumir um nome de família, e conseqüentemente a renunciar à organização comunitária.”
“Renunciando a considerar em 1897 que, na origem da neurose existe a sedução sexual da criança pelo adulto, Freud confessa sua culpa: efetivamente, suspeitou que seu próprio pai fosse um sedutor e lamentava amargamente que este tivesse morrido antes do abandono dessa teoria.” ???
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Yosef Hayim Yerushalmi, Le Moïse de Freud. Judaïsme terminable et interminable (New Haven, 1991), Paris, Gallimard, 1993.
Freud, Martha, née Bernays (1861-1951), mulher de Freud
“A partir de 1920, Freud comportou-se com Anna do mesmo modo com que se comportara outrora com Martha. E seu ciúme em relação à filha era certamente a repetição do que mostrara durante o noivado. De qualquer forma, Anna foi a <filha
da psicanálise> e teve que lutar, na infância, contra uma terrível rival, que lhe tomava o pai. De fato, era com uma mulher que Freud comparava a psicanálise, no fim da vida, em uma carta aStefan Zweig datada de julho de 1938:<A análise é como uma mulher que quer ser conquistada, mas que sabe que será pouco estimada se não opuser resistência.>”
Freud, (Jean) Martin (1889-1967), filho de Freud
“Como seus outros irmãos, não foi circuncidado. De fato, Freud se recusou a impor aos filhos os rituais religiosos. Educado segundo a tradição da burguesia vienense, Martin deveria ter se tornado um patriarca.”
“Habituado a pregar peças, fantasiou-se um dia de astrólogo e apresentou-se no domicílio do pai, que lhe dirigiu um olhar tão furibundo que o deixou petrificado. O autor d’Os Chistes não gostava de ser objeto de zombaria. À exceção de Mathilde, todos os filhos de Freud tiveram problemas de pronúncia, como o pai na infância. Tinham a língua presa, como se diz. Assim, tiveram que recorrer aos serviços de uma fonoaudióloga.”
“Depois de cursar direito, Martin preferiu ocupar-se de negócios, o que o levou a tratar dos assuntos do pai e particularmente da Verlag, a casa editora do movimento freudiano, cujas finanças saneou. Também geriu muito bem a fortuna do pai, particularmente no momento da tomada do poder pelos nazistas na Alemanha.”
“Freud era tão tradicionalista no que se referia à educação dos filhos que deixou que eles acreditassem, sem ser desmentido por Martha, que os bebês nasciam nos repolhos.”
“No momento da celebração do centenário do nascimento de Freud, contra a opinião de sua irmã Anna, redigiu um livro de lembranças, cheio de episódios pitorescos sobre os diversos membros da família.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Martin Freud, Freud, mon père (Londres, 1957), Paris, Denoël, 1975;
Sophie Freud (sua filha, neta de Sigismundo), My Three Mothers and Other Passions, N. York, New York Universities Press, 1991.
Freud, Schlomo Sigismund, dito Sigmund (1856-1939)
“Kurt Eissleravaliou em 15 mil o número de cartas escritas por Freud e em cerca de 10 mil as que estão depositadas na Biblioteca do Congresso”
“Observe-se que Freud publicou 5 grandes casos clínicos, que foram comentados ou revistos por seus sucessores: Ida Bauer (Dora), Herbert Graf (o Pequeno Hans), Ernst Lanzer (o Homem dos Ratos), Daniel Paul Schreber, Serguei Constantinovitch Pankejeff (o Homem dos Lobos). Segundo o quadro das filiações estabelecido por Ernst Falzeder em 1994, Freud formou na análise didática mais de 60 práticos, na maioria alemães, austríacos, ingleses, húngaros, neerlandeses, americanos, suíços, aos quais se acrescentam os pacientes cuja identidade se ignora.”
“Entre 1879 e 1880, forçado a uma licença para cumprir o serviço militar, enganava
o tédio traduzindo quatro ensaios de John Stuart Mill (1806-1873), sob a direção de Theodor Gomperz (1832-1912), escritor e helenista austríaco, responsável pela publicação alemã das obras completas desse filósofo inglês, teórico do liberalismo político.”
“Em setembro de 1886, casou-se com Martha, e no dia 15 de outubro fez uma conferência sobre a histeria masculina na Sociedade dos Médicos, onde teve uma acolhida glacial, não em razão de suas teses (etiológicas), como diria depois, mas porque atribuía a Charcot a paternidade de noções que já eram conhecidas pelos médicos vienenses.”
“Apesar de várias tentativas, Fliess não conseguiria curar Freud de sua paixão pelo fumo: <Comecei a fumar aos 24 anos, escreveu em 1929, primeiro cigarros, e logo exclusivamente charutos […]. Penso que devo ao charuto um grande aumento da minha capacidade de trabalho e um melhor autocontrole.>”
“Em 1909, a convite deStanley Grandville Hall, Freud foi, em companhia de Jung e de Ferenczi, à Clark University de Worcester, em Massachusetts, para dar cinco conferências, que seriam reunidas sob o título de Cinco lições de psicanálise. Apesar de um encontro produtivo com James Jackson Putnam e de um sucesso considerável, Freud não gostou do continente americano. Durante toda a vida, desconfiaria do espírito pragmático e puritano desse país que acolhia suas idéias com um entusiasmo ingênuo e desconcertante.”
“Em 1911, Adler e Stekel se separaram do grupo freudiano. Dois anos depois, Jung e Freud romperam todas as suas relações. Não suportando desvios em relação à sua doutrina, Freud publicou, às vésperas da I Guerra Mundial, o panfleto História da psicanálise, no qual denunciou as traições de Jung e Adler.”
“Isolado em Viena, mas célebre no mundo inteiro, Freud prosseguiu sua obra, sem conseguir controlar a política de seu movimento. Entre 1919 e 33, a IPA se transformou em uma verdadeira máquina burocrática, com a responsabilidade de resolver todos os problemas técnicos relativos à formação dos psicanalistas.”
“Embora não aprovasse a política de <salvamento> da psicanálise, preconizada por Jones, cometeu o erro de privilegiar a luta contra os dissidentes (Reich e os adlerianos), ao invés de recusar qualquer compromisso com Göring, o que teria levado à suspensão de todas as atividades psicanalíticas logo que Hitler chegou ao poder.”
“Iniciou [no fim da vida] a leitura de Peau de chagrin de Honoré de Balzac: <É exatamente disso que preciso, este livro fala de definhamento e de morte por inanição.>”
freudo-marxismo
“O freudo-marxismo é uma corrente intelectual que perpassa toda a história do pensamento freudiano, de 1920 a 1975, tanto de um ponto de vista doutrinal (ligação entre o freudismo e o marxismo) quanto do ponto de vista político (relações entre o comunismo e a psicanálise na Rússia, na Alemanha, na Hungria, na França, no Brasil, na Argentina, na Itália e nos Estados Unidos). Os representantes dessa corrente foram muito variados. Os filósofos da Escola de Frankfurt, em especial Max Horkheimer, criticaram o pessimismo freudiano [olha quem fala! Escola frankfurtiana, a.k.a., <Os Apocalípticos>!], incompatível, a seu ver, com as esperanças revolucionárias suscitadas pelo marxismo, mas conseguiram ligar as duas doutrinas de maneira muito fecunda.
De Reich (simultaneamente freudiano e comunista) a Otto Fenichel ou Marie Langer (representantes de uma esquerda freudiana social-democrata), até os artífices do neofreudismo (menos marxistas do que culturalistas), passando por Joseph Wortis (que foi stalinista e, depois, antifreudiano) e Herbert Marcuse (que reacendeu o debate em meados dos anos 60, através de uma virulenta crítica a seus predecessores neofreudianos), todos os freudo-marxistas ligaram-se à idéia de que o freudismo e o marxismo são duas doutrinas da libertação do homem.”
Fromm, Erich
“No período entre-guerras, criticou a tese clássica do complexo de Édipo e valorizou o matriarcado, em detrimento do patriarcado, inspirando-se nos trabalhos de Johann Jakob Bachofen (1815-1887), em uma perspectiva próxima da de Friedrich Engels (1820-1895). Em 1946, seria duramente atacado por Theodor Adorno por seu <revisionismo> anti-freudiano e, mais tarde, por Marcuse.”
“A partir de 1951, como Igor Caruso, instalou-se na Cidade do México, onde o freudismo não se implantara, sendo considerado uma doutrina imperialista importada dos Estados Unidos.”
“Fromm fez da psicanálise a expressão última de uma crise espiritual do homem ocidental, desejoso de se libertar de seu inconsciente, contestou radicalmente o universalismo freudiano e a filosofia do Iluminismo, em nome do relativismo cultural, e pregou os valores de um humanismo individualista.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Erich Fromm, O medo da liberdade (NY 1941), RJ, Guanabara, 1986; L’Homme pour lui-même (NY, 1947), Paris, Éditions Sociales Françaises, 1967; A arte de amar (NY, 1956, Paris, 1967), BH, Itatiaia, 1964; La Mission de Sigmund Freud. Une analyse de sa personnalité et de son influence (NY, 1959), Bruxelas, Complexe, 1975; O conceito marxista do homem (NY, 1961), RJ, Guanabara, 1986; La Crise de la psychanalyse (NY, 1970), Paris, Anthropos, 1971; La Passion de détruire (NY, 1973), Paris, Laffont, 1975; A linguagem esquecida (Paris, Payot, 1975), RJ, Guanabara, 1986;
Martin Jay, L’Imagination dialectique. Histoire de l’École de Frankfurt, 1923-1950 (Boston, 1973), Paris, Payot, 1977;
Jean-Baptiste Fagès, Histoire de la psychanalyse après Freud (1976), Paris, Odile Jacob, 1996.
geração
“O estudo das gerações é comum a diferentes campos das ciências humanas e sociais, em especial a antropologia e a história. Na historiografia psicanalítica, esse instrumento sociológico permite estabelecer a genealogia dos sucessores de Freud, o encadeamento das diversas interpretações da obra original, a sucessão das escolas e a dialética dos conflitos conducentes a cisões. Por esse ponto de vista, existem 2 modos de enumeração: um, de alcance mundial e internacional, concerne aos diferentes membros da diáspora freudiana espalhados pelo mundo, e o outro, de alcance nacional, permite inscrever a filiação dos psicanalistas a partir de um grupo pioneiro (passível de ser reduzido a uma única pessoa, em certos países), considerado como o introdutor da psicanálise num dado país.”
“A segunda geração internacional, representada por Ernst Kris, Heinz Hartmann, Rudolph Loewenstein, Wilhelm Reich, Otto Fenichel, Melanie Klein, etc., é a que começou a se formar a partir de 1918, quer junto a Freud, quer no divã dos que lhe eram próximos. Já afastada do espírito de conquista que havia caracterizado sua antecessora, essa geração foi a componente essencial do aparelho da IPA da década de 30. Teve como verdadeiro porto de matrícula (salvo poucas exceções) não uma cidade ou um mestre, mas uma organização legitimista, que encarnava o movimento e a doutrina originais.”
“A terceira geração internacional, instruída pelos representantes da 2a ou tendo acesso ao freudismo através da leitura dos textos, foi a das grandes cisões, provocadas, entre 1950 e 70, pelo questionamento das modalidades da formação didática típica da IPA e pelas querelas de escolas em torno da interpretação da obra freudiana e da técnica psicanalítica (Self Psychology, Lacan, Heinz Kohut, Winnicott, Ruprecht Bion, Marie Langer, Caruso). À história dessa terceira geração liga-se a do surgimento de uma historiografia freudiana, a princípio oficial (com Jones e seus herdeiros), depois acadêmica (Ola Andersson, Henri Ellenberger) e, por fim, revisionista. Nessa condição, essa geração foi marcada por intensas batalhas em torno da tradução e da publicação das obras e da correspondência do mestre, bem como por uma fragmentação irreversível de todas as formas de legitimidade organizacional. Daí o confronto com uma profusão de escolas de psicoterapia.”
OITAVA, NONA, DÉCIMA?! Now loading…
Gestalt-terapia [form therapy]
“Inicialmente analisado por Reich, e depois por Karen Horney, Perls situou-se desde logo na dissidência do freudismo clássico. Fugindo do nazismo, emigrou para os Países Baixos e, em 1940, para a África do Sul, onde redigiu um primeiro livro em que revisava a concepção freudiana, aspirando a ver o corpo ser mais solicitado no processo da análise.” “Após uma temporada no Japão, associou a gestalt-terapia à prática do budismo zen, e depois se tornou um grande guru californiano, pregando ao mesmo tempo o naturismo, o orientalismo e a abertura para todas as formas de psicoterapias corporais que se desenvolveram na costa oeste dos Estados Unidos nos anos 70.”
O PODER DO WISHFUL THINKING: “a gestalt-terapia rejeita tanto a noção de isso quanto a de supereu, a primeira porque desviaria o sujeito da plena consciência de si, a segunda porque seria uma instância de opressão do eu.” “terapia de grupo voltada à <desintelectualização> do sujeito” “Daí a junção que se efetuou, mais ou menos em todas as partes do mundo, depois da morte de Perls, entre a gestalt-terapia e todas as técnicas ditas bioenergéticas, herdadas da vegetoterapia de Reich e baseadas na idéia de que a <comunicação não-verbal> (gritos, ginástica, massagens, expressões corporais, etc.) permite um melhor acesso à cura do que o tratamento pela fala.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Frederick Perls, Ego, Hunger and Agression. A Revision of Freud’s Theory and Method (1942);
Kurt Goldstein, La Structure de l’organisme[neurologia] (1934).
Glover, Edward
“Pioneiro da psicanálise na Grã-Bretanha, ao mesmo tempo conservador e rebelde, marginal e ortodoxo, Edward Glover foi, depois de Ernest Jones, o clínico mais poderoso da British Psychoanalytical Society (BPS), mas também o principal responsável por sua fragmentação, pois desencadeou, em 1942, as Grandes Controvérsias que resultariam na divisão da sociedade em 3 grupos:os annafreudianos, os kleinianos, os Independentes. Notável técnico do tratamento, Glover manejava a ironia com ferocidade e a língua inglesa com um verdadeiro dom de ator. Inventou a noção de núcleo do eu, para definir o esquema comportamental do lactente, ligado aos reflexos afetivos, e a de sexualização da angústia, para designar um processo de erotização, próprio da perversão, permitindo suprimir os temores do self por uma experiência orgástica.”
“Com Jones, presidente da BPS, Edward Glover realizou uma política conservadora no interior da sociedade, pretendendo manter a psicanálise afastada das instituições em que se praticavam diversas formas de psicoterapias, notadamente a famosa Tavistock Clinic. Essa atitude isolacionista seria reprovada pelos kleinianos, com os quais Glover estabeleceria um conflito permanente. Seu rigorismo o levou, em 1933, em sua obraGuerra, sadismo e pacifismo a interpretar os conflitos políticos em termos de neurose e a preconizar, para evitar as guerras, a entrada maciça dos diplomatas em análise e o reconhecimento oficial, pelos Estados, do caráter psicopatológico da própria guerra.” “atacou violentamente a <esquerda freudiana>, afirmando que esta queria anexar a psicanálise ao marxismo e ao comunismo”
“Inicialmente entusiasmado com as inovações kleinianas, rejeitou-as com a mesma radicalidade em 1933, a partir do momento em que, tendo-se tornado analista de Melitta Schmideberg, assumiu a revolta desta contra a mãe. Então, chamou de especulação estéril as hipóteses kleinianas sobre a psicose infantil e afirmou que elas não poderiam ser validadas enquanto não se demonstrasse que também se aplicavam aos adultos.”
“A partir de 1935, só chamava Melanie Klein de <cismática> e <desviante>, acusando-a de não ser mais freudiana e denunciando a idolatria de seus discípulos. Através desse combate, tentava defender, não os annafreudianos, nem mesmo a própria Anna Freud, que ele julgava incapaz de retomar a chama da <verdadeira> psicanálise, mas uma espécie de utopia. Na verdade, sonhava com o velho mundo vienense, então desaparecido, e combatia a burocracia ipeísta [dos institutos recém-criados de psicanálise] que acabara destruindo a autenticidade da análise didática: <Os sistemas de formação [de novos psicanalistas] se tornaram uma forma de poder político, mal-disfarçada por racionalizações…>”
Em fevereiro de 1944, demitiu-se da BPS, predizendo a esta um futuro lúgubre sob o reinado de um kleinismo e de um pós-kleinismo que qualificava de <junguismo>, rótulo infamante, em sua opinião. Entretanto, continuou membro da IPA através de uma filiação à Sociedade Suíça de Psicanálise (SSP), o que lhe permitiu preservar suas funções de secretário da IPA.
Não contente em perseguir Melanie Klein com suas invectivas, não hesitou, em 1944, durante programas de rádio, em criticar a famosa seleção pelos testes de aptidão (elaborada principalmente por John Rickman), que haviam revolucionado a psiquiatria inglesa durante a guerra.”
“Agora, os psiquiatras do exército estão com o rei na barriga […] Uma medida de precaução consistiria em submetê-los a um curso de reabilitação (como eles dizem, quando o aplicam aos outros), para que reencontrem uma perspectiva correta quanto aos direitos dos civis. Sem salvaguardas adequadas, esse sistema poderia carregar consigo os germes do nazismo.”
“Por ocasião da morte de Klein, prestou-lhe homenagem, como se o furor que demonstrara quando ela era viva tivesse sido apenas o sinal de uma ferida secreta [hehe].”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Glover, Freud et Jung (Londres, 1950);
_____, Técnica da psicanálise, 1955.
Göring, Matthias Heinrich
“foi assistente em Munique de Emil Kraepelin, apaixonou-se pela hipnose e depois adotou as teses da psicologia individual de Alfred Adler. No dia 1º de maio de 1933, aderiu ao Partido Nacional-Socialista, tornando-se, até a morte, um militante-modelo da doutrina nazista e o grande líder da psicoterapia alemã <arianizada>, isto é, desembaraçada não só de seus clínicos judeus, mas do <espírito judaico> em geral.
Göring não foi temido por seus aliados nem por seus adversários, que lhe deram o apelido de Papy, ou Papai Noel, por causa de sua longa barba e de sua aparente generosidade. Camuflava muito bem sua dureza por trás de uma aparência de menino tímido sofrendo de gagueira.”
“A partir de 1933, endeusou o Führer a ponto de pedir a todos os psicoterapeutas pelos quais era responsável que fizessem de Mein Kampfa bíblia da nova ciência psicológica do Reich.”
“A palavra psicanálise foi substituída por psicoterapia das profundezas, o Édipo foi simplesmente varrido, a sexualidade suprimida.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Les Années brunes. La Psychanalyse sous le IIIe Reich, textos traduzidos e apresentados por Jean-Luc Evard, Paris, Confrontation, 1984;
Chaim S. Katz (org.), Psicanálise e nazismo, Rio de Janeiro, Taurus, 1985.
gozo (Genuss)
DO DIREITO À CAMA: “O termo gozo surgiu no século XV, para designar a ação de fazer uso de um bem com a finalidade de retirar dele as satisfações que ele supostamente proporcionava. (…) Em 1503, o termo foi enriquecido por uma dimensão hedonista, tornando-se sinônimo de prazer, alegria, bem-estar e volúpia.”
SENSABORÕES DO CHÁ DAS 5: “A língua alemã faz uma distinção entre Genuss, termo que abrange as duas acepções francesas da palavra jouissance, e Lust, que exprime as idéias de prazer, desejo e vontade. Essa distinção era impossível de estabelecer na língua inglesa, onde existia apenas a palavra enjoyment, até o surgimento, em 1988, do termo jouissance, no Shorter Oxford English Dictionary.”
“Lacan estabelece então uma distinção essencial entre o prazer e o gozo, residindo este na tentativa permanente de ultrapassar os limites do princípio de prazer. Esse movimento, ligado à busca da coisa perdida que falta no lugar do Outro, é causa de sofrimento; mas tal sofrimento nunca erradica por completo a busca do gozo.”
“Desenvolvendo, em seu artigo intitulado Kant com Sade, a idéia de uma equivalência entre o bem kantiano e o mal sadiano, Lacan pretende mostrar que o gozo se sustenta pela obediência do sujeito a uma ordem — quaisquer que sejam sua forma e seu conteúdo — que o conduz, abandonando o que acontece com seu desejo, a se destruir na submissão ao Outro.
A partir do seminário do ano de 1969-1970 (O avesso da psicanálise) até o do ano de 1972-1973 (Mais, ainda), passando por De um discurso que não seria do semblante(1970-1971)e por …Ou pior(1971-1972), Lacan elabora sua teoria do processo da sexuação, que ele exprime por meio de um conjunto de fórmulas lógicas.”
ESSE SUJEITO É UM BIRUTA DE PRIMEIRA! “Lacan fabrica nessa ocasião uma palavra-valise, tal como as produzidas pelo fenômeno dacondensação [LAVA LIFE LOVE GIVER FORGIVEN], e chama o <pelo menos um> (au moins un) de <homenosum> (hommoinzun, homme moins un). Esse <homenosum>, que funda a possibilidade da existência da totalidade dos outros, esse pai originário, pai simbólico, segundo a conceituação lacaniana, não-submetido à castração, é, pois, o esteio da fantasia de um gozo absoluto, tão inatingível quanto o é esse pai originário.”
“O gozo feminino, portanto, é diferente e, acima de tudo, sem limite. É, pois, um <gozo suplementar> (um suplemento [WHEY!]), enunciado como tal no brilhante seminário Mais, ainda, cujos contornos realmente parecem ter sido esboçados alguns anos antes por Wladimir Granoff e François Perrier, em 1960, num relatório apresentado ao congresso de Amsterdã sobre a sexualidade feminina. É a existência desse gozo suplementar, incognoscível para e pelo homem, mas indizível pelas mulheres, que serve de base para o aforismo lacaniano, tantas vezes criticado, de que <não existe relação sexual>, desenvolvido no âmbito do seminário …Ou pior.”
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA:
Jacques Lacan, Diretrizes para um Congresso sobre a sexualidade feminina (1958), in: Escritos (Paris, 1966), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1998;
______. O Seminário, livro 7, A ética da psicanálise (1959-1960) (Paris, 1986), Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988;
Françoise Dolto, Sexualidade feminina (1982), SP, Martins Fontes, 1996, 3ª ed.;
Dylan Evans, An Introductory Dictionary of Lacanian Psychoanalysis, Londres, N. York, Routledge, 1996;
Julia Kristeva, La Révolution du langage poétique, Paris, Seuil, 1974;
Philippe Sollers, Femmes, Paris, Gallimard, 1982;
Elizabeth Wright (org.), Feminism and Psychoanalysis. A Critical Dictionary, Oxford, Blackwell, 1992.
Graf, Herbert (1903-1973), caso Pequeno Hans
“Até 1972, data da publicação das Memórias de um homem invisível, transcrição das quatro entrevistas concedidas por Herbert Graf ao jornalista Francis Rizzo, não se conhecia a identidade do menino de 5 anos que se celebrizou sob o nome de Pequeno Hans, graças ao relato feito por Freud sobre sua análise, realizada sob a condução de Max Graf, pai do paciente (ver abaixo).
Considerado um dos grandes casos da história da psicanálise, o tratamento do Pequeno Hans ocupou rapidamente um lugar especial nos anais do freudismo, a começar pelo fato de que o paciente (pela primeira vez) era uma criança e, além disso, porque Freud, em vez de ficar na posição de analista, interviera como supervisor.”
A BATATA AOS VITORIANOS: “A análise propriamente dita do Pequeno Hans desenrolou-se durante o primeiro semestre do ano de 1908. Foi contemporânea da de Ernst Lanzer, o Homem dos Ratos. Freud, com a autorização do pai do menino, publicou o relato em 1909, mas já se referira ao Pequeno Hans em dois artigos sobre a sexualidade infantil, publicados em 1907 e 1908. Na verdade, desde 1906, quando o menino ainda não tinha 3 anos, seu pai, conquistado pela psicanálise ao escutar sua mulher lhe falar de seu tratamento com Freud, tomava notas sobre tudo o que dizia respeito à sexualidade do filho, a fim de transmiti-las ao mestre, para quem se tornara uma pessoa da família. Max Graf não era o único a se entregar a esse tipo de observação: Freud, como lembrou no início de seu relato, incitara seus colegas das reuniões da Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras a se dedicarem a esse tipo de exercício, de modo a lhe levarem provas da solidez de fundamento de suas teses sobre a sexualidade infantil, expostas algum tempo antes nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade.”
“Desde as primeiras anotações do pai, o Pequeno Hans parecia muito preocupado com a parte do corpo a que chamava seu <faz-pipi>. Sucessivamente, perguntou à mãe se ela também tinha um, atribuiu um à vaca leiteira, à locomotiva que soltava água, ao cachorro e ao cavalo, mas não o atribuiu à mesa nem à cadeira. Esse interesse, como assinalou Freud com humor, não se limitava à teoria: levou Hans a ser surpreendido pela mãe quando se entregava a bulir no pênis. A ameaça brandida por esta, de mandar que lhe cortassem o <faz-pipi> se ele continuasse a se dedicar àquele tipo de atividade, não chegou a induzir nenhum sentimento de culpa, mas, como assinalou ainda Freud, fez com que ele adquirisse o complexo de castração. Prosseguindo em suas explorações, o menino procurou averiguar se seu pai também tinha um <faz-pipi> e ficou surpreso ao saber que a mãe, adulta, não tinha um <faz-pipi> do tamanho do de um cavalo.” “Hans precisaria de uns 6 meses para superar seu ciúme e se convencer de sua superioridade em relação à irmã caçula. Assistindo ao banho desta, constatou que ela possuía um <faz-pipi […] ainda pequeno> e, benevolente, previu que ele se tornaria maior quando Anna crescesse.”
“Nosso Pequeno Hans realmente parece ser um modelo de todas as perversidades.” Dr. F.vcked
“Hans atravessou em seguida um período marcado pela busca de emoções eróticas — apaixonou-se por uma menina e insistiu com os pais em que ela fosse a sua casa para que lhe fosse possível dormir com ela —, num prolongamento das emoções que sentira em suas incursões à cama dos pais. Um sonho, quando ele contava 4 anos e ½, traduziu seu desejo, desde então recalcado, de se entregar novamente ao exibicionismo a que se dedicara no ano anterior, diante das meninas. Esse período encerrou-se com o reconhecimento, por parte do menino, ao assistir outra vez ao banho da irmã, da diferença entre os órgãos genitais masculino e feminino.”
“Pouco antes da eclosão do estado ansioso, Hans tivera um sonho, um <sonho de punição>, diz Freud, no qual a mãe, com quem ele podia <fazer denguinho>, tinha ido embora. Esse sonho era um eco dos privilégios obtidos quando a mãe o levava para sua cama, no ano anterior, todas as vezes que ele manifestava ansiedade e também todas as vezes que seu pai estava ausente. Alguns dias depois, passeando com a babá, Hans começou a chorar e pediu para voltar para casa, para <fazer denguinho com a mamãe>. No dia seguinte, a mãe resolveu levá-lo pessoalmente para passear. A princípio ele recusou, chorou e, depois, deixou-se levar, porém manifestando um medo intenso, do qual só falou na volta: <Eu estava com medo que o cavalo me mordesse.> À noite, nova crise de angústia ante a idéia do passeio do dia seguinte e medo de que o cavalo entrasse em seu quarto. A mãe perguntou-lhe, então, se por acaso ele estivera pondo a mão no <faz-pipi>. Ao obter sua resposta afirmativa, ela lhe ordenou que parasse com aquilo, o que mais tarde ele confessou só conseguir fazer precariamente.”
“Essa transformação da libido em angústia é irreversível e a angústia tem que encontrar um objeto substituto, que constituirá o material fóbico.”
“Nesse estágio, Freud aconselha o pai de Hans a dizer ao menino que a história dos cavalos é uma <besteira> — esse foi o termo que o pai e o filho passaram a empregar para designar a fobia — e que o medo provém de seu interesse exagerado pelo <faz-pipi> dos cavalos.” “Passado algum tempo, a fobia retorna e se estende a todos os animais grandes, girafas, elefantes e pelicanos. Após um comentário de Hans sobre o enraizamento de seu <faz-pipi>, que o menino espera ver crescer junto com ele, Freud explica que os animais grandes lhe dão medo porque o remetem à dimensão atual e insatisfatória de seu órgão peniano. Quanto ao enraizamento, ele seria uma resposta à ameaça de castração, expressa muito antes pela mãe e cujo efeito se manifesta, assim, a posteriori, no momento em que a inquietação do menino aumentou, depois de feito o anúncio oficial sobre a ausência do <faz-pipi> nas mulheres.”
BUTT-BASH: “Certa manhã, Hans dá conta de sua incursão noturna à cama dos pais explicando que havia em seu quarto uma grande girafa e uma girafa amassada. A grande, diz ele, gritou que eu tinha tirado dela a amassada. Depois ela parou de gritar, e aí eu me sentei em cima da girafa amassada.” “Freud acrescenta que o <sentar-se> sobre a girafa amassada representa uma <tomada de posse>, baseada numa fantasia de desafio ao pai e na satisfação de menosprezar sua proibição, tudo isso revestindo-se do medo de que a mãe ache o <faz-pipi> do menino muito pequeno, em comparação ao do pai.”
CARROCAVALO: “A fobia se declara quando a angústia, que originalmente nada tinha a ver com os cavalos, transpõe-se para esses animais” “quando menor, Hans tivera paixão por cavalos, vira um de seus coleguinhas cair de um cavalo e se lembrava da história de um cavalo branco que era capaz de morder os dedos.”
“Hans ganhou mais liberdade com o pai, chegando a querer mordê-lo, prova de que o identificara com o tão temido cavalo. Mas isso não impediu que o medo dos cavalos persistisse.”
Ayrton Senna era a potência do brasileiro. Não tinha pra francês, alemão, nem gringo nenhum. Ayrton Senna era o Pelé dos motores de milhares de cavalos, e comia até a Xuxa depois dele! Trono ocupado. Não tinha o direito de morrer com um parafuso na cabeça.
Por que não compras uma limousine logo? Vamos de furgão para o casamento (almoço grátis de rico).
“A mãe, momentaneamente esquecida, voltou ao primeiro plano, por intermédio de fantasias excrementícias e reações fóbicas à visão de calças amarelas e pretas.”
“Seguiram-se então a fantasia do bombeiro, que furava o estômago de Hans com uma broca, e o medo de tomar banho numa banheira grande. A fantasia do bombeiro, fantasia de procriação, encontraria sua significação mais tarde, ao ficar claro que o menino nunca havia acreditado na história da cegonha, e ficara zangado com o pai por lhe contar essas mentiras.”
“Parece que, para Hans, os veículos, assim como os ventres das mães, eram carregados de filhos-excrementos: a queda dos cavalos, tal como a dos <lumfs> [cocô], era a representação de um nascimento, e Freud sublinha, nessa oportunidade, o caráter significante da expressão <deitar cria>. O cavalo que cai, portanto, não é apenas o pai que morre, mas também a mãe que dá à luz.”
Nascer já é entrar pelo cano (ou escapamento). Fu-[cadê]ligem. foolimage
“Diversamente dos outros casos princeps [que chic] expostos por Freud, o do pequeno Hans não foi objeto de nenhuma revisão historiográfica exaustiva. Entretanto, deu margem a numerosas leituras críticas.”
“Num primeiro momento, enquanto era impensável abordar tão de perto a lendária <inocência infantil>, os psicanalistas fizeram desse caso o paradigma de todos os processos de psicanálise de crianças. Foi preciso esperar que os primeiros passos fossem dados nesse campo por Hermine von Hug-Hellmuth, e sobretudo aguardar a revolução efetuada por Melanie Klein, para que essa concepção fosse ultrapassada no movimento psicanalítico.”Ultrapassada mas não muito: Klein, como diz Deleuze, segue na triangulação simbólica estúpida do “comboio papá-Dick / estação mamã”.
“Lacan dedicou a segunda parte de seu seminário do ano de 1956-1957, intitulado A relação de objeto, ao caso do pequeno Hans. Seu objetivo era elaborar uma clínica lacaniana da análise de crianças, da qual Jenny Aubry e Françoise Dolto eram as grandes mestras, que fosse capaz de rivalizar com a escola inglesa, enriquecida pelas contribuições contraditórias de Melanie Klein, Anna Freud e Winnicott. Para Lacan, a fobia de Hans sobreviera com a descoberta de seu pênis real e com seu conseqüente pavor de ser devorado pela mãe, investida de uma onipotência imaginária. A fobia, portanto, só podia ser ultrapassada, senão curada, pela intervenção do Pai real (Max Graf), apoiada pelo Pai simbólico (Freud), que teve como efeito separar o menino da mãe e garantir seu avanço do imaginário para o simbólico. Lacan interpretou os mitos dos animais que funcionaram na análise em termos lévi-straussianos. Longe de buscar em cada um deles uma significação particular, ele os relacionou uns com os outros, a fim de captar a reiteração do semelhante num sistema. O cavalo, portanto, ora remete ao pai, ora à mãe, e funciona como elemento significante, isolado do significado. A torção que com isso Lacan imprime à teoria freudiana do Édipo está ligada a sua concepção do declínio da função paterna na sociedade ocidental, que ele expusera em 1938 em seu artigo sobre a família.” Alguns não percebem o quão atrasados estão.
“Em 1987, o psicanalista francês Jean Bergeret relacionou as dificuldades de Hans com as que o próprio Freud teria conhecido na infância. Observando que os dois únicos textos que Freud não publicou em vida (o que ele dedicara aos personagens psicopáticos no palco, cujo manuscrito entregou a Max Graf no começo da análise de Hans, e o que foi encontrado e publicado por Ilse Grubrich-Simitis sob o título de Neuroses de transferência: uma síntese) têm em comum o tema da violência irrepresentável, indizível, produzida por uma incitação sexual precoce demasiadamente intensa, Bergeret defendeu a hipótese de que a análise do Pequeno Hans teria sido construída com base na denegação de um trauma conhecido.”
Estudiosos da vida de Max Graf classificam-no como “bom pai porém péssimo marido”. Como o que Lacan faz é aumentar a responsabilidade da mãe na psicopatia desta criança, isso só aumentou a polêmica e controvérsia sobre a psicanálise do Pequeno Hans.
“Em 1996, Peter L. Rudnytsky, um professor universitário norte-americano, propôs considerar o caso do Pequeno Hans mais como um exemplo de terapia de família do que como a análise de uma criança. Sua abordagem do caso referiu-se às teses feministas desenvolvidas, em especial, por Luce Irigaray. Ela o conduziu a discernir nessa análise os elementos fundamentais da concepção freudiana da diferença sexual e da sexualidade feminina, que apareceria sob sua forma definitiva em 1933, nas Novas conferências introdutórias sobre psicanálise.”
“Em 1922, Freud acrescentou um <epílogo> a seu texto de 1909; nele, relatou brevemente a visita, naquele mesmo ano, de um rapaz que se apresentara a ele como sendo o Pequeno Hans. Para Freud, essa visita constituiu, antes de mais nada, um contundente desmentido das sinistras previsões enunciadas na época da análise. Ele se felicitou pelo fato de o rapaz ter conseguido superar as dificuldades inerentes ao divórcio e às segundas núpcias de seus pais e, finalmente, observou que Hans/Herbert esquecera tudo de sua análise, inclusive a própria existência dela.”
“Embora, na época, a análise do Pequeno Hans fosse um assunto freqüentemente evocado nessas reuniões das noites de quarta-feira, Max Graf não faz a menor alusão a ela. É mais prolixo no que concerne ao que o psicanalista holandês Harry Stroeken propôs chamar de <a relação entre a família Graf e Freud>. Assim ficamos sabendo, entre outras coisas, que Freud, que se associava com facilidade aos festejos familiares dos Graf, levou para o Pequeno Hans, de presente por seu 3o aniversário, um… cavalo de balanço!”
“Em suas Memórias, Herbert Graf manifesta, no ocaso da vida, um fervor e uma admiração pelo pai que impressionam ainda mais pelo fato de ele não dizer uma só palavra sobre a mãe ao longo dessas quatro entrevistas. Essa clivagem parece ilustrar bem o que foi a vida do Pequeno Hans quando transformado em adulto, caracterizada pelo contraste entre seu sucesso profissional e seus fracassos afetivos. Com efeito, Herbert Graf conheceu, na juventude, por intermédio do pai, tudo o que Viena tinha a oferecer em matéria de personalidades do mundo artístico da época. Gustav Mahler foi seu padrinho, enquanto Arnold Schönberg (1874-1951), Richard Strauss (1864-1949) e Oskar Kokoschka (1886-1980) estiveram entre os freqüentadores da casa dos Graf.” “ele defendeu uma tese sobre a cenografia wagneriana que lhe valeu o reconhecimento oficial da família do autor dos Mestres cantores. Depois de se arriscar sem sucesso na arte lírica, assumiu a direção cênica da Ópera de Münster.”